“Beba isto.” Abel estendeu uma poção de alma para Chama Voadora. Nem precisou ordenar; no instante em que tirou o frasco, ela abriu a boca. Ela já sabia o quão precioso aquele líquido era.
Assim que o conteúdo da poção entrou em sua boca, os olhos de Chama Voadora ficaram vazios. Suas escamas acinzentadas escureceram e, após trinta segundos, ele começou a despertar. O efeito da poção havia passado.
Abel tirou outro frasco para alimentá-la novamente. Não sabia quantos seriam necessários para causar uma mudança real, mas como tinha mais de trinta frascos no total, podia continuar alimentando-a até que alguma transformação acontecesse. Além disso, ainda podia conseguir mais poções de alma matando criaturas infernais no Pântano Negro.
Mais uma vez, Chama Voadora levou trinta segundos para absorver por completo a segunda poção da alma. A mudança ainda era sutil, suas escamas apenas escureceram um pouco mais. Nada além disso.
Ele bebeu a terceira, a quarta, a quinta… Quando Abel o alimentou com a décima poção, seu corpo começou a tremer. Ele se encolheu, cobrindo a cabeça com o próprio corpo, cauda e asas, enquanto uma pressão opressora começou a emanar dele.
Essa pressão era muito mais forte do que quando rugia nos céus. Até mesmo as criaturas invocadas de Abel, já acostumadas ao rugido de um dragão, se abaixaram diante daquela força que se espalhava.
Vento Negro também foi afetado. Como rei dos lobos de montaria, em vez de se abaixar, assumiu uma postura defensiva, com todos os pelos eriçados.
Abel foi o que menos reagiu. Embora não pudesse liberar a mesma pressão de um dragão, sua alma estava tecnicamente fundida com a de um dragão gigante. Por isso, manteve-se perfeitamente calmo, observando atentamente as mudanças no corpo de Chama Voadora.
Foram necessárias dez poções de alma para provocar qualquer mudança significativa em uma pseudo-dragão. Até mesmo Nuvem Branca precisou de apenas cinco frascos para subir de nível, o que mostrava o quão poderosos os dragões eram. Mesmo sem nunca terem consumido nenhuma poção antes, precisavam de muito mais recursos que a maioria das criaturas.
No momento, o corpo inteiro de Chama Voadora tremia violentamente. Parecia estar sofrendo muito, então Abel tentou se comunicar com ele através da corrente da alma. Quando fez isso, começou a sentir a mesma dor que o dragão estava sentindo.
A dor não vinha do corpo de Abel, mas era ainda pior ao ser transmitida pela corrente da alma. Claro, ele poderia cortar a conexão se quisesse, mas não o fez. Se Chama Voadora precisava passar por aquilo, ele, como mestre, queria assumir a responsabilidade e dividir aquela dor.
Abel tentou resistir e confortar Chama Voadora com palavras. Mesmo que isso não aliviasse a dor, o dragão parou de tremer com o tempo. Antes, estava mergulhado na solidão; agora, ao ouvir a voz de Abel, começou a relaxar.
Por mais abençoados que os dragões fossem, o mundo exigia equilíbrio. Em troca da força e das habilidades poderosas que possuíam, precisavam “sacrificar” não apenas a fertilidade, mas também a capacidade de evoluir. Ao tentar ultrapassar os próprios limites, enfrentavam riscos maiores.
Chama Voadora ainda era jovem. Por mais potente que fosse a poção de alma, ela não fortalecia o psicológico. Quando sentia dor, tornava-se indefeso, ainda mais por ter crescido sem família. Se Abel não estivesse ali para confortá-lo, ele poderia ter perdido a vontade de viver.
Depois que Abel cuidou da parte emocional, a poção de alma fez seu trabalho com os demais fatores e isso mostrava o quão poderosa ela era.
Por definição, a poção de alma fortalecia seus consumidores ao interagir diretamente com suas almas. Como as almas eram uma das partes mais misteriosas de um ser vivo, quase não havia pesquisas sobre o assunto. Era um campo difícil até mesmo para os magos, já que qualquer alteração sutil podia causar consequências imprevisíveis.
Mesmo que um mago conseguisse criar algo poderoso como a poção de alma, o número de almas necessárias tornava isso inviável. Além disso, os seres vivos no Continente Sagrado não eram fortes o suficiente. O Cubo Horádrico só absorvia almas no mundo sombrio. Para produzir uma solução concentrada com centenas de almas, seria necessário reunir muitas almas poderosas e vigorosas.
E foi justamente por isso que Chama Voadora sofreu tanto após ingerir dez poções. Na verdade, já havia se passado uma hora inteira desde que a dor começou.
Abel começava a se recuperar. A dor ainda estava lá, mas a sensação agora era mais entorpecida do que antes. Ainda assim, foi uma experiência inesquecível. Se os danos tivessem sido reais, ele já estaria em pedaços. Agora que superara essa “simulação mental” da dor de um dragão, se tornara mais resistente a ela.
Embora, naquele momento, ele não sentisse isso nem um pouco. Quando tentou acariciar o corpo de Chama Voadora, o dragão soltou um rugido terrível. Uma dor aguda atravessou a corrente da alma, muitas vezes pior que antes. Felizmente, durou apenas alguns segundos.
Abel sentiu gosto de sangue. Havia mordido o interior da boca. Mas não teve tempo para se preocupar com isso, porque algo estranho aconteceu com Chama Voadora: de alguma forma, havia crescido um novo par de garras nele
Dragões bípedes recebiam esse nome justamente por terem apenas um par de garras, diferente dos dragões gigantes. O novo par que Chama Voadora desenvolveu não era como o de um dragão gigante não tão forte nem tão espesso, mas mesmo assim, agora estava quase se tornando um verdadeiro dragão de quatro garras.
Embora a dor tivesse acabado, o processo de fortalecimento ainda não havia terminado. Abel podia sentir a mesma sensação revigorante que Chama Voadora estava experimentando. Suas escamas começaram a cair, sendo substituídas por novas escamas mais escuras.
Depois de alguns minutos, o corpo inteiro de Chama Voadora estava coberto por escamas negras como a noite. Elas também eram mais duras que as anteriores, que tinham um toque mais suave e firme.
E aquelas garras, Abel podia vê-las se tornando mais longas e afiadas a cada segundo. Antes brancas, agora estavam tingidas de vermelho-sangue. Era uma visão ao mesmo tempo ameaçadora e magnífica.
Em vez da sensação de desespero de antes, Chama Voadora agora transbordava alegria pelo crescimento que acabou de alcançar. Abel compartilhou daquela alegria, observando enquanto o dragão tentava se levantar com seu novo corpo, ainda com dificuldade para manter o equilíbrio por causa das garras recém-formadas nas pontas das asas.
Com o tempo, Chama Voadora começou a ganhar mais controle sobre as garras dianteiras. Sentia-se mais confiante, pois todos os dragões sabiam o quão significativo era possuir quatro garras. E também estava grato a Abel. Se não fosse por ele, jamais teria alcançado esse tipo de progresso.