A filial inglesa dos Sagrados Paladinos era mais complicada do que o esperado, e nada parecida com a estrutura eficiente única de Landa.
Seu propósito era defesa e segurança, em vez de conveniência.
Depois de descer as escadas e contornar, eles finalmente chegaram em frente a uma porta.
— Aqui.
O servo que havia guiado Oliver falou. Era um lugar completamente fechado, sem uma única janela.
— Entre. — Insistiu o servo que o havia guiado.
— Entendido, obrigado pela orientação.
O servo resmungou com a saudação educada de Oliver. De alguma forma, as pessoas aqui pareciam ter pavios curtos.
Creeeek…
Ao entrar na sala através da espessa porta de ferro, Oliver imediatamente notou uma mesa e cadeiras simples situadas no espaço vazio. Sentado à mesa estava um homem cujo rosto ele reconhecia muito bem.
— Olá, Sir Elton. Já faz um tempo.
Oliver cumprimentou calorosamente o Paladino, que ostentava uma barba luxuriante e uma juba reminiscente de um leão. O homem de meia-idade tinha uma constituição robusta e olhos penetrantes, dando-lhe a aura de um leão bípede.
A última vez que Oliver encontrara esse homem foi durante seu interrogatório pelo funcionário da cidade, Paul Carver, após sobreviver milagrosamente a um encontro com o Marionete na zona contaminada. Naquela época, o homem havia acompanhado Joanna e interrogado Oliver mais uma vez.
Embora menos de um ano tivesse se passado desde esse evento, parecia uma vida inteira atrás para Oliver.
“Hum, muita coisa aconteceu.”
O Paladino falou devagar, sua voz comedida.
— Você se lembra do meu rosto?
— Sim… Mas não vejo sua colega com você hoje.
A colega em questão não era ninguém menos que Joanna, mas ela não estava em lugar algum. A expressão de Elton se azedou ligeiramente com a menção de sua ausência, sugerindo que a pergunta tinha tocado num ponto sensível. Apesar de confiar em itens mágicos e outros poderes para ocultar suas emoções, Oliver conseguiu discernir uma leve sugestão do descontentamento de Elton.
— Por que está perguntando?
— Só notei uma mudança desde então. Peço desculpas se minha pergunta o deixou desconfortável.
Oliver disse imediatamente, desconsiderando o assunto. Elton ainda tinha uma expressão desagradável, mas não fez mais perguntas. Ele não estava particularmente curioso.
— Sente-se
— Sim.
Oliver se sentou à mesa em frente a Elton, memórias de seu interrogatório passado inundando-o.
— Posso perguntar a razão por trás da sua investigação dos bruxos?
O Paladino organizou casualmente os documentos e falou.
— Deixe-me contar as regras aqui. Eu faço as perguntas, e você responde. Entendido?
— Sim, entendi.
— Bom. Qual é o seu nome?
Oliver se viu sujeito à mesma linha de questionamento de seu interrogatório inicial. Elton não estava interessado nas respostas, mas sim procurando por inconsistências ou vulnerabilidades que pudesse explorar.
À medida que a troca tediosa continuava, Oliver ficou cada vez mais entediado e começou a se perguntar por que o estavam submetendo a esse sofrimento.
Foi então que ele percebeu a sorte que tinha de viver em um mundo onde podia fazer perguntas e buscar respostas, e estremeceu ao pensar em uma realidade onde esse luxo lhe fosse negado. Quanto tempo ele conseguiria suportar em um mundo assim?
— Durante nossa última conversa, você mencionou que não tinha envolvimento com o Marionete. Isso ainda é verdade?
— Sim, é verdade.
— Então, posso perguntar como você faz uso dos bonecos cadáveres?
Elton perguntou afiado, suas emoções se inflamando.
— Recebemos um relatório de que um bruxo, que utiliza uma bolsa glutona capaz de conter um objeto do tamanho de um humano, está usando bonecos cadáveres. Pelo que entendemos, você é o único Solucionador nesta cidade conhecido por usar uma bolsa glutona desse tamanho. Você pode refutar essa informação?
“Ah…”
Oliver teve uma epifania sobre a sabedoria do conselho de Forrest.
Ele o havia alertado contra usar a Grande Boca e os bonecos cadáveres na frente dos outros, e agora, assim que violou essa regra, encontrou-se diante de um problema.
— É verdade. Até onde eu sei, sou o único usando uma bolsa glutona desse tamanho.
— Você pode fornecer uma explicação sobre o uso dos bonecos cadáveres? Vai dizer que podia usá-los desde o início?
— Não, não é o caso. Descobri um livro sobre bonecos cadáveres na zona contaminada, o que me permitiu aprender a usá-los. Só usei materiais que encontrei nos bonecos cadáveres descartados.
— Você espera que eu aceite essa explicação?
— Mas é a verdade.
Oliver disse descaradamente meia-verdade. Embora não fosse completamente falso que ele havia adquirido a habilidade de usar bonecos cadáveres através de um livro que encontrara na zona contaminada, era mentira que ele apenas usara bonecos cadáveres reciclados.
A declaração era genuína, mas apesar disso, Elton não conseguiu apreender Oliver.
A razão para isso era desconhecida, mas Oliver notou a situação e se absteve de provocar o paladino, reconhecendo a futilidade de fazê-lo.
— Sinto muito por usar os bonecos cadáveres. No entanto, gostaria de solicitar que leve em consideração o fato de que só reutilizei materiais de bonecos cadáveres já existentes.
Como esperado, o paladino não pôde pressionar mais. Em vez disso, procurou por algo mais para usar contra ele.
— Tenho mais uma pergunta.
— Claro, por favor, prossiga.
— Em nossa conversa anterior, você mencionou que encontrou o Marionete e foi derrotado. No entanto, quando visitei o local onde se dizia que O Marionete havia aparecido, descobri evidências de uma batalha feroz. Não parecia o resultado de uma derrota unilateral. Você tem conhecimento de alguma explicação para isso?
Elton ofereceu uma isca a Oliver, e era evidente pelo estado emocional dele que ele estava procurando uma maneira de incriminá-lo, independentemente de ter ou não alguma evidência concreta.
Sentindo a intenção hostil, Oliver mudou a conversa para um tópico diferente que despertou sua curiosidade pessoal.
— Já que você esteve lá, você viu? Os vestígios de experimentação humana feitos pelos magos?
Tum!
Apesar de não haver som, era como se algo pesado tivesse caído nos ouvidos de Elton, e um arrepio percorreu sua espinha.
Era, sem dúvida, apenas sua imaginação, mas a atmosfera tornou-se tão fria quanto gelo.
Por um momento, houve um silêncio profundo, até que finalmente, o Paladino Elton o quebrou falando.
— Pelo que me lembro, era minha responsabilidade fazer as perguntas?
— Peço desculpas pelo meu comportamento. Eu estava apenas curioso. Você testemunhou algum sinal de experimentação humana, ou está fingindo ignorância?
O Paladino Elton rangeu os dentes, cerrando a mandíbula com força. A enxurrada de emoções dentro dele, uma mistura de raiva, embaraço, arrependimento e angústia, o faziam parecer tão imponente quanto um leão de verdade. O silêncio tenso pairava no ar como um peso pesado.
O bruxo e o paladino se encararam através da mesa, seus olhares travados em um intercâmbio feroz que parecia se estender por uma eternidade.
— Se minha pergunta foi muito difícil, não há necessidade de você responder. Francamente, não tinha grandes expectativas.
Uma observação totalmente insolente. Embora Oliver não tivesse más intenções, a observação foi mais maliciosa do que qualquer forma de zombaria.
Em resposta, Elton falou.
— Não saia falando sem nenhum conhecimento, Bruxo…
— Paladino. Um defensor do mundo humano em nome de Deus e protetor da humanidade. Um ser que sustenta os ensinamentos do Santo Pai e preserva a ordem… isso eu sei.
— Como um Bruxo se atreve a falar do nosso Deus?
— Não, eu não possuo conhecimento suficiente para discuti-Lo. Eu li as escrituras, mas elas são intrincadas demais para serem totalmente compreendidas. No entanto, eu O considero com grande respeito. Ele parece ser um ser magnífico, mesmo que minha compreensão seja limitada.
A cena era peculiar. Oliver falava de Deus com um toque de admiração e respeito, mas seu tom era vastamente diferente do de uma pessoa comum.
Para a maioria dos humanos, Deus era uma entidade intocável, e existia uma distância intransponível que nunca poderia ser superada, não importava quanto eles admirassem ou adorassem. No entanto, para Oliver, essa distância parecia não existir. Era como se ele falasse de alguém com quem ele havia prometido se encontrar há muito tempo, alguém com quem ele era incrivelmente familiar.
Embora sua atitude pudesse ser considerada potencialmente blasfema, parecia tão natural que até mesmo o paladino não considerou detê-lo por um momento.
O paladino recuperou a compostura e disse:
— Cuidado com o que você diz. Não fale assim sobre o nosso Deus.
— Eu sinto muito. Estava apenas respondendo à pergunta, mas se isso o ofendeu, aceite minhas desculpas.
A testa do paladino se aprofundou enquanto ele observava o bruxo diante dele. Ele havia perdido completamente o controle da conversa e, apesar de sua lembrança de Oliver como uma pessoa impressionante, o bruxo agora parecia vastamente diferente de como o lembrava um ano atrás.
O paladino não pôde deixar de se perguntar se a mudança era devida à criança que Oliver havia secretamente encontrado. Conforme a conversa mergulhava no silêncio, Oliver aguardava pacientemente pela próxima pergunta do paladino.
Tic–tac, tic–tac.
O tempo passava sem um propósito significativo, e o som de um relógio inexistente ecoava ao fundo. À medida que os minutos improdutivos passavam, Oliver falou timidamente.
— Senhor Paladino, se tiver alguma pergunta—
— Pode soar como uma desculpa, mas…
A interrupção repentina do paladino fez com que Oliver franzisse a testa em leve confusão.
Depois de uma pausa momentânea, o paladino voltou a falar com paciência e determinação inabaláveis.
— O mundo é um lugar complexo, Bruxo. A Igreja Parter é uma instituição centenária de grande porte e complexidade.
— ……
— É por isso que, de vez em quando, precisamos fazer compromissos com o mundo.
— Uh, entendi… Eu entendo.
Oliver se viu pronunciando um ‘eu entendo’ insincero pela primeira vez em sua vida. Ele não conseguia identificar exatamente a razão por trás disso, e a ideia de aprofundar o assunto parecia incômoda para ele.
Tudo o que ele queria era que o momento passasse rapidamente. No entanto, o paladino voltou a falar mais uma vez, atraindo a atenção de Oliver de volta para a conversa.
— As pessoas que se recusam a fazer compromissos podem eventualmente fraquejar.
— Hm… Senhor Paladino? Eu não acho necessário lembrar um simples bruxo como eu…
— Assim como a Joanna…
— ……
— Não somos cegos nem surdos. Não somos alheios aos aspectos sombrios e desagradáveis desta cidade. No entanto, como membros da Igreja, não podemos agir baseados apenas em nosso senso pessoal de justiça. Fazer isso poderia levar ao nosso afastamento do caso e até mesmo à perda da oportunidade de resolvê-lo.
— ……
— Joanna afirmava que os magos estavam realizando atrozes experimentos humanos e havia defendido uma investigação a seus superiores por vários meses. Posteriormente, ela foi transferida para um local diferente. Isso foi depois dela ter se encontrado com você.
— Você estava ciente do nosso encontro?
Oliver se absteve de negar a acusação. Ele reconhecia o estado emocional elevado do paladino e sabia que uma mentira frívola não seria suficiente nesta situação.
Além disso, ele estava genuinamente curioso sobre a história de Joanna.
— Como mencionei antes, não somos ignorantes do que ocorre ao nosso redor. Embora eu possa não saber os detalhes, eu sabia que você estava a encontrando no templo.
— Se posso perguntar, por que você não prosseguiu com isso? Afinal, eu sou um Bruxo.
— Porque eu tinha fé nela. Acreditava que ela tinha razões válidas para suas ações.
A sinceridade permeava a voz de Elton enquanto ele expressava sua confiança na Joanna. Era evidente que ele tinha uma crença inabalável em seu caráter.
— No entanto, após seu último encontro, ela parecia estar em sofrimento e lutando com conflitos internos. Como mencionei anteriormente, ela insistia em sua demanda por uma investigação aos magos de Landa, mas acabou sendo ostracizada. Consequentemente, estou curioso para saber a natureza de sua conversa.
— Por que você está curioso?
— Ela era uma garota notável, e também acontecia de ser minha parceira.
Depois de um momento de contemplação, Oliver abriu os lábios para falar.
— Obrigado por me guiar.
Ao concluir o interrogatório, Oliver subiu do subsolo e pisou em solo firme.
O servo que o guiava lhe lançou um olhar curioso, mas Oliver manteve a compostura e fez uma reverência educada, mostrando sua cortesia.
— Ei, estou feliz que você esteja aqui. Você veio mais rápido do que eu esperava. Tudo correu bem?
Forrest estava esperando no corredor quando avistou o retorno seguro de Oliver. Uma onda de alívio o inundou, e ele não pôde deixar de mostrar uma felicidade genuína em seu rosto. Era evidente pelo estado emocional que ele estava preocupado com a situação inesperada.
— Sim, não houve nada digno de nota. Você estava esperando no corredor?
— Isso mesmo.
— Você não deveria ter esperado no carro?
— Pensei que, se esperasse aqui, mostraria que estava preocupado com você. Mas, ei, o que há de errado? Seu rosto parece um pouco estranho.
Oliver tocou o rosto.
— Há algo incomum na minha aparência?
— Uh, não isso, mas… Bem, talvez seja apenas um equívoco meu, mas o que está acontecendo?
— Não… Nada aconteceu. Vamos sair primeiro.
— Uh, acho que não fui muito atencioso.
Enquanto caminhavam em direção ao carro, Forrest virou-se para Oliver e perguntou:
— Ei, só para você saber, é um pouco longe para ir do Distrito A para o Distrito T. Você tem algo marcado para hoje à noite?
Oliver olhou para o relógio e calculou o tempo em sua cabeça. Com base na localização atual e no trânsito, eles provavelmente chegariam ao Distrito T entre 16h e 16h30. No entanto, ele também tinha o compromisso de ensinar magia negra no Distrito X por volta das 18h.
— O horário está um pouco apertado. Isso está relacionado ao trabalho?
— Ei, não seja assim. Você acha que eu te daria trabalho depois de um dia longo? Você está encarregado do Grupo de Lutadores, e quero garantir que você seja bem cuidado. Estou aqui para você até o trabalho acabar, e depois podemos nos encontrar novamente. É assim que eu sou, sabe?
— Então por que você está fazendo isso?
— Ei, você toparia comer alguma coisa juntos? Só para deixar claro, não estou dando em cima de você ou algo assim. Eu só tenho algo que quero conversar com você, e acho que sempre é melhor conversar durante uma refeição, você sabe? Então, o que você acha?
— O que você quer dizer?
— Bem, vamos deixar para o jantar. Acho que é melhor conversar comendo alguma coisa. Confie em mim, você vai entender o que eu quero dizer.
Depois de hesitar por um momento, Oliver assentiu. Ter uma refeição com alguém agora podia não ser uma má ideia. Seu coração se sentia dessa forma.
— O que você quer comer?
— Sorvete…
— Sorvete?
— Sim, estou com um leve desejo por isso.
— Certo, há um hotel nas proximidades que tem o melhor sorvete. Devíamos dar uma olhada. Uh… O que está acontecendo?
Forrest perguntou, notando que Oliver parou subitamente e olhou para a distância.
Se a percepção de Forrest não o enganava, a expressão impassível de Oliver, que geralmente permanecia inalterada, pareceu titubear momentaneamente, como se ele tivesse acabado de testemunhar algo inesperado.
Depois de um breve silêncio, Oliver falou:
— Sr. Forrest.
— O que foi?
— Talvez devêssemos nos separar aqui? Eu chegarei ao restaurante na hora marcada. Sinto muito mesmo.