Havia escuridão por toda parte. Tudo ao redor de Gravis era negro, e ele sentia uma coceira por todo o corpo. Não era exatamente doloroso, apenas irritante. Gravis levantou a mão e olhou para ela. Como esperado, ela estava se dissolvendo lentamente no nada.
Flocos de sua pele se desprendiam e se desfaziam em poeira. Ver seu próprio corpo se dissolver e desaparecer seria uma experiência traumática para qualquer mortal, mas Gravis já estava preparado para isso. Seu pai havia lhe contado o que aconteceria.
“De fato, não dói”, ele pensou. “Isso já é alguma coisa.”
Não havia ar ou qualquer outra coisa ao seu redor, mas Gravis não precisava disso para começar. Seu corpo também estava se dissolvendo em um ritmo muito mais lento do que ele havia imaginado. A essa velocidade, levaria algumas horas. Embora fosse difícil medir sem qualquer referência visível para a passagem do tempo.
Gravis tentou suspirar, mas falhou, já que não havia ar. “Isso vai demorar um pouco”, ele pensou. “Me pergunto quanto tempo ficarei nesse espaço. Meu pai disse que preciso esperar até que um corpo compatível morra. O mundo intermediário é imenso, mas pode demorar até que algo com a afinidade certa morra com o corpo relativamente intacto. A maioria das bestas devora os cadáveres, dificultando que eles permaneçam inteiros.”
Gravis sentou-se onde estava e começou a esperar. Não havia mais nada para fazer.
“Ah, certo!” Gravis pensou de repente. “Devo colocar meu Anel da Vida e meu Anel de Obsidiana no meu Espaço Espiritual.”
Whoop!
E, com isso, tudo desapareceu, exceto suas roupas. Ele tinha roupas de sobra no Espaço Espiritual, mas duvidava que precisaria delas. Afinal, logo habitaria um corpo diferente. Como seu Espaço Espiritual o seguiria para o novo corpo, tudo dentro dele permaneceria seguro.
Enquanto esperava o processo terminar, Gravis verificou o OMC em seu Anel da Vida. O ‘slime’ estava repousado no topo de uma montanha pedregosa. Gravis já havia ordenado ao cogumelo que se mantivesse afastado, mas quis garantir, então o colocou fora de alcance.
Falando no cogumelo, sem nada para ameaçá-lo, ele crescia rapidamente. Não ficava mais forte, mas aumentava de tamanho. Agora, cobria uma área de mais de 20 quilômetros de diâmetro, o que era bastante impressionante para um único cogumelo.
O OMC apenas permanecia ali, fazendo algo. Gravis concentrou seu Espírito nele. Seu Espírito não era forte o suficiente para enxergar as Leis ou a Energia que o compunham, mas ele podia ver seu efeito.
Ele estava mudando de cor lentamente. Agora, estava completamente vermelho. Gravis imaginava que provavelmente havia desenvolvido uma afinidade com fogo. Além disso, não era mais exatamente um ‘slime’. Alguns esporões ósseos brotavam de sua ‘pele’ sem qualquer padrão lógico. Outras partes tinham apêndices estranhos surgindo aqui e ali.
“Como será que ele cria todas essas coisas dentro de si?” pensou Gravis. “Falando nisso, meu corpo não faz o mesmo ao se curar? Como isso funciona?”
Seu Espírito era poderoso o suficiente para enxergar em nível microscópico, mas ele não encontrou nada. Tinha a teoria de que talvez seres vivos fossem compostos por pequenas entidades vivas, mas isso não era verdade. Era apenas uma massa coesa.
Ainda assim, embora inicialmente ele só tivesse visto uma gosma, agora conseguia distinguir várias partes diferentes. Às vezes, o OMC criava escamas aleatórias. Outras vezes, cresciam pelos ou unhas bizarras. Era estranho ver o ‘slime’ gerar características semelhantes às de bestas ou humanos apenas para reabsorvê-las ou deixá-las morrer depois.
Havia, no entanto, uma espécie de consciência ou instinto dentro do ‘slime’. Quando alguns de seus novos apêndices morriam, eles se desprendiam. Curiosamente, o ‘slime’ criava um tentáculo para pegar o pedaço morto ou se movia até ele.
“Ele sabe que precisa recuperar sua própria massa para sobreviver. Se não reabsorver sua própria ‘carne’, ele encolherá. Além disso, percebo que ele absorve um pouco de energia. Quando cria algo mais sólido, absorve mais energia do que o normal. Realmente fascinante”, pensou Gravis, coçando o queixo em seu Espaço Espiritual.
E assim, Gravis continuou observando o crescimento constante do OMC.
Depois de um tempo, ele desviou o olhar e verificou seu corpo.
“Já se foi?” Gravis pensou, surpreso. “Quanto tempo fiquei assistindo ao OMC? Quanto tempo se passou?”
Gravis não fazia ideia de quanto tempo havia passado. Seu Anel da Vida não tinha ciclo de dia e noite, e ele não podia medir o tempo olhando para fora. Tudo era apenas escuridão.
Seu Eu estreitou os olhos. “Preciso ser mais cuidadoso no futuro. O OMC me distraiu por um bom tempo. Mas não deve ter passado tanto assim. Afinal, ainda não fui transportado para o novo corpo.”
Agora, Gravis não era mais do que uma minúscula esfera flutuante. Esse era seu pequeno Espaço Espiritual. Por dentro, era imenso, mas do lado de fora, era menor que uma formiga. Uma esfera de raio com alguns centímetros orbitava seu Espaço Espiritual.
De fora, não parecia ameaçadora, mas, por dentro, no Espaço Espiritual, parecia tão massiva e imponente quanto o sol. Gravis a fez se mover um pouco e percebeu que ainda tinha controle total sobre ela. Era como se o raio ainda estivesse em seu corpo.
Sem mais nada para fazer, Gravis voltou a observar o OMC.
Assim, o tempo passou.
Whooom!
“Oh! Algo está acontecendo”, Gravis pensou ao sentir uma força o puxar. Ele havia estado tão absorto no OMC que perdera completamente a noção do tempo, mas, aparentemente, agora estava prestes a entrar em um corpo.
“Estou pronto!” pensou com motivação, olhando para seu Espaço Espiritual flutuante. Ele notou que, conforme a força da puxada aumentava, seu Espaço Espiritual e raio começavam a desaparecer, tornando-se cada vez mais translúcidos até quase desaparecerem completamente.
Era uma sensação bizarra estar consciente e ver a si mesmo desaparecer no nada. Será que Gravis ainda existia?
Psh!
Uma dor intensa e aguda atingiu repentinamente Gravis no lado direito de seu… peito? Ele não tinha certeza de onde sentia a dor. A sensação o fez abrir os olhos.
“Olhos? Eu posso ver!” Gravis pensou ao perceber que já estava em seu novo corpo. Rapidamente, usou seus olhos e Espírito para observar ao redor. Infelizmente, seus olhos só viam escuridão.
Seu Espírito se estendia por apenas 10 quilômetros, o que o surpreendeu. — Blub bub blub…
Gravis tentou dizer que seu pai havia lhe avisado sobre a supressão do Espírito, mas apenas bolhas saíram de sua boca. Aparentemente, ele estava debaixo d’água.
Seu Espírito revelou que ele estava deitado no fundo do oceano, sobre a areia. Ao redor, havia algas e outras formas de flora, mas tudo estava completamente escuro. Ele só conseguia enxergar com seu Espírito. Além disso, sentia uma pressão incrível esmagando seu corpo.
“Este corpo não consegue suportar essa profundidade. Preciso nadar para cima”, ele pensou. “Mas primeiro, foda-se esse caranguejo!”
A dor lancinante que ele sentiu foi causada por um caranguejo que arrancou um pedaço do seu novo corpo. Gravis imediatamente usou sua Aura de Vontade e esmagou o caranguejo até transformá-lo em nada. Provavelmente era uma besta feroz, mas claramente na base da cadeia alimentar.
Gravis também já havia inspecionado seu novo corpo. Seu Espaço Espiritual estava localizado na cabeça, como de costume, enquanto seu Raio residia no centro da metade inferior do corpo. No entanto, tudo ao redor do raio havia sido destruído. O corpo não era capaz de suportar a presença do raio, então ele se instalou na área danificada do corpo.
Gravis rapidamente começou a nadar para cima, mas percebeu que o raio não o acompanhava. À medida que seu corpo subia, o raio queimava mais profundamente, destruindo ainda mais seu corpo. Gravis reagiu rápido e usou seu Espírito para manter o raio no lugar habitual.
As duas feridas já estavam deixando Gravis fraco. Esse corpo não possuía muita Energia da Vida restante. Felizmente…
BZZZ!
Bestas também carregavam um pouco de Energia inerente em seus corpos. Gravis usou essa pequena reserva para reparar os danos, mas o raio apenas abriu mais espaço para si mesmo, causando mais estragos.
Havia outro problema: uma sensação de fome e sufocamento o atacou. Gravis rapidamente inspecionou o corpo e encontrou o que procurava. Com força de vontade, ele fez suas brânquias se moverem, e a sensação de sufocamento desapareceu.
Depois de nadar por um tempo, Gravis finalmente emergiu das profundezas do oceano. A pressão ao redor do corpo diminuiu, e agora parecia administrável. Algumas bolhas saíram de suas brânquias, o mais próximo de um suspiro que ele conseguiria.
Gravis olhou para cima e tentou apertar os olhos. Infelizmente, seu novo corpo não tinha essa capacidade.
“Isso é engraçado para você, Céu?” Gravis pensou com irritação.
Por que ele achava isso?
Por causa do corpo em que agora estava preso. Ele era preto, com cerca de seis metros de comprimento. Sua pele estava coberta por uma camada viscosa, e ele não tinha braços nem pernas. Apenas uma única barbatana na parte traseira de seu longo corpo escorregadio.
Gravis tentou gemer de frustração, mas apenas bolhas saíram de sua boca.
Ele era… uma maldita enguia elétrica.