“O poder que temos no sangue – o que você chamou de método de refinamento corporal – é conhecido por muitos nomes”, começou Crassus, e sua expressão era estranhamente séria. “Alguns o chamam de bênção, linhagem sanguínea ou legado. Mas os que conhecem melhor a chamam por um nome diferente – a Ruína do Dragão.”
“A Ruína do Dragão?” Arran franziu a testa ao ouvir o nome. “Isso significa que é prejudicial?”
“Longe disso”, disse Crassus, com um sorriso amargo no rosto. “A Ruína permite que seu corpo se torne mais forte do que a maioria dos magos acredita ser possível, permitindo que você absorva força sem nenhum esforço. E não apenas isso – ele vai protegê-lo contra venenos e outras influências nocivas.”
“Então, por que se chama assim?” perguntou Arran.
“Porque ela acaba destruindo todos nós”, respondeu Crassus. “Muitos magos querem ter esse poder para si mesmos e, com o tempo, todos nós acabamos caindo nas mãos deles. É um destino que nenhum dragão consegue escapar para sempre – no final, todos os dragões são mortos por magos.”
Novamente, Arran franziu a testa, mas dessa vez havia um certo choque em seus olhos. “Mas se eles querem seu poder, por que precisariam matá-lo?”
Ele conseguia ver por que os magos queriam o poder – o que Crassus chamava de Ruína do Dragão – mas ele não entendia por que precisariam matar dragões para isso. Especialmente com dragões poderosos como Crassus, pedir a ajuda deles era muito mais fácil do que derrotá-los.
“A maioria dos magos não adquire a Ruína com a mesma facilidade que você”, disse Crassus. “O fato de você ter adquirido tanto com apenas algumas gotas do meu sangue… isso deixaria muitos deles loucos de inveja.”
Ele deu a Arran um olhar curioso, mas depois continuou: “Quanto mais forte o mago fica, maior a dificuldade de adquirir a Ruína. Para os magos mais fortes, o sangue do meu corpo não seria suficiente – seria preciso encontrar um dragão bem mais poderoso do que eu e drená-lo completamente. E mesmo assim, eles provavelmente falharão”.
“Por que isso?” Perguntou Arran. Ele suspeitou que a magia do sangue o tivesse ajudado de alguma forma, mas ele se perguntou por que seria difícil para magos mais fortes se beneficiarem do sangue de dragão. Crassus deu de ombros. “Não conheço bem a magia para responder a essa pergunta. O que sei, foi o que ouvi de magos, mas vocês não são exatamente as pessoas mais simples.”
Diante disso, Arran só conseguiu concordar com a cabeça. Nos poucos anos que passou entre os magos, ele descobriu que na melhor das hipóteses eles eram obscuros e, muitas vezes, absolutamente sem noção.
Ainda assim, nesse caso, ele tinha algumas suposições próprias sobre o assunto.
Tanto a Essência quanto a Essência Natural transformaram o seu corpo e, conforme um mago se fortalecia, com o tempo seu corpo seria mais fortemente afetado. Com a Snow Cloud, Arran aprendeu que o equilíbrio errado poderia tornar a prática da magia muito mais difícil.
O que ele suspeitava agora é que um corpo rico em magia resistia de alguma forma a ser alterado pela Ruína do Dragão, o que tornava mais difícil obter seu poder. Era uma suposição, mas Arran achava que era uma explicação provável.
Ainda assim, essa era uma questão que ele consideraria em outro momento. Por enquanto, ele voltou sua atenção para Crassus.
“Então, o que você me disse…” Surgiu uma expressão de desconforto em seu rosto. “Isso significa que tem magos atrás de você também?”
“É claro”, confirmou Crassus. “Desde o momento que minha consciência despertou, eu enfrentei magos que tentaram tirar meu poder e minha vida. É por isso que não ouso me aproximar da região de Shadowflame – seria como um rato em uma toca de gato.” Ele riu da última parte e continuou: “Mas agora que você ganhou a Ruína, também corre perigo. Você pode não ser um dragão, mas se os outros descobrirem isso, você será caçado como um.”
Arran assentiu pensativo, mas apesar de saber que deveria estar preocupado, ele não conseguiu se preocupar com isso. “É só mais um segredo que terei que guardar”, disse ele dando de ombros. Ele já tinha muitos segredos, e mais um não faria diferença.
No entanto, ele teve um pensamento repentino e estreitou os olhos ao olhar para Crassus.
“Se os magos são seus inimigos naturais, então, por que você nos ajudou?
Com isso, Crassus soltou uma risada. “Deve parecer estranho para você”, disse ele, “Mas a verdade é que a maioria dos dragões não tem uma boa convivência com os humanos normais, que morrem muito rápido. A maioria deles só dura algumas décadas antes de morrer.” Ele suspirou ao pensar nisso. “Os magos são perigosos, mas pelo menos vivem tempo suficiente para conhecê-los.”
“Então você também conhece outros magos?”
“É claro”, respondeu Crassus. “Um dos poucos que considero entre meus amigos faz parte da Sociedade das Chamas Sombrias. É um sujeito alto para sua espécie, tem quase o dobro de sua altura. Veio para me matar há alguns séculos, mas, em vez disso, nós bebemos juntos por várias semanas – ele segurava sua bebida como um dragão.”
“Ancião Naran?!” Snow Cloud interrompeu, com um olhar de choque em seu rosto pálido. Ela estava sentada no chão, se recuperando do voo, mas isso parece ter chamado sua atenção.
“Ancião?” Crassus franziu a testa. “Ele só tem cinco séculos de idade. Mas vocês dois o conhecem, então?”
“Ele afirmava ter matado o dragão. É assim que ele recebeu seu nome…” Ela franziu a testa profundamente, aparentando estar desapontada. “Então era tudo mentira”.
“Não sei de nada disso”, respondeu Crassus. Em seguida, com um olhar para Arran, ele acrescentou: “Se você o conhece, deve perguntar a ele sobre a Ruína do Dragão. Ele sabe muito mais sobre ela do que eu, para falar a verdade”.
A conversa prosseguiu até o cair da noite, com Crassus aconselhando Arran sobre como usar a Ruína do Dragão – a maioria dos conselhos resumia-se a consumir muita comida com Essência Natural – e contando-lhe histórias sobre o Ancião Naran, o qual parecia ter criado um nome para si mesmo em Relgard com sua paixão por bebidas alcoólicas.
Quando a noite finalmente caiu, a expressão de Crassus se abateu com ela. “Está na hora de eu ir embora”, disse ele, ainda que parecesse que ele ficaria feliz em passar mais alguns dias com eles.
Arran não se opôs. Ele achou que Crassus poderia ser levado a acompanhá-los por mais algumas semanas – se não mais – e agora que conhecia a situação, não queria levar Crassus a um perigo maior. Mesmo com toda a sua força, a natureza franca e sem truques do homem quase o fazia parecer vulnerável.
Ao cair da noite, os dois se despediram, com Arran prometendo a Crassus que o visitaria em alguns anos. Desta forma, Arran pretendia manter sua palavra – depois da ajuda que Crassus lhe deu, ele considerava o homem um verdadeiro amigo.
Finalmente, quando o céu escureceu, Crassus se transformou mais uma vez, sua forma gigantesca levantou voo em uma demonstração de força que deixou Arran mais uma vez desejando que ele próprio pudesse voar.
Snow Cloud observou a partida do dragão gigante com uma expressão complexa.
“Ele não é o que eu esperava de um dragão”, disse ela.
Arran só pôde concordar com ela. Ambos tinham seus próprios conceitos sobre dragões antes de conhecer Crassus, mas no fim, os dois estavam completamente errados.
“Acredito que vamos partir pela manhã?”, disse ele finalmente.
“Vamos”, respondeu ela. “Com a vantagem que conseguimos ao voar, deveríamos estar mais seguros do que estaríamos de outra forma, mas mesmo assim, a jornada à frente será cheia de perigos.”
“Então vamos enfrentar esses perigos e derrotá-los”, disse Arran, na tentativa de incutir alguma confiança em Snow Cloud e em si mesmo.
Na verdade, ele não estava nem um pouco confiante sobre o caminho a seguir. Ele conhecia pouco sobre seus inimigos, e o pouco que sabia já era motivo de preocupação. E, mesmo com sua liderança, ele não acreditava que escapar ileso seria uma tarefa fácil.