Enquanto Lumian espirrava, Franca rapidamente deu dois passos à frente e se agachou ao lado do corpo sem vida do impostor.
Com um aperto delicado, ela extinguiu as chamas negras tremeluzentes que ainda estavam presas a ele.
— Graças a Deus não queimou muito, ou a alma teria se dissipado, — Franca deu um suspiro de alívio, endireitando-se. Ela enfiou a mão no bolso e retirou um punhado de pó que lembrava a escuridão da noite.
Lumian guardou a lata de gás e olhou para Franca, com a curiosidade estampada no rosto.
— Você está planejando canalizar o espírito dele?
Na batalha recente, o impostor exibiu a força de um Beyonder de Sequência Média e exerceu habilidades peculiares. Lumian não conseguiu se conter, ou a situação teria tomado um rumo perigoso.
Franca assentiu sutilmente, respondendo: — De fato. Canalizar um espírito agora produzirá resultados significativos.
— E qual entidade você pretende invocar? — Lumian perguntou casualmente.
Franca riu antes de responder: — Nenhum. Eu fundi os princípios da Adivinhação por Espelho Mágico e criei um feitiço de invocação de espíritos do domínio correspondente.
— Você é muito inteligente, — elogiou Lumian, suas palavras misturadas com um toque de zombaria.
Exasperada, mas divertida, Franca respondeu: — Isso se chama ter espírito acadêmico. Nós… uh, sua irmã… conduzimos pesquisas e experimentos semelhantes. Normalmente, não me incomodo em pensar demais nas coisas. Não porque me falte inteligência, mas porque o fardo de cálculos intermináveis é cansativo. A chave para a vida é permanecer relaxado e não se envolver em cada detalhe intrincado.
Seu olhar passou por Charlie, ainda esparramado entre os escombros do túnel. Franca se absteve de mencionar Gandalf, presidente da Sociedade de Pesquisa sobre Babuínos de Cabelos Encaracolados.
“É por isso que você se adaptou tão bem depois de se tornar mulher?” Lumian observou Franca construindo uma parede de espiritualidade nas proximidades enquanto se aproximava de Charlie.
Testemunhando a aproximação de Ciel, Charlie saiu do torpor e rastejou para fora dos escombros de quatro.
Lumian olhou para ele, sua expressão desprovida de emoção.
O que ele estava pensando era: “Charlie acabou de testemunhar a batalha entre Franca, eu e o impostor. Se ele buscar refúgio na catedral do Eterno Sol Ardente, há uma grande probabilidade de que ele não consiga esconder isso quando questionado por Beyonders oficiais utilizando seus poderes. Esta situação difere da anterior, onde os Beyonders oficiais acreditavam que tudo estava sob seu controle. Eles eram propensos ao descuido e tinham pontos cegos em suas mentes…”
A euforia inicial de Charlie diminuiu enquanto Lumian continuava a examiná-lo em silêncio. Seu coração começou a bater forte como a batida de uma banda de jazz.
Medo e confusão evidentes em sua voz, Charlie finalmente reuniu coragem para perguntar: — Qual é o problema?
Lumian observou que a sorte de Charlie permaneceu uma mistura de vermelho e preto, embora tivesse melhorado ligeiramente desde antes.
Isto indicava que a ameaça de Susanna Mattise não tinha sido completamente resolvida.
Ele ficou em silêncio por alguns segundos antes de falar: — Lembre-se de ir para a Igreja di Santo Robert mais tarde.
Já tendo contactado Madame Pualis, Lumian já não precisava de ficar no Le Marché du Quartier du Gentleman ou de gerir o Salle de Bal Brise. Enquanto permanecesse com o Savoie Mob, ele ainda teria a chance de cumprir a missão do Sr. K.
Além disso, Franca agora estava envolvida. Com ela atestando-o enquanto estava nas boas graças do chefe, Lumian poderia ser designado para outros empreendimentos lucrativos, mesmo sem o Salle de Bal Brise. No entanto, os ganhos podem não ser tão substanciais.
— Tudo bem, tudo bem! — Charlie deu um suspiro de alívio.
Tendo experimentado muitas coisas, Charlie possuía uma personalidade de mente aberta. Ele pertencia ao tipo de pessoa que ficava mais entusiasmado à medida que o número de indivíduos aumentava. Logo, sua curiosidade levou a melhor sobre ele. Apontando para o impostor sem vida que estava caído no chão, ele perguntou:
— Quem é esse? Por que ele se parece exatamente com você…
Antes que Charlie pudesse terminar a pergunta, ele fez uma pausa. Quando o impostor morreu, os músculos faciais relaxaram, não se parecendo mais com Ciel. O cadáver parecia desconhecido.
— É alguém que acreditou em um deus maligno e ganhou poderes estranhos, — explicou Lumian simplesmente, adaptando sua resposta à compreensão de Charlie. — Ele tem uma certa ligação com Susanna Mattise.
Charlie sentiu um medo persistente.
— Não é à toa que ele continuou me levando para o subsolo…
Incapaz de se conter, Lumian amaldiçoou: — Seu imbecil! Você está com ele há tanto tempo e ainda assim não sentiu que havia algo de errado com ele? Ter meu rosto significa que ele sou eu?
Charlie respondeu timidamente: — Quando entrei no Submundo de Trier, senti que algo estava errado.
— Ele estava muito quieto. Apenas mencionou me levar ao subsolo para resolver completamente o problema de Susanna Mattise. Ele não é como você, sempre contando piadas e provocações.
— Achei que fosse porque a situação era urgente e você não estava com disposição…
Lumian suspirou e desviou seu olhar para Franca, percebendo que Charlie, sendo uma pessoa comum, não conseguia ver através do disfarce de Beyonder que poderia enganar até mesmo Beyonders oficiais, por mais astuto que ele fosse.
A Bruxa havia terminado de se preparar para seu próprio feitiço de canalização de espíritos. De pé diante do corpo sem vida do impostor, ela segurou duas velas brancas e entoou uma série de encantamentos em Hermes.
Devido à parede de espiritualidade, Lumian só conseguiu captar fragmentos dos encantamentos. Franca descreveu a si mesma e ao impostor, sendo o primeiro a fonte da espiritualidade e a base para a manutenção do ritual, e o segundo o objeto de oração — o Espelho Mágico que fornecia respostas às perguntas.
Quanto a Charlie, ele ouviu ainda menos e não conseguiu entender tudo.
Uma luz fraca surgiu no espelho de maquiagem na mão de Franca, e seu interior se transformou em um abismo de escuridão profunda, como se tivesse afundado nas profundezas do rio.
Um rosto branco e nebuloso apareceu rapidamente no espelho, tendo uma semelhança de 50 a 60% com o falecido impostor.
Mudando para a língua de Intis, Franca perguntou: — Quem é você e a qual organização pertence?
O impostor respondeu atordoado: — Rentas, um membro da Sociedade da Felicidade.
“Rentas…” Lumian de repente se lembrou do nome.
A palavra “Rentas” aparecia frequentemente nos cartazes do lado de fora do Teatro da Velha Gaiola de Pombos. Ele era um ator coadjuvante masculino proeminente.
Franca continuou com seu questionamento: — Que tipo de organização é a Sociedade da Felicidade? E como ela está ligada a Susanna Mattise?
O impostor, Rentas, falou com uma voz de outro mundo: — A Sociedade da Felicidade era originalmente uma sociedade secreta para mulheres que amam mulheres. Susanna era uma delas.
— Ela ficou cansada de se envolver com membros do parlamento, funcionários de alto escalão, banqueiros, magnatas dos jornais e outros homens. Ela buscou consolo entre colegas e madames que compartilhavam seu amor pelas mulheres. Eventualmente, recebeu a iluminação divina e uma bênção, tornando-se uma sacerdotisa de meu senhor. Ela transformou a pequena Sociedade da Felicidade em uma organização secreta que adora meu senhor.
— Na sociedade de hoje, é inconveniente para as mulheres estarem abertamente envolvidas em muitos assuntos. Portanto, a Sociedade da Felicidade admitiu alguns membros do sexo masculino que também podem receber bençãos, mas não têm o privilégio de participar de assuntos essenciais ou possuir conhecimento dos assuntos mais confidenciais.
— Incrível! — Franca aplaudiu.
Ela sabia que Rentas estava se referindo ao deus maligno conhecido como Árvore Mãe do Desejo. Investigar tais assuntos a deixou apreensiva, temendo tropeçar em conhecimentos místicos que não deveria adquirir.
“Uma sociedade secreta para mulheres que amam mulheres… Membros masculinos excluídos de assuntos centrais…” Lumian de repente percebeu algo.
Ele ficou junto à parede de espiritualidade e olhou para o espelho de maquiagem na mão de Franca.
— Então, Hedsey frequentemente procura garotas de rua e caça presas porque seus desejos não podem ser satisfeitos dentro da Sociedade da Felicidade?
— Sim, — respondeu Rentas. — As mulheres amam exclusivamente as mulheres. Quando eu era viciado em sexo, tinha que satisfazer meus desejos sozinho. Felizmente, eu era mais atraente do que ele e tinha um público feminino que me admirava. Havia muitas garotas de rua no distrito comercial, então não precisei correr o risco de buscar excitação.
— É como uma brasa quente! — Franca expressou seus sentimentos com palavras peculiares e estranhas. Ela estalou a língua e suspirou. — Não existe um grupo secreto regular para mulheres que amam mulheres?
— Sim, — Rentas respondeu com firmeza. — Que eu saiba, existe a Sociedade Momentânea e a Sociedade Narcisista. Elas frequentemente organizam orgias de mulheres na Cafeteria da Casa Vermelha, no Trocadéro1. Temos tentado estabelecer contato com elas e convertê-las em crentes de meu senhor.
O Trocadéro estava situado no bairro 16, na margem norte do rio Srenzo. Conhecida como Praça do Triunfo, fundada pelo Imperador Roselle, era uma pequena cidade cercada por uma vasta floresta suburbana. Era conhecido pela sua excepcional produção de vinho. O Vinho de Trocadéro ficou atrás apenas do vinho tinto Aurmir no mundo.
Fascinada, Franca ouviu e repetiu os termos, — Trocadéro… Cafeteria da Casa Vermelha, orgias com mulheres…
Lumian não pôde deixar de se sentir mais preocupado com o termo “Viciado em Sexo”. Parecia combinar perfeitamente com o estado distorcido de Hedsey. Provavelmente correspondeu à Sequência 8 do caminho da Árvore Mãe do Desejo. No entanto, ele temia que o tempo para a canalização do espírito estivesse se esgotando, então não se apressou em se aprofundar no assunto. Em vez disso, redirecionou seu foco para Susanna Mattise.
— Como Susanna Mattise se transformou em um espírito maligno? E por que você trouxe Charlie para o subsolo?
O rosto pálido de Rentas se contorceu.
— Ela morreu enquanto recebia uma bênção e se transformou em um espírito maligno.
— Ela nos contou que, como seu nome ainda estava na boca de muitos habitantes e seu retrato era usado por vários homens para se satisfazerem, ela não se dissipou completamente. Ela manteve um certo nível de racionalidade, embora distorcida. Foi consumida por seus próprios assuntos, negligenciando todo o resto.
— Ela foi gravemente ferida por Beyonders oficiais durante seu último encontro e passou um tempo se recuperando no altar. Estávamos preocupados que, uma vez que ela se recuperasse totalmente, iria procurar Charlie e atrair a atenção das autoridades. Então, aproveitamos a eleição e levamos Charlie ao altar com antecedência, entregando-o para ela.
Charlie já havia passado para o lado de Lumian. Seu rosto ficou pálido enquanto ouvia, sentindo como se tivesse entrado nas profundezas do inferno.
Franca assentiu sutilmente e falou: — Onde fica esse altar? Quanto tempo até Susanna Mattise se recuperar totalmente?
— O altar… — A superfície do espelho de maquiagem revelou um rosto embaçado e desbotado, revelando um túnel subterrâneo.
O túnel se estendia infinitamente, ramificando-se em múltiplas direções antes de levar a uma pequena caverna de pedreira engolfada por vinhas e galhos.
Lá, um colossal toco de árvore verde-acastanhado emergiu abruptamente do chão. Sua forma consistia em galhos grossos, com raízes originárias de local desconhecido.
À medida que a imagem do toco ficava mais clara, Franca interrompeu apressadamente a manifestação, temendo possíveis distúrbios.
Rentas continuou: — Susanna recuperará todas as forças em dois dias e partirá do altar.
Nota:
[1] Realmente existe.