Após a refeição, seguiram Romanne até o primeiro andar, na entrada que levava ao porão. O caminho foi pavimentado desleixadamente por pedras.
— Aqui estava bloqueado antes? Pensei nisso quando vi.
— Sim. O tornaram imperceptível para fazer parecer que ele nunca existiu. Até as tribos se esqueceram dele… claro, menos quem mais deveria ter esquecido — falou, descontente.
— Agora que você mencionou, o que decidiram fazer com a Tribo do Ferro?
— Ainda estamos discutindo isso. Já que perderam o seu rei, os mais velhos e a força principal, estão impotentes. Mas, ainda há muitos elfos.
— Suponho que seria um problema difícil de lidar.
— Sim. Não podemos mais tratá-los como vizinhos amigáveis feito antes, mas também não podemos matar todos. Mas o meu filho e os outros reis provavelmente cuidarão disso, afinal, foram escolhidos para reinar por esse tipo de coisa. Sou xamã, e política não é coisa minha.
Os três desceram para o porão, cuja única diferença era que os aliados passaram a guardá-lo. A porta da árvore de fogo estava bem fechada, e só sabiam de duas chaves: a de Renu, que Zich confirmou ter desaparecido no fogo ao recuperarem o corpo do elfo, e a Windur.
Romanne pegou a Lágrima do Lago, misteriosa e encantadora como de costume, e caminhou ao altar de pedra no meio do porão com os olhos semicerrados. Zich entendeu como ela se sentia, até porque foi lá onde tiraram o sangue dela.
Ignorando as emoções para que não interferissem no trabalho, ela chamou Lyla.
— Vai deixá-la aqui?
— Sim — respondeu a elfa.
— É uma estrutura que traz à tona a mana dela. Mas o que é isso? É um padrão bastante incomum.
— Para os humanos, sim. É um círculo mágico élfico que usamos com frequência. Ele pode…
Zich parou de ouvir a conversa e se dirigiu à parede onde a chave poderia ser posta. No fim das contas, ainda era difícil compreender o diálogo entre magos de alto nível.
— Senhora xamã!
— O que foi?
— Posso abrir a porta?
— Vá em frente. Eu ia pedir para você fazer isso, de qualquer maneira.
— É porque você quer saber se o poder da Lágrima do Lago pode reprimir a árvore de fogo?
— Isso mesmo. Gosto de como não tenho que explicar os detalhes para você.
— Não é como se fosse acontecer comigo, mas tenho confiança de que eu conseguiria atender fantasticamente aos caprichos e expectativas dos outros caso eu me subordinasse a alguém. Enfim, lá vou eu.
Eles ouviram algo estalar na parede quando ele pôs a chave. Os tijolos foram empurrados, revelando a árvore.
— É esplêndida, não importa quantas vezes eu a veja — contou Lyla, chegando mais perto dele.
As folhas flamejantes e o fogo espiralando ao redor do tronco pareciam os mesmos.
— Felizmente, o único que pode abrir a parede agora é o senhor Zich. Me sinto muito mais aliviada, mas não posso baixar toda a guarda — comentou Romanne.
— Não podemos ter certeza de que não existem outras chaves. Eu mesmo não me surpreendi com Renu tendo uma.
— E a pessoa pode ser como ele e querer usar o poder para si. Só não desistiram da ideia de governar todos por conta da força contida na árvore.
“No fim, não descobri exatamente por que ele traiu aquela galera e guerreou sozinho. Antes de eu regredir, não foi dito nada sobre essa árvore; ele deve ter ganhado com a ajuda deles. A Tribo de Ferro não usou essa árvore na linha do tempo passada, então. Se viram tutorial dela agora, viram antes da regressão também.”
Ele lembrou de repente da sua espada, Windur. Havia homenageado uma árvore famosa de um antigo império mitológico, e por isso não pensou muito acerca do assunto. Todavia, após tantas experiências, ele mudou um pouco de ideia.
“Ela pode ter uma profunda conexão com a verdadeira Windur”, pensou, firmando o seu aperto nela.
Com a cooperação de Lyla e Romanne, transferiram a Lágrima do Lago para Mentis. Fecharam a parede e observaram a árvore de fogo, agora enfraquecida, desaparecer de vista, então tiveram uma breve conversa com a xamã e se entocaram na biblioteca de novo.
Já era tarde, e ambos decidiram retornar aos seus alojamentos. Os quartos designados ao grupo estavam no castelo. E como fizeram a maioria das contribuições na guerra, foram presenteados com os melhores.
Ajeitando o cobertor para dormir, Zich virou a cabeça ao som de toques na porta.
— Pode entrar. Ué, Lyla — falou, abrindo um sorriso irônico —, qual é o problema? Veio no meio da noite para me tentar? Foi mal, mas não sou um cara tão fácil.
— Cale a boca e sente — respondeu, apontando para um assento em frente a ela enquanto também se sentava. Ele a obedeceu. — Tem uma coisa que quero saber.
— O quê?
— Por que você de repente decidiu ser uma pessoa melhor?
— Hum. — Ele cruzou os braços.
— Sendo honesta, não quero saber para persuadi-lo, mas sim para tentar encontrar uma razão para você não voltar a ser um Lorde Demônio. Simplesmente achei que seria melhor chegar a uma resposta sabendo pelo menos isso.
— Uau, cê falou sério lá atrás.
— Basta pensar sobre o que vai acontecer e o que você vai fazer. De verdade, acho que descobrir a razão é o mesmo que salvar o mundo.
— A dama à minha frente era a verdadeira heroína o tempo todo. Que coisa. — Riu.
— Então… pode me dizer?
— Vê só… não é difícil contar, ainda mais sendo você perguntando.
— Ainda mais se for eu?
— Porque você tem conhecimento futurístico.
— O seu porquê está relacionado ao futuro?
— Uhum.
Ela apertou os olhos. Devia ser algo muito mais problemático do que previu.
— Sabe que as memórias que tenho são do meu período demoníaco, certo?
Recapitulando: ele ainda não havia dito para ela que ele era um regressor, oferecendo o privilégio da dúvida a Lyla, que concluiu que ele era como ela.
— Sim, sei. Acho que você é tão semelhante ao Moore por isso.
— O fim da minha memória termina comigo morrendo nas mãos de Glen Zenard.
— É…
Ela não ficou muito surpresa. A história de Lordes Demônios sendo derrotados por um herói aparecia com frequência em histórias infantis. Entretanto, ela pensou que seria desconfortável para ele falar da sua morte, e devido a isso tomou cuidado em concordar.
— Na hora, antes de ele efetuar o último ataque, ele me disse que eu deveria ter uma vida gentil se nascesse de novo.
— Então, é por isso que você…
— Aquelas palavras deixaram uma puta duma sensação estranha em mim.
Ela abriu a boca de surpresa. Sempre achou muito interessante que ele estivesse tentando fazer coisas boas, apesar dos métodos às vezes terríveis, considerando a sua personalidade ruim, e ficou ainda mais surpresa que o motivo tenha sido palavras de Glen Zenard.
— Eu era o maluco fortão, o brabo. Quando a equipe dele me derrotou, senti um certo grau de admiração por eles, independentemente dos números superiores dele. Eu tive a minha própria interpretação do que ele disse.
— Foi o que aconteceu…
“Parabéns pro Glen, então. Não é de admirar que ele seja chamado de herói.”
No entanto, por causa do que Zich contou depois, ela teve que se corrigir.
— Mas estou ficando desconfiado dele.
— Desconfiado?
Ele falou para ela algumas das suas conjecturas e pensamentos. Quanto mais ela ouvia suas palavras, mais visível era o choque em seu rosto.
— E-espera! Quer dizer que…
— Pois é — Zich fez um sorriso arrepiante —, ele pode não ser o herói que conhecíamos. É capaz que ele seja um hipócrita da porra e um baita de um filho da puta, isso sim.