— Eu… ajudei meu pai? — Gravis perguntou, incrédulo.
Quem era seu pai? Seu pai era o ser mais poderoso de todos os mundos, exceto o Céu. Ele havia sido um monólito constante, inabalável e implacável diante de tudo. O poder de Gravis estava tão distante do dele que ajudar seu pai parecia um sonho impossível. Nem sequer havia passado pela sua cabeça como uma possibilidade.
No entanto, tudo o que sua mãe havia dito fazia sentido. Gravis era um adulto, e ele podia entender essas emoções com mais clareza. Muitos jovens talvez se sentissem traídos ao descobrir que seu pai não os amara, nem a seus irmãos, desde o início. Mas, seu pai também não era uma vítima das circunstâncias?
Nem tudo no mundo seguia de forma suave, e, muitas vezes, a realidade era amarga. Gravis já tinha passado por dores suficientes para perceber isso. Ter uma família perfeita era basicamente impossível. Todos tinham seus problemas. Superar esses problemas era o que tornava uma família o mais perfeita possível.
— Sim, você ajudou seu pai — disse sua mãe, puxando-o para mais um abraço. — E eu estou muito orgulhosa de você.
Gravis ainda estava um pouco atordoado, mas retribuiu o abraço de sua mãe. Dessa vez, a sensação foi ainda melhor que antes. Ouvir sobre o passado de seu pai e sobre o futuro possível de Gravis permitiu que ele abandonasse algumas de suas antigas inibições.
Mas, ao soltar o controle emocional, ele involuntariamente sentiu um nó se formar na garganta. Começou a lembrar-se do que havia acontecido no mundo inferior.
Ele se lembrou da dor que sentiu ao ser forçado a negar todos os laços com as pessoas que conhecera no Continente Exterior. Lembrou-se da solidão e do vazio que sentiu quando refinou sua pele pela primeira vez.
Lembrou-se da morte de Gorn. Lembrou-se de como foi forçado a matar os discípulos da Guilda do Relâmpago, à qual se sentia em dívida, para não morrer. Lembrou-se da época em que se sentiu isolado de tudo e de todos enquanto permanecia na Seita do Céu.
Lembrou-se da morte de Wendy e de como ele escolheu o poder em vez das emoções. Lembrou-se de ter sido obrigado a abandonar Skye para o bem dela. Lembrou-se de Saron, o pai de Wendy, e de como ele morreu após ajudá-lo.
Lembrou-se da despedida com Aion. Lembrou-se da traição de Byron, após acreditar que finalmente tinha encontrado um grupo ao qual pertencia. Lembrou-se da morte dos pais de Skye. Lembrou-se de como causou involuntariamente a morte de milhares de bestas e cultivadores ao entregar o Raio da Destruição à Seita do Relâmpago.
Lembrou-se da despedida com o Velho Relâmpago e Lasar. Lembrou-se de como o Céu o havia oprimido constantemente. Lembrou-se de como Claude morreu quando ele escolheu seu oponente. Lembrou-se do apocalipse que trouxe ao lutar contra o Céu.
Lembrou-se das lágrimas de Joyce, de coração partido, antes de partir. Lembrou-se dos futuros incertos de seus companheiros. Lembrou-se da partida de Skye para outro mundo.
Em sua jornada até agora, havia muita dor e preocupação. Muitos de seus entes queridos morreram, e o futuro dos outros permanecia incerto.
Ele sentiu tristeza por seus companheiros mortos.
Sentiu culpa pelas vidas que destruíra involuntariamente.
Sentiu preocupação pelos seus companheiros.
Gravis permaneceu em silêncio, mas seu interior estava em convulsão. Ele engoliu em seco algumas vezes, nervoso. Sempre acreditara que tudo era natural e que ele havia aceitado a fria realidade do mundo.
Mas isso era verdade? Será que ele realmente não sentia nada?
Gravis não era uma máquina sem emoções. Ele sentia tristeza quando perdia alguém querido. Ficava furioso quando alguém ameaçava as pessoas próximas a ele. Preocupava-se com seus entes queridos.
Gravis era humano, e ele sentia emoções. Muitos associavam a falta de emoções à força, mas isso só era verdade quando necessário. Quando as emoções se tornavam um obstáculo, suprimi-las ajudava, mas isso não podia ser mantido para sempre sem causar danos permanentes.
Gravis havia percebido que, ao sempre engolir a dor, estava transformando sua vida colorida em um vazio cinzento.
Ainda assim, a dor era difícil de aceitar. Os humanos não queriam sentir dor, e muitos achavam que a dor emocional era pior que a dor física.
Mostrar emoções era sinal de fraqueza para muitos, mas não era porque eles tinham medo de confrontar seus próprios sentimentos? Ser forte quando necessário era uma forma de força, mas também era força enfrentar os próprios demônios internos e a dor.
Esconder a dor era como varrer a sujeira para debaixo do tapete. Na superfície, parecia limpo, mas, no fundo, a sujeira ainda estava lá. Em algum momento, se tornaria demais.
— Você passou por muita coisa — disse sua mãe com ternura. — Eu não consigo ver como seu pai, mas ele me mostrou tudo. Sei o quão difícil é perder alguém próximo. Sei como é temer pelo futuro dos amigos.
— Você não é uma máquina sem emoções — ela continuou. — Eu senti sua dor através do que seu pai me contou sobre você.
Eles ficaram em silêncio por alguns segundos, apenas se abraçando.
— Deixe sair — disse sua mãe. — Deixe-me ajudá-lo com sua dor. Ninguém está vendo, e não há ninguém para quem você precise ser forte. Mesmo com a dor, sua vontade é poderosa o suficiente para seguir em frente. Você sabe que essa dor não vai detê-lo em seu caminho. Você sabe que ainda pode ser implacável quando necessário.
— Mas, ao liberá-la — disse ela calorosamente — você também saberá como ser gentil quando necessário.
Alguns segundos se passaram enquanto o corpo de Gravis tremia.
— Eu sinto falta deles — Gravis sussurrou. — Sinto falta de Joyce, Skye, Nero, Manuel, Lasar, o velho, Aion. Tenho medo de nunca mais vê-los de novo — murmurou.
Sua mãe permaneceu em silêncio.
— Eu não sei o que fazer — disse Gravis, com a voz trêmula. — Eu digo que emoções são uma fraqueza, mas ainda assim, não consigo desligá-las. Tento acreditar que a dor só me torna mais forte, e ela realmente torna, mas isso não significa que eu goste da dor. Eu não quero sentir dor.
Sua mãe continuou em silêncio.
— Mas, com o tempo, o mundo ficou mais cinzento. Eu senti menos dor, mas também menos felicidade. Não importa o que eu faça, só vejo dor ou vazio cinzento.
— E daí se você sentir dor? — sua mãe perguntou. — Dói, mas só por um tempo. Depois, ela vai embora aos poucos. Qual o problema em enfrentá-la? A dor só fica por um tempo limitado, mas o vazio cinzento pode durar para sempre.
Gravis ficou em silêncio por meio minuto. Ele havia tomado sua decisão e iria seguir em frente com ela!
Ele soltou tudo. As lágrimas brotaram de seus olhos, e ele abraçou sua mãe com toda a força que tinha.
— Eu não quero ficar sozinho! — ele gritou.
E, com isso, Gravis desabou.