— Foi o bastante? — Biyom, sorrindo satisfeito, se inclinou na cadeira.
Estava na cadeira em que o pai, o conde, se sentava. Não poderia estar mais feliz de usar aquele símbolo de autoridade e poder que o fazia sentir inveja. Enquanto sentasse nela, todos no território Dracul o obedeceriam. Mas a melhor coisa era que ele agora podia humilhar Joaquim, o único objeto de adoração de seus pais.
Nunca poderia esquecer a raiva que sentia quando ouvia as pessoas murmurarem que o segundo filho seria muito mais adequado para a sucessão se não fosse tão frágil.
“Mas isso acabou. No fim, o trono é meu!” Acariciou os braços da cadeira, mas logo se lembrou do seu dono original. Aquela merda velha, quem me dera se morresse.”
A sua boca se contraiu num sorriso malicioso ao pensar no pai deitado doente e acamado. Não tinha amor pela família, por isso o irmão era apenas mais um obstáculo.
— Ei, Shalom. Como está o velho? — perguntou ao mordomo ao lado.
Shalom serviu a família por muito tempo. Após o conde ter entrado em colapso, Biyom, que não estava interessado no estado do pai e nem o visitava, deixou todos os assuntos relativos aos seus cuidados para o mordomo. Tudo o que fazia era perguntar sobre a condição do pai de vez em quando.
— Ele ainda está inconsciente, senhor.
— Sem sinais de melhora?
— Infelizmente, não.
Para esconder os cantos da boca, Biyom esfregou exageradamente as bochechas.
— Que preocupante. Ele vai acordar em breve, tenho certeza.
Shalom baixou a cabeça, como se estivesse arrependido.
— Mas está mesmo tudo bem? Sabe, o surto.
O olhar de satisfação foi logo substituído por uma expressão ansiosa. Até ele estava preocupado que a doença pudesse invadir o castelo.
— Claro — respondeu o mordormo com firmeza — Se pensarmos no relatório que o senhor Joaquim nos enviou, as doenças que se espalharam no campo foram gravíssimas. No entanto, a que está em torno de Ospurin não é desse nível. Também passei por isso no passado.
— Sério?
— Enviar o senhor Joaquim a aldeias infectadas está nos ajudando. Já que ele ganhou muita experiência, pode ser capaz de cuidar de um surto de nível mais baixo.
— Hmph! Está dizendo que aquele lixo é útil para algo? — O seu humor piorou devido à menção àquele nome — Precisava chamá-lo para o castelo? Podia ter dado a missão de imediato. E se realmente terem sido eles que trouxeram a doença?
Shalom suspirou na mente, mas não demonstrou.
— Ainda há pessoas que simpatizam com o senhor Joaquim e que continuaram a ir para as aldeias.
— Tem quem atire no nosso pé assim?
Estava no lugar do pai, porém nem era o conde. Além disso, Joaquim também era um herdeiro, então não era razoável dizer que os que simpatizavam com ele eram desleais. Entretanto, um argumento do tipo não funcionava em gente que nem Biyom.
— Embora seja verdade que existem muitos tolos, é da natureza humana ser assim. Senhor, também é responsabilidade de uma pessoa no poder apaziguá-los e acalmá-los.
— Hum, entendo.
“Uma pessoa no poder”, essas palavras pareciam doces para ele.
— Também devem se sentir nervosos com um surto se espalhando ao redor da cidade.
— Por que se assustar por isso? Que medrosos…
Ele tinha a memória de um peixinho dourado? Caso contrário, não teria esquecido como reagiu à notícia há poucos minutos. Contudo Shalom manteve a cabeça inclinada.
— Visto que que vossa senhoria emitiu pessoalmente o comando, não poderão falar mais nada sobre o assunto. Têm que reprimir as queixas e seguir em frente.
— Bem, bom. Entendo o seu raciocínio para trazê-lo ao castelo. Mas o que acontece se aquele cara conseguir parar a doença? O que vai fazer?
— Como teria feito uma contribuição digna, podemos oferecer uma recompensa e mandá-lo de volta para o campo. Ainda há mais aldeias infectadas.
— É, entendi. — Riu.
Um lorde feudal sensato, corrupto ou não, não ficaria feliz com uma doença se espalhando pelo seu território. Todavia, ele ficou satisfeito, afinal se livraria do irmão.
Preocupado com os pensamentos, não notou o olhar frio de Shalom.
Shalom entrou num espaço grande e chique. O castelo era imenso e luxuoso para ajudar a preservar a dignidade da família, mas mesmo entre os compartimentos do castelo, este cômodo era especial. Era o quarto pessoal do conde.
No meio do quarto, um homem estava deitado em uma cama ornamentada do tamanho de uma sala. Embora tivesse gerenciado o território com o seu forte carisma e habilidades excepcionais, agora era um homem doente.
— Fique um pouco lá fora — disse Shalom à criada que cuidava do conde.
Ela inclinou a cabeça e saiu, e apenas o mordomo e o senhor ficaram. Apenas o som de respirações fracas podia ser ouvido na sala silenciosa.
O mordomo folheou as roupas e tirou uma pequena garrafa. Quando abriu, uma pequena quantidade de líquido surgiu. Então levou a garrafa para o rosto do doente e a inclinou sob o nariz dele.
Fushhh!
O líquido vaporizou assim quando entrou no nariz do conde. O seu rosto ficou todo vermelho, entretanto no momento seguinte, ele recuperou a cor, como se a mudança nunca tivesse ocorrido.
— Tudo isso é o seu carma.
Depois de dizer essas palavras difíceis de entender, se virou e saiu.
Joaquim correu para trabalhar contra o surto no instante que saiu do castelo. Seus associados próximos e companheiros de Zich o seguiram. A área onde a doença se espalhou era a parte sudoeste de Ospurin.
— Como está a situação? — perguntou.
Felizmente, não parecia que Biyom interferiria a força-tarefa na cidade, e todos os soldados de lá seguiam as ordens de Joaquim.
— Nós isolamos todas as regiões onde pelo menos um infectado foi encontrado e bloqueamos as entradas!
— Quais são os lugares?
O soldado lhe entregou um mapa marcado. Todas as áreas do sudoeste, que era onde a doença se espalhava mais, foram coloridas de vermelho. Não era tão grande quanto Joaquim pensava, e uma sensação de alívio passou por ele. Mas seu rosto enrijeceu de novo, e ele aguçou o foco.
— Sintomas?
— Tosse, febre, brotoejas, vômitos, perda de apetite e assim por diante. Os médicos dizem que tem uma chance alta de que a doença seja ígram.
Ígram era uma das doenças que apareciam de tempos em tempos na cidade, e não chegava perto das que ele testemunhou. No entanto, não relaxou, pois poderia ser outra com sintomas iniciais semelhantes.
— Quantas vítimas ao total?
— Contando com os números de ontem, sessenta.
— Quando começou?
— Não temos a data exata, mas achamos que já se passaram pelo menos duas semanas.
Sessenta pessoas em duas semanas; trinta morriam por semana, pelo menos. O soldado que deu o relatório estava amedrontado e desesperado. À medida que perdessem força e motivação, poderia haver mais baixas. Mas ele sentiu esperança.
“Só isso?”
Comparada às doenças que vira, era só uma gripezinha. Pensou que teria que evacuar a cidade se os sintomas parecessem. Claro, só seria capaz com a permissão de Biyom, e não era garantido.
“Talvez desta vez…!”
Talvez venceriam esta maldita praga. A mínima possibilidade o energizou de novo para dar ordens.
“Ele é jovem.” Zich pensou que nem um velho enquanto observava Joaquim trabalhar. “Devo começar a me mexer também?”
Retornaram para Ospurin. Ao contrário da época em que ficaram presos no campo, tinham muitas outras opções na cidade.
“Por ora, vou partir do pressuposto de que Fest está aqui.” Olhou para o estado dos pacientes. “É uma doença normal.”
Era ridículo anexar a palavra “normal” a uma doença infecciosa, porém ao falar sobre Fest, a história mudava. Ademais, ele testemunhou todos os tipos de doenças aterrorizantes no passado.
“Tem até uma pessoa que se recuperou.”
A doença que Fest espalhava não matava todos os infectados. Porém, todos os que a superaram possuíam um poder considerável ou foram tratados com medicamentos especiais. Mesmo pelos rumores, Zich nunca ouvira falar de alguém comum se recuperando.
“Medicinas só funcionam no início também.”
Quando descobriram a existência de Fest e as doenças se espalharam, houve um grande esforço para encontrar curas apropriadas. Muitos remédios logo foram feitos para lutar contra as primeiras doenças. Contudo, conforme eles progrediam, os sintomas iam junto.
“Mais tarde, não havia sequer um remédio.”
Fest era um demônio verdadeiramente horrível que o mundo inteiro temia. Mas a doença em Ospurin não parecia as doenças notórias dele.
Zich pensou nos sintomas mais uma vez.
“Eu acho que realmente é ígram.”
Podia ser uma doença “normal” que existia desde os tempos antigos em vez das infames. Mas sabia que alguém que nem Fest, que controlava todos os tipos de doenças diferentes, não teria problema em usar uma que já existia.
“Mas ele não faria isso.”
Havia muitas horríveis; por que ele espalharia uma normal? Se estava fazendo algo que não fazia tanto, era provável que estivesse tramando algo. E não havia como o seu esquema beneficiar a cidade. Todavia Zich sabia que mesmo a pior situação poderia se transformar em uma oportunidade se usada bem o suficiente.
“Se eu revelar o plano dele ou matá-lo e dar o crédito a Joaquim, isso o ajudaria a se tornar o conde.”
Desde o início, planejava matar demônios que não fossem casos especiais como o Snoc, então usar Fest a fim de cumprir os objetivos não parecia uma má ideia.
“Elas não são úteis para ninguém, de qualquer maneira, então eu deveria usá-las para ajudar os outros.”
Joaquim merecia o apoio e a conquista de Zich, e isso ficou claro quando ele se esforçou ao máximo para impedir surtos que poderiam acabar com o seu corpo frágil.
“O problema é que ele pode não querer levar o crédito.”
Se ele se colocasse no lugar de Joaquim, existia uma alta probabilidade de que isso pudesse acontecer. Porém não representava um grande problema, porque ele poderia preparar o momento certo para deixá-lo contribuir ou fazê-lo pensar que foi ele quem descobriu tudo.
“Primeiro, tenho que descobrir que tipo de pessoa é Fest. As coisas ficarão mais fáceis depois.”
Até antes de sua regressão, os únicos que sabiam a identidade dele eram Glen Zenard e seu grupo. Além disso, havia apenas fragmentos de informações sobre. Já que ele criou tantas doenças terríveis, tinha rumores de que todas as fontes de informações dele foram queimadas, e Zich não sabia a verdade do assunto.
“Se ele ao menos fosse como Sude, que naturalmente tinha algo estranho a respeito dele…”
Não tinha grandes expectativas. Por mais que tivesse muitas experiências e a sua intuição fosse inacreditável, não poderia descobrir tudo somente com ela, até porque nada era mais incerto do que intuição. Acima de tudo, gente daquela índole nunca faria algo que pudesse levantar suspeitas.
“Não dá para evitar. Se eu não conseguir encontrá-lo, tenho que fazer ele sair. Já tenho algo bom em mente.”
Ele sabia a cura para ígram. Antes de regredir, todos os médicos, magos, sacerdotes e outros intelectuais trabalharam juntos para parar a pandemia. Durante esse tempo, uma das doenças que trataram com sucesso foi ígram.
“Já que Joaquim estava interessado, também peguei uma informação ou outra. Não acredito que isso esteja me ajudando agora.”
Talvez os incidentes recentes fizeram Joaquim se interessar por coisas… bizarras.
“Visto que não tem uma cura para ígram atualmente, se eu fizer uma, Fest poderá mostrar interesse e tente contato comigo. E vou poder ganhar a confiança de Joaquim ao mesmo tempo.”
A primeira coisa que precisava fazer era mostrar que sabia uma cura. E assim fez a sua jogada.