— Aurore me atacou.
As palavras ecoaram nos ouvidos de Lumian, rompendo sua mente como uma represa rompida. Uma onda de memórias inundou, lavando os horrores ocultos enterrados sob a superfície. Elas eram horríveis, dolorosas e perfuravam seus ossos.
Uma por uma, as cenas se desenrolaram diante dos olhos de Lumian. Guillaume Bénet, o padre, cercado por uma horda de mortos-vivos na selva. Madame Pualis voando pelo ar com as asas bem abertas. E ali, nos olhos dela, Lumian vislumbrou uma figura loira familiar.
Era Aurore!
O olhar de Lumian deslocou-se para as paredes do terceiro andar do castelo, cobertas por faces translúcidas de tonalidade branco-azulada. Ele testemunhou Louis Lund dando à luz, Sybil Berry renascendo no corpo de uma empregada doméstica, Guillaume Bénet, Pierre Berry, Pons Bénet e um grupo de crentes na Inevitabilidade envolvidos em uma batalha feroz contra a parteira, Administrador Béost, e seus companheiros.
Tudo isso se desenrolou nas próprias visões de Lumian, emanando de uma pequena bolha flutuando no ar.
Papel branco…
Papel branco!
O rosto de Lumian se contorceu em agonia enquanto ele cambaleava para trás.
Veias roxo-azuladas, densamente compactadas, projetavam-se de seu corpo, cada uma representando um vaso sanguíneo.
Enquanto isso, as palavras da psiquiatra Susie passaram por sua mente: — Lembre-se sempre de não reagir de forma exagerada. Sempre que sentir uma onda semelhante de emoções, respire fundo e encontre a calma…
Lumian engasgou pesadamente, sentindo como se o mundo ao seu redor tivesse se transformado em um vácuo.
Num ato de simpatia, Madame Pualis falou: — Você realmente esqueceu muitas coisas. Não, você as enterrou no fundo do seu coração, com medo de confrontá-las.
— Eu também sofri. Não foi agradável para mim. Depois de me tornar uma Banshee, foi a primeira vez que encontrei uma mulher que realmente tocou meu coração. Ela possuía charme, gentileza, gentileza e um espírito vibrante. Nunca imaginei que ela, como seguidora de um deus maligno, se voltaria contra mim.
— Até então, ela já era uma Apropriadora do Destino, mais favorecida pela Inevitabilidade do que Guillaume Bénet.
Lumian não pôde deixar de levar as mãos à cabeça, como se ela pudesse explodir com a intensa pressão interna.
Respirando fundo, ele se lembrou de Aurore, que ignorou suas preocupações sobre as peculiaridades da vila. Ele se lembrou dela alertando-o contra colocar os olhos em coisas proibidas. Ele pensou em Aurore, que muitas vezes ficava sentada no telhado à noite, contemplando a vastidão do cosmos. O sonho do “lagarto” rastejando para fora da boca de Aurore ressurgiu em sua mente. Ele se lembrou de como Nazélie e os outros, os primeiros hereges do horóscopo, tinham laços estreitos com Aurore.
Em meio a essas lembranças, Lumian também relembrou seu fracasso em vingar as mortes de Reimund e Ava, descobrindo-se capturado por Pons Bénet. Ele suportou o tormento antes de finalmente ser libertado. Ele se lembrou de Aurore, que cortou o livre bleu e reuniu com ele um pedido de ajuda. Ele se lembrou de Aurore explicando o conhecimento místico que ela possuía. E acima de tudo, lembrou-se de Aurore empurrando-o para fora do altar durante o ritual, seus olhos brilhando com uma vivacidade recém-descoberta…
Huff… Huff… Lumian engasgou pesadamente, como se ainda estivesse preso nas garras de um pesadelo sem fim.
Um suspiro suave escapou dos lábios de Madame Pualis.
— Eu deveria ter notado sua estranheza antes. Embora não nos cruzássemos com frequência, sempre senti algo peculiar nela. A maneira como ela olhava para o céu noturno, dizendo palavras enigmáticas sobre sua cidade natal.
— No reino do misticismo, o cosmos pode ser um lugar traiçoeiro, especialmente para Beyonders.
— Mais tarde, desejei que ela abraçasse os ensinamentos da Grande Mãe, mas, infelizmente, era tarde demais…
Os lábios trêmulos de Lumian lutaram para formar a pergunta. — Quando… ela… começou a se comportar de maneira estranha?
Ele tinha uma lembrança vívida do hábito de Aurore de observar as estrelas e relembrar sua terra natal, mas não houve sinais de problemas nos primeiros anos.
É verdade que Lumian reconheceu que Aurore estava fixada no cosmos com mais frequência no ano passado, mas não conseguiu identificar o momento exato em que tudo começou.
Madame Pualis balançou a cabeça, reprimindo suas emoções, e falou com uma pitada de diversão.
— Essa é uma pergunta que você deve responder por si mesmo. Você passou todos os dias com ela, enquanto eu não. Às vezes, tenho inveja de você profundamente. No entanto, em outras ocasiões, acredito que você tem seus próprios méritos. Por que deveríamos estar sujeitos às regras de uma sociedade convencional, negando-nos a liberdade e as alegrias da vida?
Lumian parecia perdido em seus próprios pensamentos, mal registrando as palavras de Madame Pualis. Ele continuou curvado, pressionando a cabeça contra o chão da carruagem. Murmurando para si mesmo, ele questionou: — Quem… quem a levou a abraçar a Inevitabilidade?
— Talvez só ela saiba a resposta. Infelizmente… — Madame Pualis suspirou mais uma vez.
Lumian ficou em silêncio, respirando fundo para se acalmar.
Uma vez… duas vezes… três vezes… O tempo parecia se confundir enquanto ele lutava com seus pensamentos. Finalmente, endireitou a postura, baixou as mãos e voltou o olhar para Madame Pualis.
— Você já encontrou uma criatura parecida com um elfo misturado com um lagarto na aldeia?
— Não. — Madame Pualis balançou a cabeça.
“O lagarto do meu sonho era apenas um símbolo. Representava a influência da Inevitabilidade? Ou será que realmente existiu, escondido nas profundezas da realidade?” Lumian ponderava incessantemente, como se esta fosse a única maneira de evitar que as lâminas afiadas perfurassem seu coração despedaçado.
Ele fez uma nova pergunta.
— Você já se deparou com a lenda do Feiticeiro? Aquela sobre nove touros sendo os únicos capazes de puxar o caixão.
— Não, — Madame Pualis respondeu mais uma vez, balançando a cabeça.
Lumian continuou a perguntar, uma pergunta após a outra. Eventualmente, ele perdeu a noção do que estava perguntando e se Madame Pualis havia respondido. Em sua mente, o rosto dela ficou nebuloso, como se ela estivesse a dezenas ou centenas de metros de distância.
Em algum momento indeterminado, a carruagem de quatro rodas parou. Lumian se viu de volta à beira da estrada, avançando sem propósito ou destino.
Clang! Clang! Clang!
O sino da catedral tocou, sinalizando meia-noite.
De repente, Lumian saiu do torpor, percebendo que havia retornado ao Auberge du Coq Doré.
Quase instintivamente, subiu os degraus e preparou-se para abrir a porta. Mas depois de alguns segundos de choque, voltou para a rua, vagando em direção ao final da Rue Anarchie como uma alma perdida.
Caminhou até chegar à Avenue du Marché. O céu, perpetuamente sombrio durante toda a noite, agora estava envolto em nuvens espessas e escuras. Não havia lua vermelha ou estrelas para serem vistas.
Finalmente, Lumian chegou à entrada do Salle de Bal Brise, de onde emanava uma cacofonia de vozes e a batida rítmica dos tambores, criando uma atmosfera invulgarmente vibrante.
Sentindo-se oprimido pelo ambiente, ele se virou abruptamente, cambaleando para o acostamento da estrada. Encontrando um lugar na sombra, longe do poste de gás mais próximo, sentou-se no chão.
Pitter. Pitter. Com o passar do tempo, gotas de chuva começaram a cair no chão, na cabeça e diante dele.
As gotas de chuva ficaram mais fortes, criando um tamborilar constante.
Lumian permaneceu imóvel, como se tivesse se transformado em estátua, deixando a chuva encharcar seus cabelos, rosto e roupas.
De repente, uma sombra apareceu acima dele e as gotas de chuva desapareceram.
Confuso, Lumian ergueu os olhos e viu um guarda-chuva azul escuro, com armação de metal sustentando o tecido, segurado por Jenna.
Ele desviou o olhar, olhando fixamente para o meio da estrada, onde a névoa começou a subir. Ele não fez nenhum esforço para impedir Jenna nem percebeu sua presença.
Jenna, usando maquiagem pesada e esfumada e um vestido vermelho decotado de lantejoulas, colocou um xale de cor clara com buracos consideráveis sobre os ombros para esconder um pouco de sua pele.
Ela observou Lumian por alguns segundos, evitando fazer qualquer pergunta. Ao lado dele, ela ergueu o guarda-chuva.
A forte chuva persistiu por uma hora inteira antes de diminuir gradualmente. Apenas gotas dispersas pingavam agora dos prédios de ambos os lados e dos postes de luz.
Lumian levantou-se lentamente, como se tivesse perdido alguma coisa.
Jenna dobrou o guarda-chuva e murmurou, com a voz quase inaudível.
— A chuva acabará por cessar, assim como a escuridão sempre cede. O sol está destinado a nascer e sua luz certamente iluminará a terra.
Lumian permaneceu em silêncio por um momento, com o olhar fixo na estrada escura à frente.
— Como você se sentiria ao descobrir que alguém em quem você confia não é quem você pensava que era?
Jenna não respondeu diretamente. Em vez disso, ela respondeu com uma pergunta: — Você ainda confia nela?
Lumian franziu os lábios, sua resposta inabalável: — Sim.
— Se você ainda confia nela, então descubra por que fez isso, — aconselhou Jenna, com tom calmo.
As mãos de Lumian tremiam ligeiramente enquanto ele respirava fundo várias vezes.
Eventualmente, seu corpo voltou ao normal e ele se virou para Jenna. — Por quê você está aqui?
A resposta de Jenna trouxe tanto frustração quanto diversão: — Droga! Estamos perto do Salle de Bal Brise! Eu não precisava ir ao teatro esta noite, então vim aqui para cantar e ganhar algum dinheiro. Quando saí, vi você sentado na beira da estrada, completamente encharcado.
Lumian desviou o olhar e começou a caminhar, com uma expressão desprovida de emoção.
Ele chapinhou nas poças, caminhando em direção à Rue des Bluses Blanches.
— Onde você está indo? — Jenna perguntou, com uma pitada de preocupação em sua voz.
Lumian respondeu sem olhar para trás: — Descobrir o motivo!
Ele se lembrou das palavras de Aurore quando ela o empurrou para longe do altar: — Meus cadernos…
Considerando as circunstâncias atuais, Lumian suspeitava que sua irmã estava tentando transmitir que ele poderia descobrir pistas sobre a origem da anormalidade em seus cadernos!
Jenna seguiu Lumian, segurando o guarda-chuva, e perguntou: — Você acha que pode encontrar o motivo em apenas uma noite?
— Talvez demore muito tempo, — Lumian respondeu impacientemente.
Jenna murmurou baixinho: — Então por que você está com tanta pressa? Descanse e limpe sua mente. Isso pode ajudá-lo a descobrir o motivo mais rapidamente.
Lumian contemplou sua compreensão limitada do conteúdo dos cadernos e sua falta de conhecimento místico. Ele caiu em silêncio.
Mais uma vez, ele se virou para Jenna. — Franca está em casa?
— Por que? — Jenna parecia perplexa. — Ela provavelmente não retornará à Rue des Bluses Blanches hoje. Ela mencionou querer passar uma noite agradável com Gardner Martin.
Fuuu… Lumian exalou e redirecionou seus passos em direção à Rue Anarchie.