Zich e Hans desceram a estrada da montanha. Hans arrastou o trenó atrás dele, e como continuava se enroscando em arbustos e árvores, teve que levantá-lo a maior parte do tempo. Estava pesado com cadáveres orc, e os músculos de Hans gritavam para parar. Sua mana também estava no fundo do poço, mas estava feliz por ter terminado o treinamento.
— Como foi hoje? — Zich perguntou ao cortar uma pequena árvore bloqueando o caminho. O tempo habitual de autorreflexão começou. Era difícil arrastar o trenó pensando nas provações do dia em simultâneo, mas Hans acostumara com isso.
— Acho que me saí muito bem hoje.
— Você está dizendo que passou?
— N-não, senhor! Quando lutei com o primeiro orc, não manejei do jeito certo o meu machado. Meu pulso doía por um tempo daquele choque e estragou meus balanços mais tarde. E quando lutei com o quarto, não espaçava adequadamente a distância entre os meus ataques. Eu dei um meio-passo extra desnecessário, então meu machado quase se partiu ao meio.
— E?
Tentou lembrar mais erros em suas batalhas, mas não conseguia pensar em mais nada.
— N-não sei, senhor — respondeu, desanimado. Zich não falou por um momento, e Hans lançou olhares furtivos para ele.
— Bem, há mais algumas coisas, mas você passou. Eu acho que você notou as grandes.
Soltou um suspiro de alívio.
— Não há treino adicional hoje?
— Irmão, por que você odeia tanto treinar? Não é nem difícil.
Hans mordeu os lábios para não dizer nada.
— Seu generoso mestre está simplesmente tentando realizar seu desejo. Eu pensei que você queria ser como aqueles heróis em livros de histórias. Se esse for o caso, a maneira mais rápida e melhor de alcançar esse objetivo é receber treinamento.
Ele acidentalmente confessou seu sonho ao Zich sob a influência de álcool.
— Se você quer ser um herói, tem que ter poder primeiro. Aí, sim, pode bater em bandidos e rir em sua glória — explicou sua versão de um herói a Hans. A expressão que o outro mostrou que parecia discordar, mas continuou:
— Você tem que obter o poder acima de tudo. Pode pensar em se tornar um herói ou um vilão depois. Se passar pelo meu treinamento, será pelo menos um dos cinco mais fortes do mundo.
Pensou que Zich estava exagerando. Sabia que ele era forte e incrível, mas não achava que era forte o suficiente para ser o mais forte do mundo. Assim, não notou como as suas palavras eram baseadas na experiência e tinham grande credibilidade.
— Claro, não importa o quanto trabalhe, você nunca será capaz de vencer um megagênio como eu.
Como de costume, o dia terminou com Zich elogiando a si mesmo, e Hans fez beicinho. Caminharam enquanto conversavam um pouco mais, e logo, as árvores e arbustos que bloqueavam seu caminho desapareceram. Um piso cinza-colorido sem um único remendo de grama cumprimentou-os.
— Já chegamos até aqui? — murmurou.
Embora não pudessem mais ver árvores e mato, ainda estavam em uma rocha de alta altitude de uma montanha alta. Era um local no centro da cidade de Suol chamado de mina de Iruce.
Ouviram um barulho nas proximidades. O sol estava se pondo lento, e avistaram uma trilha de pessoas descendo; mineiros que pareciam ter terminado o trabalho do dia.
— Hein? Não é o Zich ali?
Um dos mineiros, um jovem, coberto da cabeça aos dedos de terra, agiu como se o conhecesse. Tinha veias perceptíveis saindo de seus antebraços.
— Ei, Sam!
Zich acenou com os braços, e o chamado Sam marchou em direção a ele com uma picareta nos ombros. Os seus olhos imediatamente se moveram para o trenó com uma pilha de orcs.
— Devem ter trabalhado duro hoje. Tão diligente.
— Aposto que não tanto quanto um mineiro.
Os dois zombaram um do outro, e Hans os viu espantado. Pelo que sabia, os outros dois fizeram amizade há não muito tempo. Foi surpreendente, uma vez que Zich nasceu um nobre e fora um sucessor da família. Por mais que muitos tivessem protestado contra a sua sucessão, ainda possuía o direito; dessa forma, existiauma grande diferença de status entre Sam e Zich. No entanto, ele não parecia evitar fazer amizade com um plebeu.
“Ele é misterioso em muitos aspectos.”
Hans olhou para as costas de Zich enquanto os dois conversavam alegres.
— Você pegou muitos hoje. Onde foi?
— A três horas daqui.
O rosto de Sam endureceu. Outros mineiros também se prestaram atenção.
— Três horas?
— Sim. Mas já que podemos usar mana, caminhamos mais rápido que você e nos movemos bem até em uma estrada difícil. Com sua velocidade, vai levar, acho, pelo menos seis a nove horas.
— Droga! Esses monstros ainda estão muito perto.
Sam olhou para o trenó de novo.
— Ainda por cima um orc! Sei lá sobre duendes, mas orcs são demais!
— É para mim também.
— Como podemos vencer um?
Com as palavras dele, cada um dos mineiros acrescentou comentários. O local de trabalho, a mina de Iruce, era perto da área, mas Zich disse que encontrou monstros a uma distância de nove horas a pé. Além disso, não era nem um monstro fraco feito um duende, mas um orc.
— Quando é a próxima Varredura de Monstros?
— Próximo mês.
— Eles não podem adiantar?
— Como podemos decidir sobre isso? Os superiores decidem, e não é algo que podemos influenciar.
— Mas deve ter algo que podemos fazer. É um problema sério já existir monstros perto desta área.
— Como cuidaram de problemas como este antes?
Os presentes começaram a ter um debate sério, e Sam também coçou a cabeça pensativo.
— Droga! A mina já está em uma bagunça mesmo sem isso para se preocupar!
— O que tá rolando? perguntou Zich.
— Quando fomos às minas esta manhã, nossas mercadorias armazenadas estavam faltando ou bagunçadas.
— Talvez uma besta. Ou então foi só imaginação.
— Não, não é nossa imaginação. Nós verificamos muitas vezes, e também pensamos que era uma besta no início, porém as pessoas estão preocupadas que os monstros estejam se aproximando de nós em um ritmo mais rápido do que o habitual.
— Mesmo que apareçam aqui, não acho que eles iriam furtar perto das minas.
— Se esse for o caso, eu ficaria feliz. Talvez seja realmente obra de uma besta ou as de um Monstro da Mina.
— Um Monstro da Mina?
— É uma velha história que tem sido passada em Suol desde há muito tempo.
Sam olhou para trás. Seus colegas ainda conversavam uns com os outros com expressões sérias nos rostos.
— Vamos falar sobre mais tarde. É um assunto muito sério, por isso devo participar deste debate. Ah, e obrigado pela informação.
— Então me compre uma bebida depois.
— Se não for muito cara.
Sam se juntou a seus colegas com pressa.
“Deve ser um assunto muito sério.”
Hans não percebeu que os orcs que pegou apenas seguindo as ordens de Zich se tornariam uma questão tão séria e importante. Para ele, que estava apenas começando a ganhar experiência de batalha, era difícil pensar tão à frente.
— Todo mundo tem seus próprios problemas, temos que cuidar dos nossos. Vamos continuar em movimento.
Com as palavras de Zich, pegou a alça do trenó mais uma vez.
— Hum…
Os dois escutaram uma voz hesitante e tímida e viraram a cabeça para o barulho. Havia três mineiros que não pareciam muito diferentes de Sam; estavam cobertos por sujeira e pareciam um pouco jovens. Um deles aparentava ser alguns anos mais novo que Zich.
— Vocês são aventureiros?
“Aventureiros”… A voz do jovem estava cheia de romantismo com esta palavra, como se estivesse descrevendo o personagem principal de um livro de histórias que explorou masmorras em lugares desconhecidos, subjugou dragões e salvou belas princesas. No entanto, era apenas um conto de fadas.
Na realidade, a maioria dos aventureiros ficavam em uma linha entre um saqueador e bandido real; vagavam por aí, sonhando em atacar ricos numa jornada. Não eram cheios de justiça que nem nos livros de histórias, e a maioria se tornou criminosa devido a problemas financeiros. Assim, muitos não olhavam para eles de um jeito bom. Porém, o mineiro que perguntou a Zich e Hans se eram aventureiros parecia ainda acreditar em livros de histórias.
— Não, não somos.
Embora vagassem sem planos, estavam longe de ser aventureiros.
— Ouvi dizer que vocês estão viajando pelo mundo…
O jovem olhou aos mineiros que ainda estavam debatendo. Seus olhos estavam em Sam, e parecia que ele ouvira esta notícia a partir do mineiro.
— É verdade, mas quem é você?
— Ah! Esqueci de me apresentar. Eu sou Snoc.
— Eu sou Zich.
— Eu poderia talvez ouvir sobre suas viagens? perguntou o jovem, os olhos cheios de admiração, já que não conseguia alcançar os seus objetivos.
— Ei, Snoc! O que é que está fazendo? Temos que ir agora!
— Eu tenho que perguntar algo a essa pessoa…!
— Pare de falar besteira! Eles também têm que continuar seus trabalhos! Por que você está incomodando-os quando o sol está quase se pondo? — Sam gritou. Talvez Snoc também pensou que agia que nem um incômodo e recuou, parecendo arrependido.
— Se eu encontrá-lo da próxima vez, eu realmente gostaria de ouvir sobre suas viagens. Por favor, eu imploro.
Então se juntou às pressas ao resto dos mineiros e desceu a montanha. Zich olhou para o grupo distante e bateu nos ombros de Hans.
— Vamos.
O criado pegou a alça do trenó.
Ambos ficaram em Suol por um tempo e treinaram. As habilidades do servo melhoraram em um ritmo que chocaria qualquer um; contudo, a velocidade de desenvolvimento não era nada comparada com a de Zich.
Ziiing!
A mana circulou suave no corpo dele. O físico, que costumava doer sempre que a mana transbordava, não tinha problemas agora. Então tentou parar a mana e aumentá-la ao máximo.
Twitch!
O seu corpo tremeu de leve, e ele parou o fluxo.
“Preciso de um pouco mais de tempo. Não vai demorar tanto.”
O dia em que uma grande catástrofe aconteceria em Suol estava se aproximando. Zich sentiu que deveria terminar os preparativos antes.
Pugh!
Pensando nisso, Hans, que estava caçando monstros como de costume, cortou um orc. Já que Zich estava quase acostumado com seu poder, o servo estava se acostumando com sua caça aos monstros. O sol estava começando a se pôr, e Zich gritou enquanto Hans carregava alguns cadáveres orc no trenó:
— Vamos!
Desceram a montanha e foram a uma filial da Caça-Monstros. Estava localizada um pouco longe da cidade, porque não podiam construir uma loja, onde cadáveres de monstros entravam e saíam, perto de onde pessoas moravam.
— Ei, estão aqui hoje também. — Um homem de meia-idade, de aparência áspera, os acolheu; o gerente da filial, chamado Paul Chenu — Quantos pegaram hoje?
— Seis orcs e três duendes. — Zich respondeu, e Paul fez uma careta.
— Merda! Estão aumentando. Onde você encontra eles?
— Cerca de seis horas de caminhada pelos padrões normais de uma pessoa.
Era quase bem ao virar da esquina, e Paul acenou com a cabeça.
— Urgh! Estou tão feliz que eu chamei aqueles caras.
— Aqueles caras?
— Aham. Chamei alguns aventureiros habilidosos e mercenários desta vez. A varredura dos monstros será no próximo mês, mesmo que estejam chegando perto. Como não podemos fechar a mina, temos que resolver esse problema de forma independente.
Naquele momento, alguém entrou.
— Ele é um deles. — Apontou para o lado com o queixo.
Um homem fortemente blindado estava em frente à entrada da loja. A sua postura torta e maneirismos parecia hostil.
— Ei, Drew! Finalmente veio.
Foi recebido bem, mas ele, Uljon Drew, somente assentiu fraco. Obviamente rude, todavia Paul apenas encolheu os ombros. Em seu campo de trabalho, havia muitos caras com personalidades terríveis.
“Bem, esse cara está entre os piores.”
Claro, não falou isso em voz alta.
— Quantos hoje?
Drew tirou algo de suas garras; uma pequena caixa do tamanho de sua palma. Parecia ser feita de madeira, e símbolos estranhos decoravam sua superfície. Ele a abriu,e algo saltou e caiu no chão.
Pei!
Era pesado. Considerando o tamanho da caixa, o som era bastante alto, mas os espectadores podiam entender por que quando perceberam qual era o objeto. A coisa parecia grande demais para ter saído da caixa pequena.
— É um artefato. — Zich disse a Hans, cujos olhos se abriram de surpresa.
— Isso?
— Pelo que parece, é um item que pode armazenar mercadorias, não importa o volume ou o peso. Entre artefatos, é um tipo bastante comum. Claro, isso não o torna menos raro.
Hans olhou para frente e para trás entre a caixa e a coisa que caiu dela.
— Isso conta como um item?
O que saiu dela eram cadáveres de monstros. A maioria dos corpos eram orcs e duendes, porém monstros de nível médio, que nem trolls, estavam misturados. Tinha um número considerável de bichos.
— Um morto pode ser totalmente contado como um item. É apenas uma criatura viva quando a criatura está viva. Quando está morta, o que é, além de um pedaço de carne podre? É o mesmo para um humano.
Hans assumiu uma carranca com nojo intenso.
— Incrível como sempre.
Paul examinou os corpos e expressou o seu temor. No entanto, não terminou com apenas admiração.
— Mas onde estavam? Especialmente os trolls. Você acha que eles vão aparecer perto da cidade ou as minas em um mês?
Era muito importante. A diferença entre monstros de baixo nível e monstros de nível médio era enorme. Para a segurança da cidade, tinha de identificar a situação com clareza. Contudo, Drew olhou para o seu rosto uma vez e virou a cabeça.
— Descubra.
E então daí saiu da loja.
— Uh, hein? Ei! Ei, Drew! — Paul chamou o homem urgentemente, mas ele saiu sem sequer voltar atrás.
— Como pode haver uma pessoa assim?
— Por quê?
Em comparação a Hans, que ficou surpreso, Zich parecia indiferente.
— Digo, sua atitude não é muito rude, senhor?
— Por que você está exagerando? É bem fofo.
Em comparação àqueles que puxaram a espinha de uma pessoa por não se concentrarem no que disseram, ou arrancaram o olho de alguém por olhar para elas ou cortaram a cabeça de um por não gostarem da aparência, o comportamento de Drew era semelhante ao acesso de raiva de uma criança.
— Além disso, você não é mesmo o afetado pelo seu comportamento. Eu não acho que ele cometeu um pecado grande o suficiente para eu matá-lo em nome de fazer uma boa ação.
— Senhor, se essa pessoa mostrasse a mesma atitude a você, de que forma reagiria?
Por conta da fala de Zich, perguntou.
— Eu quebraria seu crânio. Não é óbvio?
O esperado: Zich sendo Zich.
— Ou isso não é ter uma vida gentil? Não, você deveria pelo menos estar preparado para isso se começar uma briga com alguém. Definitivamente sairei ileso, já que é legítima defesa. Acho que não vou ter nenhum problema.
Estava certo. Hans desistiu de entender a maneira de pensar dele e aceitou em silêncio o seu destino.