Comer.
Nada menos que seu próprio corpo.
Só de pensar nisso o enchia de uma sensação de repulsa.
O que essa mulher acabou de dizer? Já estava morto, então poderia comê-lo?
A maneira como ela falava como se fosse natural o fez sentir de novo. A distância entre ele e Pale. Quão distantes eles estavam.
— …
Furtiva, Pale baixou lentamente o ‘cadáver de Lukas’ que ela estava segurando. Talvez fosse porque ela viu o desconforto no rosto dele. Ou talvez estivesse apenas ofendida por Lukas ter rejeitado sua proposta mais uma vez. Havia uma pitada de insatisfação em seu rosto.
— Este tio não é o tio.
— Eu sei…
Ele pelo menos sabia disso.
Aquele cadáver era uma possibilidade descartada de Lukas. Eles eram basicamente os mesmos, mas ainda assim diferentes.
“Não sou eu, é outro eu.”
Ele conseguia entender a verdade nesta fala que parecia um trocadilho.
No entanto.
— Não é isso.
Interrompendo seus pensamentos, Pale abriu a boca.
— Eu não entendo. Mesmo que seja um ato como canibalismo, essa é realmente uma situação em que você pode ser exigente?
— …
— Você disse que quer se tornar um dos Doze Lordes do Vazio. Acha mesmo que conseguiria alcançar os dedos dos pés deles assim?
Ele não conseguiria alcançá-los. Sabia disso.
No final, o orgulho de Lukas era o que o estava segurando agora? Ele ainda não estava desesperado o suficiente, apesar de ver o futuro? Ainda havia o pensamento em algum lugar de sua mente de que ele poderia relaxar?
— Huu…
Pale suspirou em uma mistura de cansaço e frustração.
Então com um ‘tuk’, ela jogou o corpo de Lukas longe.
— A predação é diferente do que o tio pensa.
— …
— Humpf.
Pale bufou pesadamente.
Em um instante, sua expressão fria desapareceu.
— Não sei mais. Faça o que quiser.
Depois de murmurar essas palavras, ela de repente escalou uma montanha de cadáveres e desapareceu. Não disse para onde estava indo, nem quando voltaria.
Um sentimento de solidão.
Apenas o cheiro podre de cadáveres o acompanhava.
O olhar de Lukas se voltou para o ‘cadáver de Lukas’ que Pale havia deixado para trás.
— …
“Outro eu.”
Quando se lembrou do que acabara de ouvir, as emoções que sentiu se tornaram mais proeminentes.
Essas emoções não eram simplesmente por causa da sensação estranha que teve ao ver seu próprio cadáver.
Em primeiro lugar, o corpo.
O corpo desse Lukas era muito mais musculoso que o dele.
Também não negligenciou seu treinamento no passado e treinou sua mente e corpo ao mesmo tempo, mas isso foi apenas para aumentar sua concentração e força física, o que acabou aumentando seu poder mágico.
Por outro lado, o corpo deste Lukas era… Diferente. Músculos cobriam todo o seu corpo, mostrando que ele era muito mais dedicado do que ele tinha sido.
Esses não eram músculos que poderiam ser formados através de um simples treinamento, e havia muitas cicatrizes, grandes e pequenas, cruzando todo o seu corpo.
Arranhões, cortes e até perfurações.
Isso também era muito estranho. Quatro mil anos antes de seu retorno, Lukas travou uma guerra amarga contra os semideuses. Naturalmente, poucos de seus ferimentos foram causados por lâminas.
— Você.
Lukas estendeu a mão, sua curiosidade crescendo.
Um ser com o mesmo nome que ele, mas que viveu algo diferente.
— Que tipo de vida você viveu?
Assim que seus dedos tocaram a pele pálida.
[Você está curioso?]
Ele parecia ouvir uma voz.
No momento em que Lukas se encolheu e tentou afastar a mão.
[Então vivencie.]
Whoosh!
— !
As lembranças vieram à tona.
Em um prédio carregado com cheiro de musgo.
Que ficava nos arredores da cidade, cercada por árvores exuberantes e ervas daninhas.
Um lugar repleto com os sons de bichos da floresta durante o dia e de corujas à noite.
Jrr—
Lukas ficou em silêncio na frente do prédio.
Parecia que ele estava olhando para um lugar empoeirado que havia ficado abandonado por muito tempo.
O que ele estava vendo atualmente era o passado distante.
— …
Ele estendeu a mão para a parede rachada do prédio, mas sua mão passou por ela em vez de tocá-la. Não era possível para ele interagir com nada. Isso mostrou que ele estava vivenciando tudo como um fantasma. No entanto, não era falso.
Esta era uma visão do passado de Lukas.
Claro, não era dele.
Era do Lukas que estava morto.
Este era o passado do Lukas, que seguiu um caminho diferente e experimentou outras possibilidades.
Tap tap—
O silêncio foi quebrado. A oeste, alguém se aproximava da cidade.
Era uma mulher com uma aparência vulnerável. Ela parecia ter cerca de trinta anos, mas seu rosto cansado a fazia parecer mais velha.
Ela segurava um bebê recém-nascido em uma das mãos e a outra apertava a mão de uma criança com uma expressão ousada.
— Huu…
Ela ficou na frente do prédio silencioso por um momento antes de respirar fundo. Ela ergueu a mão para bater à porta e hesitou.
Por um momento.
Finalmente, ela pareceu fortalecer sua determinação quando finalmente bateu à porta.
Clique—
A porta se abriu, revelando uma mulher de meia idade com uma figura voluptuosa. Seu cabelo grosso e grisalho estava bem penteado e sua expressão era suave e gentil.
Iluminando o rosto de seus visitantes com um castiçal em sua mão, a mulher de meia idade perguntou.
— Sra. Larson?
A mulher pálida assentiu.
— Eu sou Grecia Larson.
— Ah.
A mulher de meia idade sorriu.
— Você chegou um pouco mais tarde do que eu esperava.
— Desculpe. É que… Eu estava tentando enganar os olhos dos outros…
— Está tudo bem, senhora.
A mulher de meia idade colocou a mão sobre o peito e se curvou de maneira digna.
— Minha apresentação está um pouco atrasada. Sou Sophia. Estou atuando como zeladora deste lugar no lugar da senhorita Aria, que está ausente por motivos pessoais.
— Sim. Senhora Sophia. Obrigada por aceitar meu pedido pessoal desta vez.
— Huhu.
Sophia sorriu gentilmente.
— A brisa da noite é fria. Por favor, entre.
— Sim… Mark, por favor, espere aqui fora.
O garoto chamado Mark assentiu. O menino tinha no máximo seis ou sete anos. Deveria ser assustador ficar em frente a um prédio tão deserto no meio de uma floresta escura, mas os olhos de Mark brilharam com curiosidade.
Desviando os olhos do menino, Lukas seguiu os passos das duas mulheres.
Velas iluminavam suavemente o corredor escuro. O velho piso de madeira rangia de vez em quando e, a cada vez, Grecia estremecia.
— Tudo bem. Nessa época do ano, as crianças dormem tão profundamente que não acordariam nem se você as pegasse no colo.
— Vou manter isso em mente…
Eventualmente, chegaram a uma pequena sala.
As mesas e cadeiras eram velhas, mas não havia poeira e a sala parecia limpa. Esta era a prova de que era limpo regularmente.
— Peço desculpas por não ter nada para servir, senhora.
— Não, está tudo bem. Mais do que isso…
— Sim. Você provavelmente não tem muito tempo. Então…
Os olhos de Sophia se estreitaram ligeiramente.
— Essa é a criança?
— Sim.
— Posso ver o rosto dele?
— Claro.
Grecia entregou lentamente o bebê recém-nascido que estava abraçando para Sophia. O bebê estava dormindo profundamente.
Da cidade até este prédio a pé levou cerca de uma hora, mas o bebê não deu sinais de acordar. O mesmo foi verdade enquanto a conversa silenciosa estava acontecendo ao redor dele.
— Olha só.
A expressão de Sophia era gentil. Ela gentilmente afastou o cabelo do bebê para não acordá-lo.
— Tão lindo. É um menino?
— Sim.
— Qual é o nome dele?
— A senhorita Sophia pode nomeá-lo…
Foi nessa hora que a expressão de Sophia mudou.
— Isso não é possível.
— Hein?
— Eu sei que a senhora tem circunstâncias especiais. Mas esta criança é sua. Não importa que vida a madame possa levar no futuro, ou como essa criança crescerá. Esse fato não vai mudar.
— …
— Senhora, por favor, diga-me o nome desta criança. Parece que você ainda não o nomeou. Mas posso dizer só de olhar em seus olhos. Que a senhora ama muito esta criança.
Os olhos de Grecia ficaram vermelhos. Eventualmente, ela não aguentou mais e começou a chorar.
— Lu- kas…
E disse o nome da criança.
— O nome dessa criança é Lukas.
Sophia sorriu novamente.
Então olhou para o rosto pequeno e travesso da criança.
— Que bom. Mamãe te deu um nome tão bonito. Você também está feliz, não está, Lukas?
— Senhora Sophia, eu sei que não mereço isso. No entanto, gostaria de perguntar vergonhosamente. Essa criança, Lukas…
Ela começou a soluçar antes que pudesse terminar a frase.
— Não posso prometer a você que esta criança crescerá adequadamente. Porque isso seria uma mentira. Claro, farei o possível para garantir que Lukas cresça e se torne um bom adulto.
A expressão de Sophia tornou-se triste.
— Independentemente da minha vontade, vi inúmeras crianças se desviarem.
No entanto.
Enquanto ela continuava, a expressão de Sophia tornou-se séria.
— Você pode ter certeza de uma coisa. Hoje, nosso Orfanato Trawman ganhou um novo membro da família.
Com isso, Grecia silenciosamente começou a chorar.
Sophia levantou-se e silenciosamente colocou os braços em volta dos seus ombros.
— Tudo bem. Vai ficar tudo bem. Um dia, até essa criança vai entender. Eu ajudarei. Para que essa criança se torne alguém com o coração tão largo quanto o mar e tão puro quanto a floresta.
— Obri— Obrigada. Obrigada…
— …
Lukas.
Ele ouviu toda a conversa.
E olhou em volta.
Orfanato Trawman, uma instituição financiada pelo reino à qual ele foi confiado quando criança…
Seu olhar foi para frente mais uma vez.
Ele olhou para a mulher com a expressão vulnerável, cujos ombros ainda tremiam.
Ela era estranha, mas também familiar. Ele podia ver algumas semelhanças. Não no cabelo, mas principalmente nos olhos.
“Entendo.”
Esta mulher era sua mãe.
— Foi o mesmo para você até aqui.
Ele ouviu uma voz.
Lukas se virou.
Um ‘Lukas’ estava parado ali.
— Lukas.
Ele falou seu nome.
— Lukas…
Lukas também falou seu nome.
Os dois ficaram de frente um para o outro.
Eventualmente, ‘Lukas’ riu.
— Incrível. Um Lukas Trawman Mago. Verdade. Então esse futuro existia. Bem. Eu era muito qualificado quando se tratava de mana.
— Você não era um Mago?
— Eu pareço um Mago?
‘Lukas’ perguntou de volta. Lukas não respondeu de imediato. Ele riu novamente.
— Estou muito curioso. Como era sua vida? Você gostou? Você sentiu calor? Havia pelo menos uma única pessoa em quem você pudesse confiar?
Sua voz cínica logo se encheu de raiva.
— Não. Minha vida não foi nada tranquila. Tudo o que eu desejava se afastava quando eu me sentia cada vez mais perto e desaparecia quando eu segurava em minhas mãos.
— …
— Você quer colocar as mãos na minha possibilidade? Eu darei a você se você quiser. No entanto…
‘Lukas’ sussurrou.
— Antes disso, você deveria aprender. Sobre mim. Sobre minha vida.
Ele sentiu a luz do sol.
“Luz solar?”
Lukas imediatamente abriu os olhos, chocado.
Ao contrário de seu corpo cansado, sua mente estava clara.
— Coff.
Quando soltou uma tosse baixa, viu um redemoinho de poeira. Sua condição não era muito boa. Ao tatear instintivamente o chão, sentiu o toque de um cobertor velho.
Ele olhou ao redor.
Dezenas de cobertores estavam espalhados em uma sala espaçosa. O cobertor sobre o qual Lukas estava deitado era um deles.
Cada cobertor tinha seu dono. Eram todas crianças em diferentes fases da infância, com diferentes aparências e gêneros.
— …
Esta cena.
Além da sensação de familiaridade veio uma sensação de nostalgia.
Se suas memórias estivessem corretas, este lugar…
Quase como se estivesse possuído, ele se levantou de sua cama. E andou com cuidado na ponta dos pés para não acordar as outras crianças. Seu destino era uma grande janela no final da sala. Depois de um tempo, ele chegou diante dela.
E Lukas escancarou a janela.
— …
Ele podia ver a cena de uma floresta familiar, ouvir os sons dos pássaros cantando e sentir o ar fresco adentrando seus pulmões.
— Você acordou cedo hoje também, Lukas.
Ele ouviu uma voz suave. Veio do quintal do lado de fora da janela.
Uma mulher de meia idade estava lá enquanto pendurava a roupa.
Sophia…
Ela parecia mais velha do que quando a vira pela última vez.
“Ela falou comigo.”
Surpreso, ele olhou para suas mãos. Foi com aquelas duas mãozinhas que ele abriu a janela.
Em outras palavras, era possível para ele interagir com as coisas ali.
As palmas de Lukas eram suaves. Talvez porque fosse apenas um menino, elas pareciam um pouco rígidas, mas isso era tudo. Não havia calos por segurar armas ou canetas por muito tempo.
— Lukas?
Como se estivesse intrigada, Sophia chamou seu nome.
Ele levantou a cabeça.
Ainda não entendia bem a situação.
No entanto, estava claro que ação ele tinha que tomar no momento.
Vasculhando suas velhas memórias, Lukas olhou para Sophia.
— Bom dia, Sophia…
E falou como Lukas Trawman quando tinha doze anos.