Hector assistiu seu metal ser quebrado. Os pedaços de ferro do tamanho de caminhões circulavam ao redor de Karkash, todos conectados por uma teia de raios, estalando com energia emergente.
Eles foram espiralando em direção a Stoker.
Hector correu para aniquilar tudo, mas ele não conseguiu pegar tudo rápido o bastante e Stoker foi forçado a sair de sua nuvem por um pedregulho de ferro caindo lá.
Stoker continuou fazendo mais névoa, mas era uma corrente óbvia atrás dele agora, não mais obscurecendo sua posição. Todos sabiam o que vinha depois. Hector levantou dois para-raios a fim de defender Stoker e quando o relâmpago passou pelo ar, era com certeza mais poderoso em tudo – mais brilhante, mais grosso e ainda mais barulhento. Ele caiu nos para-raios, fazendo a terra ao redor deles explodirem e o boom sônico que veio quase rompeu os tímpanos de Hector.
A força do impacto fez Stoker rolar no chão, o afastando da suposta segurança dos para-raios. Então, Hector fez mais e ele os fez maiores, mais robustos. Eles tomaram meio segundo a mais para se formar, o que era um tempo precioso nessa luta, mas eles absorveram melhor a eletricidade.
Karkash voou mais alto e fez chover raios neles. Os galhos brilhantes eram tão numerosos que eles formavam uma espécie de gaiola ao redor dos para-raios e Karkash aumentou a voltagem ainda mais. Stoker estava preso e a eletricidade estava se aproximando, atacando seu corpo, o fazendo entrar em convulsão e o jogando de joelhos conforme sua carne começava a queimar e fumegar.
Hector aumentou o tamanho dos para-raios ainda mais, mas Karkash aparentemente previu tal coisa e abruptamente cessou seu ataque em Stoker a fim de se focar em Hector.
Ele mal fez meia espira antes do raio esmagá-la, fazendo o chão explodir diretamente na frente dele. Ele saiu voando. Sua audição se foi, orelhas sangrando por causa do boom ensurdecedor e ele acertou a terra novamente com um baque entorpecedor.
Hector olhou para cima imediatamente, esperando outro ataque de Karkash, um que ele não conseguiria mesmo mitigar, mas não foi isso que ele viu.
Em vez disso, Karkash estava indo em direção a Nize, arrancando os para-raios que a protegiam. E ele viu Stoker, espancado e carbonizado, mas de pé na frente dela, pronto para levar mais raios.
Stoker sabia que não era páreo, senão desde o início, com certeza agora.
Ele tinha uma ideia em sua mente, uma chance de melhorar suas chances. E ele sabia que seu poder estava em falta. Ele nunca conseguiu fazer isso em particular com seu hidrogênio. Ele nunca teve controle o bastante.
Começou com egoísmo. O instinto de sobrevivência. Um tipo de ganância pessoal e gloriosa. Ele sabia bem, mesmo antes de se tornar um servo. E, claro, ele sabia quão facilmente esse instinto podia falhar. Antes de encontrar Nize pela primeira vez, ele se lembrava de ser tão determinado a viver, a sobreviver aquela batalha, só para ser morto de qualquer jeito. Que sorte horrível a dele. Um guinada ruim do destino, como seus supostos camaradas diziam.
Então, ele conhecia esse desespero, essa impotência. E também, ele conhecia o desejo de fazer mais, de ser mais.
Emergência não é uma coisa complicada por si só. Era ao mesmo tempo uma aceitação e rejeição: aceitação de sua impotência e rejeição do resultado que essa impotência traria se você desistir. Era uma mistura perfeita na mente do indivíduo, saber que sua morte era iminente e ainda se recusar a parar de lutar.
E era isso que ele tinha que fazer agora. Era assim como ele atingiu contra-emergência.
Combustão controlada era a ideia. Stoker incendiou suas costas, hidrogênio se misturando violentamente com o oxigênio de suas células, aquecido com precisão. E sua carne explodiu, assim como planejado, não o bastante para destruir tudo, mas só o bastante para empurrá-lo para frente. O dava velocidade e ele o fez novamente, mais dessa vez e continuou fazendo, até ele ser arremessado tão rapidamente que suas pernas não conseguiam acompanhar
Ele voou em direção a Karkash na velocidade de um míssil, desistindo de correr para simplesmente voar pelo chão. Mas não era exatamente um ataque surpresa. Karkash desviou suavemente e se afastou. E Stoker o seguiu.
Ele pulou e fez a sola de seus pés explodirem. Osso e carne explodiram e a força o carregou mais para cima, como se ele tivesse pulado uma segunda vez no ar. E ele o fez novamente, destruindo o resto de seus pés. E depois de subir até Karkash, tudo dos joelhos para baixo havia sumido.
Ele sacrificou um antebraço depois, convertendo todo ele em hidrogênio líquido e esticando o para frente. Karkash voou para esquerda, perdendo um braço devido a temperatura congelante e deu um soco eletrizado, detonando o hidrogênio de Stoker e fazendo com que os dois voassem para direções opostas.
Stoker voou em direção ao chão em uma pilha sangrenta. Ele precisava de tempo para se regenerar e Hector estava ocupado tentando fornecê-lo. Karkash não conseguia usar ainda a metade esquerda de seu corpo, mas mesmo sem ela, ele ainda conseguia rasgar o metal de Hector antes mesmo dele terminar de se formar.
Stoker conseguia ver Hector lutando para manter a proteção em Nize, mas não demorou muito até Karkash reganhar uso o bastante de seu braço para Hector ter que aguentar raios das duas mãos. Outra explosão de terra e Hector foi arremessado. A maioria da carne de Stoker se recuperou agora. Isso teria que servir.
Com jatos de hidrogênio explodindo de suas escápulas, Stoker acelerou de volta para luta. Karkash voou para cima. Stoker teve que manter seu ritmo, zigzageando conforme cada explosão corrigia o curso de Stoker. Karkash girou e o jogou para trás e Stoker reganhou seu momento com uma explosão de seu cotovelo. E antes dele começar a cair novamente, Stoker sacrificou o resto de suas pernas e se arremessou novamente para cima chegando em Karkash. Stoker pegou ambos os antebraços do homem e apertou, quebrando os ossos.
— Basta! — Karkash gritou. Fagulhas se reuniram ao redor de seus olhos, então cintilaram por sua pele e raios foram disparados, por todo lugar, de uma só vez.
Eletricidade passou pelo corpo de Stoker como dúzias de espadas, deixando buracos em seu peito e braços, até em seu rosto.
Ele não conseguia dizer se Karkash tinha evitado de propósito seu cérebro ou se foi puramente coincidência, mas com seu corpo acabado, Stoker despencou do céu. Ele conseguia ver Hector lutando, mas o garoto mal conseguia se proteger. Os raios rasgavam o metal no impacto.
Stoker colocou um braço arruinado para frente, arranhando o chão e tentando se arrastar em direção a Nize.
Mas era tarde demais.
A última defesa de Hector foi tirada de perto dela e Karkash estocou com dois dedos em direção a Nize.
Stoker assistiu um relâmpago rasgar ela.
Ela vaporizou.
Ele só encarou, boquiaberto. Sua audição já estava ferrada, tímpanos no caminho para se repararem, então foi só uma visão entorpecedora, tornando mais difícil acreditar no que ele acabou de ver.
Ele falhou. Ela estava morta. Seu corpo ainda estava se regenerando, mas ele já conseguia sentir a mudança ocorrendo em sua mente. Stoker piscou, olhos embaçando e, então, se focando novamente. E ele viu Karkash e Hoyohté lá, ambos encarando ele.
Ele se perguntou se ao menos se incomodariam em terminar o serviço. Faria pouca diferença, então ele duvidava. Mesmo com todo esse caos, Stoker sabia que Karkash não gostava de matar. Isso tudo era um dever para ele, nada mais.
Dito e feito, depois de alguns minutos de deliberação silenciosa, Karkash pulou no céu com uma força estrondosa e eles fugiram juntos. Eles logo sumiram no horizonte.
Stoker se apoiou nos joelhos e cotovelos. As reverberações em seu peito estavam ficando mais fortes, roubando sua respiração aos poucos e seu corpo inteiro parecia em chamas de tão quente em um momento e no outro congelado de tão frio em outro.
Seus músculos tremiam. Tudo ficou escuro. E ele viu uma vida.
Um menino. Crescendo em Vaeland. Um país de água. Mais mar do que terra. Sua cidade natal flutua mais do que fica firme. Ele aprende a nadar. Ele aprende a pescar.
Uma vez uma nação próspera, ele ouvia, quando seus pais ainda era jovens.
A vida é dura aqui. Mas não para o menino. Ele tem sorte de pertencer a uma das famílias pesqueiras mais ricas na cidade. E ele sabe de sua sorte. Ele vê seus colegas de escola. Ele vê suas roupas remendadas, seus braços e pernas magricelas. De forma infantil, ele pensa que sua sorte o torna melhor que eles. É difícil fazer amigos. Ele nem está certo se os quer.
O menino está com oito anos de idade quando seus pais o tiraram da escola. Ele tem um tutor privado agora. Ele quer ir para fora, mas raramente o permitem. Só acompanhado de seus pais.
O menino está com dez anos de idade quando as revoltas começaram. Ele as vê por sua janela. Pessoas mascaradas, queimando carros, saqueando prédios. Mais de uma vez, eles invadem sua casa. Eles roubam. Eles destroem. Eles o aterrorizam. Mas eles não o machucam.
Seus pais consideram ir embora. Essa cidade é perigosa e assustadora. Mas não há outro lugar para ir. E o exército está aqui agora. Ele gosta dos soldados. Eles o mantém a salvo. Eles fazem as pessoas assustadoras irem embora.
Seus pais dizem que as revoltas vão parar logo, que ficará seguro ir para fora novamente. E eles estão certos. Ele consegue brincar lá fora novamente. Mas os soldados ficam. Ele não se incomoda.
O menino está com doze quando a guerra civil acontece. Os soldados os forçam a sair da cidade. Eles não têm nada agora. Seus pais não sabem para onde ir. Eles gastam um longo tempo falando sobre isso.
Eles encontram um campo de refugiados. Todos parecem tristes, exceto pelas crianças bem jovens. Mas isso é só porque elas não entendem nada. Elas o irritam.
O menino está com treze quando atacam o acampamento. Há muitas crianças com ele. Ele não sabe onde seus pais estão. Só há um adulto aqui. E ela está ferida.
As crianças estão todas em pânico. O menino não é exceção. A única adulta está ferida demais para se mover e sangrando profusamente, mas ela tenta direcioná-los. Ela diz a eles para encontrar ajuda, mas também para permanecerem escondidos. O menino é o mais velho do grupo. Ela aponta ele para cuidar de todos. Ele deverá liderar uma busca. Ele nunca ficou mais aterrorizado. Ela diz para ele ser forte pelos outros.
Eles saem. Horas passam sem resultados. Os outros estão reclamando. Eles estão cansados e com fome. Ele os leva de volta. Quando eles voltam, eles encontram a mulher morta. As crianças que ficaram com ela agora desapareceram. As outras estavam começando a perder a cabeça.
Mais quatro crianças aparecem. Elas ficaram se escondendo. Soldados vieram e levaram todos os outros, elas disseram. Depois de matar a mulher.
Incluindo a si mesmo, havia onze crianças. Elas olharam para ele em busca de orientação. Ele não tinha ideia do que fazer. O medo não vai embora. Mas nem a fome vai. Ele manda que todos se dividam e busquem comida. Quando todos se reúnem novamente, só há dez. Elas buscam pela décima primeira e encontram seu corpo morto.
Uma semana depois, restaram nove. Um mês depois, oito. Aquele se perdeu na selva. Aquele foi morto por um estranho. Eles encontraram a borda da floresta, encontraram a cidade arrasada, pensaram que o único homem lá os ajudaria. Não foi o caso.
Elas fugiram de volta para a floresta.
Quatro anos se passam.
Há cinco deles agora. Mira, Loren, Kaul, Trill e o menino. Doenças pegaram os outros, mas esses cinco sobreviveram. O menino os ensinou a pescar. Loren os ensinou a caçar. Mira os ensinou a escalar. Juntos, eles aprenderam a construir abrigos. Juntos, eles também aprenderam a roubar. E a matar.
Há uma estrada ao longo da borda oeste da floresta. Pedir ajuda para os viajantes passando por lá nunca deu em nada bom. Elas aprenderam a não confiar em estranhos. Elas são bandidos agora.