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Mushoku Tensei: Jobless Reincarnation – Volume 26 – Capítulo 10

Epílogo: Prólogo Zero

No ano 500 da Era do Dragão Blindado, vivia uma garota conhecida como a Criança Abençoada da Restauração. Não havia vida em seus olhos. Desde seu nascimento, seus olhos estavam vazios, preenchidos apenas com desespero. Os adultos ao seu entorno a achavam estranha e evitavam sua presença.

A garota sabia qual era o seu destino desde antes de nascer, mas dizer apenas “antes de nascer” é enganoso. Não era algo que ela soubesse antes de seu primeiro e verdadeiro nascimento, pois essa garota renasceu inúmeras vezes. Repetia a mesma vida constantemente. Em cada ciclo, havia diferenças mínimas. Pequenos desvios, mas o final era sempre o mesmo. Sua vida era inevitavelmente imutável, sem grandes revoluções, e terminava sempre do mesmo jeito.

Esse final era sua morte. Nenhum ser vivo pode escapar da morte, mas a dela era particularmente cruel. Após ser usada como ferramenta por seu país, era capturada e assassinada por uma nação inimiga. Tratada como um brinquedo disputado por crianças. Às vezes, era brutalmente violentada; outras, devorada viva por monstros ou amarrada e jogada na água.

  A garota morria em sofrimento e desespero. Para ela, a vida era um caminho que levaria de forma inevitável à execução. Todos os dias eram apenas passos em direção à guilhotina. Ela não tinha esperanças.

A garota possuía um poder, conseguia reverter o tempo de um objeto por, no máximo, um único dia. Com tal poder, restaurava coisas quebradas e até podia trazer pessoas de volta à vida por um dia.

Esse poder foi o suficiente para que fosse explorada pelo reino. O rei a mantinha sob domínio exclusivo. Sua habilidade era usada para curar ferimentos e doenças do rei, embora ela não pudesse impedir o envelhecimento, o que, para o rei, era irrelevante.

A garota conheceu três versões do rei. Apesar de seu nome e aparência não mudarem, pequenos traços de personalidade e comportamento variaram a cada ciclo. Toda vez que ela morria e um novo pesadelo começava, o rei que servia mudava um pouco. Outra pessoa, observando essas pequenas mudanças, poderia tê-lo elogiado por sua sabedoria ou condenado por sua insensatez. Contudo, isso não fazia diferença para ela. Para a garota, os reis eram indistinguíveis, todos parte do mesmo monstro.

O poder que a tornava uma Criança Abençoada não lhe trazia felicidade. Não poderia voltar no tempo para si mesma ou usar sua habilidade em benefício próprio. Seu dom apenas acorrentava-a ao palácio, sua prisão.

Então ela morreu. Era mantida como um animal em um canto do palácio, conhecendo pessoas levemente diferentes a cada ciclo até encontrar a morte novamente. Às vezes, seu poder era insuficiente, e ela enfrentava a ira do rei. Outras vezes, uma nação invadia o reino, e ela era feita prisioneira. Em outras ocasiões, o reino era tomado por demônios que massacravam a todos. Sua vida se extinguia em miséria. E então, ela retornava ao início. Começava novamente desde seu nascimento em um canto remoto e rural do reino. Após passar os primeiros anos sofrendo com o desprezo dos adultos, foi levada ao palácio, onde inevitavelmente morreria mais uma vez.

A garota tentou fugir de seu destino. Escondeu seu poder para permanecer com seus pais, mas não adiantou. Antes de completar cinco anos, os soldados do palácio vieram buscá-la. Tentou fugir do vilarejo, mas também foi inútil. Monstros, bandidos e sequestradores sempre a encontravam. Não importava quem a capturasse, seu destino era o mesmo. Para quem era vendida variava, mas, sem falhas, acabava no palácio. O destino a arrastava de volta, como uma armadilha de formiga-leão, esmagando sua esperança antes de assassiná-la. Era um inferno; um ciclo eterno e incessante que a destruía por completo. Ela deixou de sentir qualquer coisa. Obedecia às ordens do rei com o rosto tão vazio quanto uma máquina. Cem anos se passaram, depois duzentos. Ou seriam mil? Dois mil? Talvez dez ou vinte mil. Ela já não lembrava quantas vezes havia morrido ou por quanto tempo viveu. Sua memória era eternamente turva, incapaz de recordar sequer um momento de alegria.

O momento de seu assassinato sempre permanecia nitidamente claro.

Talvez fosse por instinto. Um impulso animal puro dentro dela, agarrado à vida, registrando o momento de sua morte como algo a ser evitado. Porém, o resultado era que toda a sua vida era apagada por suas próprias mortes. Ela já não se recordava de mais nada. Apenas uma corrente de memórias de morte.

Imersa em um fluxo interminável de mortes, a garota fez um desejo. Desejou com todo o seu ser:

Eu não aguento mais… Alguém, por favor, me salve…

Naquele instante, as leis do mundo mudaram.

As coisas mudaram em sua próxima vida.

Ela nasceu novamente em um vilarejo remoto cujo nome não conseguia lembrar e foi levada ao palácio. Obedeceu a todos os caprichos do rei, usando seu poder dia após dia. Nada disso era novidade, mas algo diferente aconteceu quando completou dez anos. Algo que nunca antes havia ocorrido. Em seu aniversário de dez anos  e como se fossem celebrar a ocasião, a garota foi levada a um lugar diferente. Foi conduzida para um espaço subterrâneo do palácio, onde havia um enorme círculo mágico. A garota nunca soube da existência daquele círculo, pois nunca lhe fora permitido andar livremente pelo palácio.

Vários adultos estavam reunidos ao redor do círculo mágico. Usavam vestes negras, seguravam cajados e tinham seus rostos ocultos por capuzes. Pelo conhecimento que adquiriu durante seu inferno eterno, a garota reconheceu aquelas pessoas como magos. No entanto,não sabia o que aconteceria a seguir.

Ela foi amarrada ao círculo mágico. Seus olhos continuavam vazios, como sempre. Algo novo estava acontecendo, mas isso não despertou qualquer emoção nela. No fim, sabia que morreria de qualquer forma. Não importava o que acontecesse ao longo do caminho, o destino final não mudaria.

A cerimônia começou. O círculo mágico começou a sugar implacavelmente a mana de seu corpo. As Crianças Abençoadas possuíam uma quantidade inconcebível de mana. Diferente da mana usada em magias e esgrima, era um tipo que, em teoria, não poderia ser usado em círculos mágicos como aquele. Seria então por acaso que o círculo estava extraindo sua mana? Não. Aquele círculo mágico fora criado com um propósito. Foi projetado para ser ativado utilizando a mana da Criança Abençoada da Restauração. Quem o havia criado? Embora estivesse fora do campo de visão da garota, a arquiteta estava presente no ritual e observava o círculo mágico com uma expressão apenas um pouco menos entediada do que a da própria garota.

A cerimônia foi um sucesso. O círculo brilhou intensamente, emanando luzes em um prisma de sete cores — a luz de um ritual de invocação.

Quando o brilho diminuiu, um garoto estava no centro do círculo.

— Funcionou.

— Conseguimos!

— O reino está salvo!

Enquanto os magos comemoravam, o garoto olhava ao redor, confuso. Seus olhos se fixaram na garota, que permanecia sentada no chão com o olhar vazio.

— Hum… você pode me dizer onde estou? Eu estava com a Nana e o Kuro… Hã?

O idioma do garoto era estranho e incompreensível para todos os presentes, mas a garota conseguia entendê-lo. Talvez fosse porque a energia usada na invocação era sua, ou porque ela estava de alguma forma conectada a ele.

— Ah, meu nome é Shinohara Akito. E o seu?

— Eu sou a Criança Abençoada da Restauração.

— Criança…? Hum, quero dizer o seu nome.

A garota percebeu algo. Em todas as incontáveis vidas que viveu, em todos os ciclos de sofrimento, ninguém jamais perguntou seu nome.

Crianças Abençoadas não tinham nome. Era a regra. Seus nomes eram tirados delas quando eram levadas ao palácio e, a partir daquele momento, eram referidas apenas como “Criança Abençoada” e ela não era exceção.

No entanto, embora as Crianças Abençoadas geralmente tivessem seus nomes retirados antes mesmo de aprendê-los, a garota lembrava-se do seu. Ela o memorizou justamente por ter morrido tantas vezes.

Era o nome que seu pai e mãe lhe deram.

— Lyria — disse ela.

— Lyria? É um nome bonito. — O garoto sorriu e o coração da garota sentiu algo pela primeira vez.

A garota sentiu que algo havia mudado. O rei a libertou de suas obrigações como Criança Abençoada. Em vez disso, foi designada como intérprete do garoto. Depois que uma cavaleira-maga se juntou a eles como guarda-costas, os três passaram a vagar livremente pelo palácio.

— Lyria, o que é aquilo? — O garoto de outro mundo perguntava sobre tudo: o mundo, a vida ali, as pessoas. Apesar de ter vivido incontáveis vezes, a garota não sabia nada.

— Ele perguntou… o que é aquilo? — disse Lyria à cavaleira.

— Aquilo? É um implemento mágico. Quando você coloca magia nele, sai fogo da ponta. Acho que estão indo para a floresta expulsar monstros.

A garota, sem saber responder a nada, perguntava à cavaleira, que respondia pacientemente. A cavaleira-maga, conhecida como um gênio, parecia meio adormecida, mas ainda assim respondia. Diferente de Lyria, ela conhecia tudo.

— Ah, então é como um lança-chamas… — disse o garoto. — Pensando bem, tem muitos monstros-árvore nesse mundo, né? Você já viu um, Lyria?

— Vários — respondeu ela devagar. — Eles… fazem “swoosh”.

— “Swoosh”? — O garoto riu. — Não consigo imaginar. Não, espera! Acho que já vi algo parecido em filmes.

— Filmes…?

— Sim, um filme é…

Sua nova vida como intérprete era completamente diferente da anterior. Tudo parecia novo. Cada vez que o garoto aprendia algo sobre o mundo, sorria com facilidade e, todas as vezes, o coração da garota se alegrava.

A princípio, ela achou que nada mudaria. Achou que tudo já havia terminado para ela. Porém, começou a sonhar com as histórias que o garoto contava sobre seu próprio mundo. Quando a cavaleira respondia às perguntas dele, Lyria sentia que seu mundo estava se expandindo. Descobriu que aquele mundo era vasto e cheio de pessoas que nunca imaginara.

Algum tempo depois de o garoto chegar, percebeu que sua comida tinha sabor. Ouviu os pássaros cantando pela manhã e sentiu o calor do sol pela primeira vez.

Ela se sentiu viva. Acreditava que seu inferno havia terminado. O garoto tinha vindo para salvá-la e a tiraria daquele ciclo infernal. Sentiu que havia nascido apenas para conhecê-lo. Agora, sua vida de verdade começaria.

Isso é o destino, pensou ela. O garoto era tão forte e gentil, e a apoiava tanto, que parecia verdade.

Mas o destino a traiu.

A guerra tomou conta do reino. Lyria sabia que, toda vez que essa guerra chegava, era arrastada para ela e morria. Sabia disso melhor do que qualquer um, mas havia coisas que ela não sabia: que o garoto fora invocado para vencer a guerra. Que o profeta do reino aconselhou que trouxessem um campeão de outro mundo para lutar por eles. E que, depois de dez anos tentando invocar o garoto, o reino não tinha mais volta.

Lyria não sabia de nada. E o garoto lutou. Todavia, ele não sabia lutar. Mesmo sabendo disso, o povo do reino o enviou para o campo de batalha. Vestiram-no com uma armadura, colocaram uma espada em sua mão e o colocaram na linha de frente. Era para isso que ele havia sido invocado.

E o garoto morreu. Foi abatido sem misericórdia no campo de batalha. Enquanto suas pernas tremiam, um general inimigo decapitou-o com um único golpe. O general levou sua cabeça. Tudo o que restou ao povo do reino foi o corpo do garoto. Ao verem o corpo sem vida, as pessoas apenas suspiraram, murmurando em desgosto que, no final, seu campeão de outro mundo foi inútil. Que confiar nas palavras do profeta tinha sido um erro.

A garota abraçou o corpo do garoto e tentou desesperadamente restaurá-lo, mas foi inútil. Já fazia mais de um dia desde sua morte e o corpo já tinha começado a apodrecer. Seu poder não tinha utilidade ali.

Ela chorou. Gritou. Por quê? Por que sempre ela? Por que o destino era tão cruel com ela? Chorou, mas não apenas por tristeza. Sentia que o destino estava zombando dela, rindo de seus esforços inúteis, já que, não importa o que fizesse, estava condenada. Ela foi consumida pela impotência.

Então, o reino caiu. Lyria foi capturada e, como em todas as vezes anteriores, morreu no mais profundo desespero.

Contudo, ao contrário das vezes anteriores, ela fez um desejo. Pela primeira vez desde seu nascimento, Lyria desejou com todo o coração: Eu quero viver!

Não era que não quisesse morrer ou que precisasse ser salva.

Eu quero viver com ele…!

O tempo que passou com o garoto não foi longo. Mesmo assim, ele roubou seu coração e apagou todas as memórias de morte que ela guardava.

O garoto era esperança. Foi a primeira esperança que Lyria conhecera. Essa esperança a manteve firme, de cabeça erguida. Pela primeira vez desde que nasceu, voltou seus olhos para o próprio poder. No momento de sua morte, ela mordeu o lábio até sangrar e usou sua habilidade.

Sua habilidade podia voltar no tempo por um dia. Pelo menos, era isso que todos acreditavam. Naquele momento, Lyria forçou tanto seu poder que achou que sua mente explodiria. Ela usou seu poder para alterar o passado.

O mundo girou, com a garota no centro.

O poder da garota se estendeu de volta até o ano 400 da Era do Dragão Blindado, na cidadela de Roa, em Fittoa, onde o garoto que ela amava perdeu a vida.

Uma fenda no espaço-tempo se abriu nos céus acima da cidade. Nas profundezas da fenda estava um ser com uma conexão com o garoto. Esse ser possuía uma semelhança incrível com a alma da garota que desejava viver ao lado dele. Assim, para criar um futuro onde o garoto fosse poupado, ela alterou o mundo e abriu um caminho para que ele vivesse. Como resultado, no ano 500 da Era do Dragão Blindado, o garoto foi salvo… ou deveria ter sido. Mesmo com seu grande poder, era impossível fazer alguém que não deveria ter um futuro existir no passado. Não era como impedir que alguém se machucasse ou contraísse uma doença. Embora a fenda no espaço-tempo permanecesse, o ser dentro dela não desceu ao mundo. O poder da garota entrou em um impasse amargo com o poder do próprio mundo.

O tempo continuou: 400, 401, 402, 403. E, então, uma alma perdida escapou pela fenda. Essa alma não tinha ligação com o garoto. Quando o garoto foi transportado, antes que o poder da garota fosse usado para invocá-lo, essa alma simplesmente estava próxima, mas era uma alma, e por ser uma alma, conseguiu se infiltrar pela fenda sem ser vista, mesmo enquanto o mundo tentava bloqueá-la. A alma vagou sem rumo até encontrar um bebê à beira da morte e se fundir a ele. Essa alma pertencia a alguém que seria chamado de Rudeus Greyrat.

A existência de Rudeus Greyrat deixou a menor das alterações no mundo. Mudou a mentalidade de Roxy Migurdia, desviou a vida de Sylphiette e transmitiu conhecimento a Eris Boreas Greyrat. Essas ações enfraqueceram a capacidade do mundo de resistir, e a fenda se expandiu para fora.

No ano 417 da Era do Dragão Blindado, Nanahoshi Shizuka foi invocada.

A existência de Rudeus Greyrat alterou o mundo mais do que a garota esperava. Era para ser uma mudança suficiente apenas para salvar o garoto, mas não parou por aí. A história se ramificou em uma direção desconhecida. O mundo mudou. É impossível saber se essas mudanças foram aquelas que a garota desejava, já que ela ainda não nasceu. Alguns anos após a morte de Rudeus, ela nascerá. Em troca dos ciclos, ela será concebida como um casulo vazio de uma Criança Abençoada, perdendo quase toda a sua energia, restando apenas o menor vestígio de seus poderes. Para conceder seu desejo, ela nascerá em um último mundo. Se sobreviver até o fim, será uma história para outro momento.

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