Após deixar a casa de Celine, William estava prestes a retornar à Residência Ainsworth quando ouviu um grito alto de uma garça vindo do céu.
Ella levantou a cabeça e viu uma grande garça com uma envergadura de ao menos cinco a seis metros. A Cabra Angorá baliu cumprimentando e a garça soltou outro grito em resposta. William raramente viu garças em Lont e esta em particular era maior que qualquer outra que já encontrou no passado.
Suas penas brancas e imaculadas brilhavam com a luz do sol e a marca dourada em sua cabeça a davam uma aparência real e magnífica. Ela olhou para ele com olhos carinhosos e gentis, como se estivesse vendo um velho amigo.
A garça branca circulou acima de William e Ella duas vezes antes de pousar a alguns metros de distância deles.
Depois de observar a ave mais de perto, o garoto estimou que tinha no mínimo dois metros de altura. As orelhas da cabra se moveram quando ela começou a se aproximar deles. Ela não transmitia hostilidade, mas Ella ainda assim levantou sua guarda por precaução.
Quando chegou a dois metros de distância de William, a garça parou. Um grito suave escapou de seu bico, como se tentasse conversar com eles. William só havia se comunicado com cabras até agora, então ficou surpreso ao entender o que a ave tinha acabado de pronunciar.
“Meu nome é Skyla.”
Essa foi a mensagem que ele recebeu dela. A garça o olhava com um olhar gentil, como se esperasse sua resposta.
“W-William. Meu nome é William Von Ainsworth”, respondeu. “Esta é Mama Ella.”
“Meeeeeh.”
“Kroooooo.” Skyla deu outro grito suave ao mesmo tempo em que levantava uma de suas patas.
Com um olhar, William notou um tubo cilíndrico amarrado na pata. Era similar aos tubos carregados pelos falcões mensageiros do território.
“Para mim?” Perguntou.
Skyla acenou com a cabeça afirmando.
Ele desmontou das costas de Ella e lentamente se aproximou da garça branca. Ela não se moveu e simplesmente esperou o menino desamarrar o objeto que carregava.
“Posso abrir?”
“Kroooooo.”
Ella se aproximou dele para tentar ver o conteúdo do tubo. O corpo de William endureceu quando leu as primeiras frases escritas na carta que parecia ser endereçada a ele.
———
Para meu amado filho, William,
Eu venho a te cumprimentar da Cidade Sagrada de Nytfe Aethel. Nem sei por onde começar, já que, não importa o que eu escreva, ainda não seria o suficiente para expressar o quanto eu te amo e sinto sua falta, meu filho. Porém, saiba que não houve um dia sequer que se passou em que eu, Arwen Aenarion Ainsworth, não pensei em você.
Se possível, eu não queria deixar você ir, mas as circunstâncias me forçaram a tomar essa decisão. Sei que pode não acreditar em mim, mas foi uma das escolhas mais difíceis que fiz em minha vida.
Oro para que encontre, em seu coração, uma maneira de me perdoar por não ser capaz de estar ao seu lado nestes últimos anos.
Palavras não são o bastante para dizer o quanto eu quis te segurar em meu braços e beijá-lo antes de você adormecer.
———
Ele parou de ler a carta porque sua visão começou a embaçar. Mesmo que a escrita fosse bonita, podia ver as marcas de lágrimas secas que estavam misturadas na tinta da carta. Seu coração doía por causa da tristeza da mãe que ainda não foi capaz de ver desde que nasceu.
Somente depois de limpar as lágrimas em seus olhos ele continuou a ler o resto da mensagem que sua mãe o enviou.
A garça branca, Skyla, olhava para William silenciosamente do canto. Podia sentir a linhagem de Arwen fluindo pelo corpo de William. Era a linhagem de um Alto-Elfo que tinha o poder de se comunicar com bestas em um nível mais profundo.
Apesar de diluída, ainda permitia a William se comunicar com Ella e os membros de seu rebanho. Quando viu as lágrimas dele, ela se lembrou de sua Mestra, Arwen, chorando enquanto escrevia a carta que tinha acabado de entregar.
‘Ambos são bebês chorões.’ Foi o pensamento que apareceu na cabeça dela ao continuar a observar o único filho de Arwen, William.
———
De novo, eu gostaria de pedir seu perdão por levar dez anos para escrever uma carta a você. Estava com medo que não seria velho o bastante para entender minhas palavras, e, por isso, atrasei o envio da carta em alguns anos.
No entanto, depois de ver o sorriso das crianças aqui em Nyfte Aethel, não consegui mais guardar meus sentimentos e decidi colocá-los no papel.
Quero saber tudo sobre você. O que come, seus passa-tempos, o ambiente em que crescer e se a família do seu pai está cuidando bem de você. Por favor, me diga tudo. Mesmo se só for sobre o clima ou as coisas que comeu no café-da-manhã.
Deste momento em diante, vou escrever em intervalos regulares. Como o Continente Lua Prateada é um relativamente distante do Continente Sul, só posso te enviar duas cartas por mês.
Estou muito grata que Skyla aceitou ser a responsável por entregar a minha carta a você. Ela é minha Besta Espiritual e confio nela completamente. Além disso, ela me disse que gostaria que você se referisse a ela como Grande Irmã Skyla.
Parece que ela tem a intenção de te tratar como um irmão mais novo. Espero que não se importe.
Gostaria de escrever mais, mas estou com medo que não seria capaz de me impedir de colocar toda minha frustração nesta carta. Não quero fazer isso.
Novamente, rezo para que me mande uma carta de resposta. Saiba que irei considerar suas cartas escritas à mão como herança de família.
Irei pacientemente esperar sua carta.
Sempre te amando,
Arwen Aenarion Ainsworth.
———
William respirou pesadamente ao terminar de ler a carta. Seu coração doía dentro do seu peito enquanto organizava seus pensamentos confusos.
Era a primeira vez que sua mãe biológica entrava em contato com ele e isso o pegou de surpresa. Se alguém o perguntasse se ele odiava sua mãe, Arwen, a resposta seria um grande NÃO.
Mesmo que não saiba as circunstâncias, seu avô lhe contou que sua mãe carrega uma grande responsabilidade. Sua decisão de enviar William para Lont foi para mantê-lo em segurança.
Os sentimentos dele por Arwen não eram nem bons nem ruins. Atualmente, ela era uma estranha para ele. Apesar de ser quem o deu a luz, ele não havia visto ou interagido com ela durante estes dez anos.
Contudo, no momento em que leu a carta, os sentimentos que estavam dormentes em seu coração repentinamente explodiram. A doçura, a amargura, a dor, tudo se juntou e deu a William um gosto de como era se conectar com alguém a quilômetros de distância.
Ele cuidadosamente dobrou a carta e a colocou dentro do ‘Anel da Conquista’. Planejava ler novamente depois de se acalmar.
A garça olhou para ele e soltou um grito suave. Ele liberou William de seu torpor e o fez perceber que deveria escrever uma carta de resposta para sua mãe.
“Irmãzona, Skyla?”
“Kroooo.”
“Como minha mãe é? Você pode me dizer mais sobre ela?”
Skyla olhou para William com um olhar caloroso. Seus olhos estavam dizendo “Vai levar algum tempo, então por que não encontramos um lugar adequado para conversar ao invés de ficarmos aqui?”
William olhou ao seu redor e deu uma tosse estranha. Os dois estavam parados perto da estrada e aquele não era um local apropriado para ter uma longa conversa a respeito de sua mãe.
“Vamos para casa, também vou pedir à tia Helen preparar algo para você comer.”
“Krooo.”
¨¨¨¨¨¨¨¨
William, Ella e Skyla estavam descansando no jardim. A ave começou seu conto e o garoto deu a ela sua atenção total. A garça falou sobre o Continente Lua Prateada, a Cidade Sagrada de Nyfte Aethel e sobre a Família Aenarion.
Ela era uma boa contadora de histórias. Não mencionou os sofrimentos de Arwen, somente sobre as coisas divertidas e impressionantes sobre ela. Aos poucos, William começou a formar uma imagem de sua mãe dentro de sua cabeça.
Um elfa bonita com longos cabelos loiros e olhos verdes claros que derreteriam o coração de qualquer homem que ela olhasse. Skyla também tinha um lado travesso. Ela contou a ele histórias de sua mãe como uma tia na rua que gostava de fofocar.
William ria de tempos em tempos enquanto imaginava sua nobre mãe ser soterrada por uma pilha de papéis. Ella também ouvia com uma expressão séria. Estava bem curiosa a respeito da mãe biológica do seu bebê.
Quando Skyla terminou seu conto, o sol já estava se pondo.
William a agradeceu profundamente por contar a ele sobre sua mãe. Ele então se ocupou em escrever uma carta de retorno que Skyla carregaria de volta ao Continente Lua Prateada.
Depois de escrever sua carta, William ficou incomodando James por um anel de armazenamento que utilizaria para guardar os presentes que enviaria para Arwen. O velho aceitou seu pedido e até mesmo abriu o estoque da casa para adicionar alguns produtos especiais de Lont.
William queria dar a sua mãe um presente especial que pertencia a ele, mas não conseguiu pensar em nenhum. No fim, decidiu dar a ela o manto que foi feito do pelo do Lobo Chifre de Trovão que pessoalmente matou em batalha.
Helen havia costurado o nome de William no manto e o menino pensou que seria um presente adequado.
Ele colocou o anel de armazenamento dentro do tubo cilíndrico junto da carta. Amarrou pessoalmente o tubo na pata de Skyla e se assegurou de que estava firme.
Antes de alçar voo, Skylla cheirou o lado do rosto de William, como se estivesse se lembrando do cheiro dele. Com um grito suave, ela disse adeus e começou a voar para o céu iluminado pelo luar em direção ao Continente Lua Prateada.
William a assistiu ir ao mesmo tempo em que colocava sua mão em seu peito. Ele fez um juramento de que algum dia no futuro iria pessoalmente para a Cidade Sagrada de Nyfte Aethel para se reunir com sua mãe.
Se seu encontro seria preenchido de felicidade ou lágrimas, apenas o tempo diria.
Que lindo mano.