Já estava de noite quando Hector chegou no hospital. Ele tentou dar uma arejada em suas roupas recém ensopadas de suor conforme entrava no prédio.
A filha de Mallory deveria estar no programa de proteção a testemunha pelo restante da noite e Garovel inicialmente queria que Hector descansasse um pouco. Mas, então, o ceifador ouviu alguns oficiais conversando em particular. Cada um dos quatro guardas designados para ela esperavam que os homens de Rofal viesse atrás dela até o fim da noite e apenas o Oficial Colt parecia cogitar ficar no caminho deles. E não foi preciso de muito para os três convencerem ele a desistir
Não precisando de mais instruções, Hector esperou até o homem na mesa de recepção se distrair e entrou furtivamente. Ele manteve sua bolsa colada no corpo e tentou não fazer contato visual com nenhum dos enfermeiros que passavam por ele.
Mallory foi levado para a ala dos fundos do hospital para passar por uma cirurgia e de acordo com Garovel, sua filha estava na sala de espera. Hector bisbilhotou pela esquina do corredor e viu os quatro oficiais parados no outro lado do corredor.
Consigo ver o quarto — . Ele pensou, se sentando num canto fora da vista dos oficiais.
Bom. Eu estou com a filha.
Descobriu algo novo?
Seu nome é Melissa. Um pouco baixa, parece uns anos mais velha que você, cabelo castanho, amarrado num rabo de cavalo, camisa verde com um cão fofo nela, calças azuis, sapatos brancos…
Quanta – uh – isso é muita informação…
Você pode precisar saber como ela se parece.
Uh… tá bom. Obrigado. Eu quis dizer mais, um… sobre a mãe ou sobre o Rofal, talvez…
A mãe morreu.
Oh…
A enfermeira perguntou para Melissa sobre isso. Ela disse que a mãe morreu a nove anos atrás. Ela não mencionou outro membro da família.
Geez… e agora isso…
Sim. Espera. Aqui vem o doutor. A cirurgia já acabou?
Hector segurou seu fôlego.
… eles não conseguiram fazer a transfusão de sangue a tempo. Ele está morto.
Ele exalou e fechou seus olhos.
Melissa está acabada.
Hector correu sua mão por seu rosto.
Você estava certo.
Eu queria não estar.
Eles esperaram. Hector se mexia desconfortavelmente em seu assento. A tensão era sufocante. Ele bisbilhotava pela esquina do corredor de vez em quando, se perguntando do que os oficiais estavam falando. Então, ele viu um deles andando em sua direção.
O homem estava murmurando baixinho enquanto virava o corredor. — idiotas… — Ele olhou Hector nos olhos, que imediatamente tentou desviar o olhar, mas não conseguiu. — Ei, menino. O que você está fazendo aqui?
— Uh – — Quando ele encontrou os olhos do homem novamente, ele ficou surpreso de ver um olhar azul calmo, relaxado ou talvez só confiante. Estava escrito “COLT” no crachá em seu uniforme. — Eu só… estou esperando uma pessoa… por que?
— Talvez você devesse dar uma passeada. Respirar um ar puro ou algo do tipo. Vai te fazer bem.
Hector abaixou seu rosto um pouco.
— Obrigado, mas eu estou bem…
Colt se inclinou.
— Não posso te mandar ir embora. Eu não tenho esse tipo de autoridade e, francamente, sou do tipo de homem que respeita o direito de ir e vir de outro homem. Mas, garoto. A merda vai ficar tensa aqui. E confie em mim quando eu digo que você gostaria de estar em outro lugar.
Hector só afundou na cadeira, abraçando sua mochila e olhando para o chão.
— Merda, garoto. Foi um aviso, não uma ameaça. — Depois de um momento, Colt só deu de ombros e se afastou. — Tá bom. Faça o que quiser.
Ele assistiu Colt ir embora, assistiu ele falar com um par de enfermeiras e um doutor, assistiu todos correrem pouco depois dele sair.
Hector não teve que esperar muito depois disso. Ele notou os homens assim que entraram o corredor. Ele contou quatro, andando juntos, todos usando óculos de sol a noite e chapéus escuros dentro de um hospital. Ele vestiu sua máscara e se levantou.
Eles estão aqui. — Hector disse.
Também estou. — Garovel emergiu da parede e pegou no ombro de Hector. Ele estava começando a se acostumar a dor. Espere até nós termos cem por cento de certeza que são eles. — Garovel disse. Seria estranho se você atacasse um grupo de dança ou algo do tipo.
Hector olhou para ele.
Ei, é possível. Talvez um de seus membros quebrou a perna durante um treino eles vieram visitar ele no hospital. Você nunca sabe.
Hector esperou até eles se aproximarem do grupo de oficiais. Quando estes abriram caminho, era confirmação boa o bastante para Hector. Ele foi em direção deles pelo corredor. Eles se viraram com o som de passos, mas era tarde demais para o assassino mais a esquerda. Hector se jogou nele. O corpo do homem atravessou a parede fina, jogando estilhaços no quarto de Melissa. Ela gritou muito.
— Mas que porra?! — Os assassinos pegaram suas armas, o que fez os policiais pegarem suas armas também, mas Hector já tinha pego o segundo assassino pelo braço. Ele o jogou no terceiro como uma boneca de pano e ambos ficaram no chão. Hector se virou para o quarto, levou um tiro no peito e socou o homem tão forte que ele sentiu a mandíbula quebrar.
— Puta merda. Quem é… — Um tiro cortou suas palavras.
Ele se virou a tempo de ver Colt atirar nos outros dois oficiais, o terceiro da esquerda estava no chão. Todos na nuca, antes mesmo deles saberem o que havia ocorrido.
Colt olhou para ele.
— Ei, você é aquela criança, não é? Qual é a dessa máscara?
Hector estava nele num piscar de olhos. Ele jogou a arma para longe e o enfiou na parede.
— O que você está fazendo?! Por que matou eles?!
— O que eu posso dizer? Meu chefe é um homem de família. — Colt estremeceu sob as mãos de Hector. — Você sabe, você realmente devia ter me ouvido…
Hector sentiu a lâmina entrar debaixo de seu queixo. Tudo cintilou por um instante e escureceu.
Era um sentimento familiar. Vazio. Uma noção vaga de estar no vácuo. Sem vida, sem respiração, sem luz, nada para sentir ou estar ciente.
E, então, ele voltou. Se sentou, descobriu que estava no chão. Ele balançou sua cabeça, piscando.
— O que aconteceu…?
Sinto muito, Hector… não consegui te reviver rápido o bastante…
— O-o que? Eu não…
Colt te esfaqueou. A faca perfurou seu cérebro. Você ainda precisa do cérebro. Eu tive que te ressuscitar.
Ele se levantou. Sua máscara caiu, mas essa não era sua primeira preocupação.
— Para onde ele foi?
Não sei. Não pude seguir ele e te ressuscitar ao mesmo tempo.
— Merda… — Então ele se lembrou um horror repentino. O que Garovel havia dito. — Ah não… ! — Ele entrou às pressas no quarto de Melissa.
Ela estava no chão, com um tiro na cabeça.
Hector se afastou em choque do quarto. Seus olhos arregalados, olhando para tudo ao seu redor, mas a imagem dela estava presa em sua mente. Ele cambaleou. Só respirar era difícil, como se o próprio estivesse sufocando ele. Hector cerrou seus olhos e dentes.
Eu sinto muito, Hector.
— Por… ra! — Ele cerrou seus punhos tão forte que eles sangraram. — Eu deveria ter salvo ela! Eu devia ter salvo pelo menos ela! Eu não posso… eu não! Co-como – ?! Tenho força! Não fico cansado! Nem posso ser morto! E… ! E você está me dizendo que isso ainda não é o bastante?! O-o que mais eu faço… ?! Eu só… ! Eu não… ! Entendo… !
Nós não temos uma coisa mais importante do que tudo isso.
— O quê?!
Informação. — Garovel disse. Se nós soubéssemos que Colt trabalhava para Rofal, nós teríamos lidado com a situação de um jeito diferente. Era um ato. Ele estava testando o sentimento de dever dos outros oficiais quando ele tocou no assunto de proteger Melissa. Eu falhei em ver isso…
O rosto de Hector se quebrou. Ele começou a soluçar.
Eu sinto muito…
— Pa…para. — Ele chorou. — Não é… não é sua culpa.
Mas é. Você depende de mim para conseguir informação. Por favor não se culpe, Hector. Por favor.
Isso só fez ele chorar mais.
O local ficou quieto por muito tempo. Ninguém foi lá checar. Todos que não tinham fugido, fugiram quando ouviram os tiros. Garovel não falou nada, só deixou ele chorar. Suas mãos ensanguentadas estavam quentes, pulsando e ele pensou que conseguia sentir algo granuloso nelas, como sujeira, mas com sua visão borrada, ele não conseguia dizer o que era.
Entretanto, quando as lágrimas finalmente pararam, outra coisa consumiu sua atenção, algo totalmente inesperado. Um segundo ceifador apareceu pela parede.
Ah. Alguém chegou aqui antes de mim. — O outro ceifador disse. Ele era diferente de Garovel. Ele falava mais devagar, mais deliberadamente e de algum modo, suas palavras sem som só pareciam diferente. Ele parecia como um esqueleto também, mas seus ossos eram mais delgados, seu rosto mais longo. Justo. Tantos mortos de uma vez levaria um bom tempo para eu cuidar sozinho.
Meu nome é Garovel. E o seu?
Bohwanox. Prazer em te conhecer. Quem é a criança? O assassino?
Não. Ele está comigo.
Isso explicaria o motivo dele estar me encarando. — Bohwanox pausou e olhou para os dois novamente. Ah. Tentou impedir, não tentou?
Por favor, agora não é a hora.
Quatro mortos? Certeza que você não piorou as coisas? Quantos teriam morrido se você só não tivesse interferido?
Pare de falar. — Garovel disse. Você leva dois e eu levo dois.
Bohwanox flutuou sobre os três oficiais mortos. E quanto ao necrotério? Normalmente, é o motivo que eu venho aqui.
Ah. Certo. — Garovel balançou sua cabeça. Eu não sei. Há pelo menos mais um lá.
Vamos lá primeiro então. Permita a chance desses aqui esfriarem pelo menos.
Ok.
Bohwanox olhou para os corpos de novo, talvez considerando dizer algo a mais, então flutuou para longe em silêncio.
Hector. — Garovel disse gentilmente. Eu preciso levar essas almas pelo vazio agora. Vai levar um tempo. Eu não vou voltar até amanhã. Você devia descansar.
Hector se levantou. Ele encarou Garovel vagamente, rosto molhado com sangue exceto onde as lágrimas desceram.
Venha. Vou te levar para casa primeiro. Você pode dormir o quanto quiser, meu amigo.