Tito estava agachado com seu conselheiro no centro da câmara apertada, com seu machado apoiado em sua cabeça no chão. Donnelan tinha medo daquele machado. Tinha até invadido seus sonhos. A aura espessa e sedenta de sangue, que parecia rolar em ondas, era sufocante e sempre presente. Ele surgiu de repente durante a defesa da onda, os aprendizes sentiram uma estranha agitação da mana no ar antes que a aura explodisse, fazendo-os sentir como se um demônio tivesse a garganta deles entre os dentes.
E era assim que eles se sentiam a cada momento, de cada dia, desde então.
A única bênção era que as bestas o odiavam tanto quanto os aprendizes. Desde que o machado despertou, elas pararam de atacar o forte. Escolhendo lutar umas contra as outras, mantendo distância da Legião. Os soldados ficaram aliviados porque, mesmo sentindo o espectro da morte constantemente, não precisavam mais lutar.
A maré interminável de monstros que se chocava contra suas defesas havia tirado algumas vidas durante as duas semanas de defesa. Para aqueles jovens Legionários experimentando sua primeira onda, foi uma visão que eles nunca esqueceriam. Milhares de monstros avançando como marés. Um mar sem fim de violência e morte. Mirar não era importante, era impossível errar, não importava qual habilidade fosse usada. Eles lutaram por horas sem pausa, até que seus braços ficaram pesados como chumbo, com sua visão turva e suas cabeças em chamas. Então eles tropeçavam em seus cobertores, onde dormiam como se estivessem mortos, antes de acordar para fazer isso de novo.
Tinha sido um inferno.
E o machado… Donnelan tinha visto os olhares nos rostos dos oficiais quando aconteceu sua ativação. Os monstros imediatamente fugiram das muralhas quando o sentiram, com o Comandante ficando chocado, além de preocupado. O Comandante correu para sua tenda onde deixou o machado e saiu com a coisa pendurada nos ombros e os olhos apertados de desconfiança.
Sendo um mago em treinamento, Donnelan conseguiu decifrar exatamente porque ele estava tão ansioso. Essa mudança na mana, era como se estivesse sendo sugada por um sumidouro. O machado havia bebido a mana como água, fazendo-o ‘despertar’. Deixando de lado a ideia de uma arma adormecida, algo que Donnelan nunca tinha ouvido falar, muito menos achava possível, a razão pela qual era tão estranho era que não deveria ter acontecido agora. Não ali em cima. Apenas alguns quilômetros abaixo da superfície, a mana nunca deveria ser tão espessa. Nem mesmo perto disso. Tinha ficado tão densa que o machado despertou ou se ativou, algo que nenhum dos oficiais, certamente não o Comandante, esperava que acontecesse.
Isso deixou Donnelan com mais uma preocupação. Por que a mana estava tão densa? Por que os índices ainda estavam subindo?! Ele podia sentir ‘aquilo’ chegando agora. A doença de saturação. A exposição prolongada à mana não era natural para a espécie humana. Os níveis difusos de energia na superfície eram normais para seus corpos, eles se adaptaram a isso ao longo de milhares de anos. Os níveis que ele estava experimentando agora eram muito altos, ele estava ficando doente. Todos os aprendizes estavam ficando doentes.
Se não obtivessem um alívio logo, sofreriam envenenamento por mana. Se eles não fossem tratados, então, eles morreriam.
Eles sabiam disso, todos sabiam disso. Então, por que eles estavam indo mais fundo?!
Enquanto Donnelan afastava suas preocupações, Tito estava falando com um de seus rastreadores especializados. “Você tem certeza disso, Lisestus?” Ele perguntou.
O Legionário assentiu. “Isso é o que meu Sensor da Masmorra está me dizendo Comandante. Muitas formigas morreram aqui na câmara, com um monte de outras coisas. Nenhuma formiga morreu aqui na última semana. Ou elas estavam todas mortas a essa altura, ou foram para outro lugar.”
“E a Rainha delas? Você deve ser capaz de dizer se um monstro desse tamanho foi morto, certo?”
O rosto de Lisestus se contorceu um pouco enquanto ele se concentrava, empregando as habilidades de sua classe secreta. “Eu não posso afirmar isso ao Comandante, ela pode ter morrido aqui com a colônia ou não. Muitos monstros morreram nesse meio tempo, eu simplesmente não consegui identificá-la.”
“Não se preocupe, obrigado por tentar.” Tito deu um tapinha no ombro dele e o mandou descansar. Rastreadores da Masmorra eram uma tremenda utilidade para a Legião, capazes de detectar as energias residuais de monstros depois que eles morriam. No entanto, implantar essas habilidades únicas esgotavam a energia mental em um ritmo rápido. Lisestus precisaria de um breve descanso depois de chegar a este ponto.
Tito olhou ao redor da câmara. Este tinha sido o lugar onde a colônia de formigas viveu, presumivelmente depois que a Rainha fugiu dos níveis mais baixos, perseguindo os filhotes que haviam sido roubados ou fugindo do perigo assim que seu primeiro ninho foi descoberto.
Ele conseguiu localizar o ninho, mas a colônia foi morta pela onda, ou escapou. Se eles conseguiram fugir, então Tito não tinha a menor ideia de onde eles poderiam estar. O assunto estava fora de suas mãos agora.
Enquanto ele ponderava sobre o próximo movimento da Legião, ele esticou preguiçosamente seus velhos ossos. Com o machado despertando, ele não precisava golpear continuamente os pequenos monstros. A arma estava constantemente anunciando sua fome, desafiando-os a vir. Apenas as bestas mais fortes seriam capazes de avançar contra essa aura.
Tito congelou e inclinou a orelha. Alguma coisa estava vindo. Ele levantou a mão para chamar a atenção de suas tropas na câmara com ele e avisou-os: “Se preparem!”.
Conforme os Legionários olhavam para seu Comandante com curiosidade, eles começaram a sentir aquilo também. Como se o próprio ar tivesse engrossado, a pressão sobre eles crescendo até apertar suas entranhas.
Eles ouviram então, vindo dos túneis abaixo. Um rosnado baixo que sacudiu a terra ao redor deles como um terremoto e deixou vários aprendizes de joelhos. Muitos soldados foram forçados a apoiar as mãos nas paredes para se equilibrar, enquanto suas pernas pareciam ter se transformado em mingau.
O rosnado trêmulo desapareceu apenas para ser seguido por um silvo crescente que soprou o ar através dos túneis como se fosse um vendaval. Na esteira daquela aterrorizante rajada de ar, a Masmorra ficou completamente quieta ao redor deles, todos os monstros pararam de lutar onde estavam.
A quietude era assustadora depois de duas semanas de barulho sem fim.
O rosto de Tito estava sombrio. Ele olhou para seu machado, aparentemente perdido em pensamentos. Para a maioria dos observadores ele parecia calmo, mas quando ela chegou na câmara e o olhou, Aurillia sabia que em seus olhos a sede de batalha estava queimando.
“Comandante!” Ela sussurrou, “Isso foi o que eu acho que era?”
Tito caminhou lentamente até sua arma e a pegou enquanto falava. “Garralosh. Aquele bastardo está chegando.”
Com os olhos arregalados de preocupação, Aurillia pressionou seu Comandante. “Quais são suas ordens, Comandante, vamos nos mover para interceptar?”
Tito balançou a cabeça. “Se encontrarmos o velho crocodilo na descida, então, felizmente, pegarei outro braço dele, mas não devemos nos desviar de nossa missão”, ele se virou para olhar sua Tribuna nos olhos, “sei que você se preocupa com a situação na superfície, mas por pior que as coisas estejam lá em cima, será dez vezes pior se não reforçarmos o combate abaixo. Você sabe disso Aurillia, temos que descer.”
Relutante, a oficial acena com a cabeça e sai da câmara para organizar as tropas.
Donnelan se livra da pressão que quase esmagou seus ossos e se aproxima de seu Comandante. Uma ação como essa normalmente seria impensável para um aprendiz, ele adorava ficar discreto, mas o pânico que crescia nele anulou seu julgamento.
“Comandante! Ainda estamos indo mais fundo na Masmorra?… Senhor?” Ele gaguejou, correndo para agarrar o braço de Tito.
O Comandante pareceu surpreso ao ser abordado dessa maneira, mas não irritado. “Donnelan não é? Nosso bom jovem aprendiz. Ainda temos um longo caminho a percorrer.”
“Mas e a doença de mana? E a onda? Ainda não parou! Os níveis de mana ainda estão subindo! Temos que chegar à superfície! Temos que ajudá-los, ou a cidade inteira será destruída, minha família, meus amigos! E nós, aprendizes? Se ficarmos aqui na Masmorra, todos morreremos! Você não está doente, posso dizer, posso ver! Mas e nós? Estamos todos adoecendo. A saturação é demais! Você não pode nos deixar morrer assim Comandante!” O aprendiz implorou.
Tito levantou uma de suas mãos grossas e apertou o ombro do jovem, tentando estabilizá-lo.
“Calma, garoto! Calma! Nós não vamos deixar vocês morrerem pela doença, ok? Você sabe que eu, os oficiais, todos os Legionários estão bem, mas temos que nos apressar. Não quero correr o risco de perdê-los para a saturação. Agora escute, temos alguns dias de viagem até chegarmos à escada de Periclasus. Isso nos fará descer direto por vinte quilômetros. De lá, será um pulo até a cidade.”
A cabeça de Donnelan gira. “Cidade?”
“Você vai entender quando ver. Fizemos o que pudemos pela superfície, conseguimos duas semanas para eles. Daqui em diante eles têm que administrar sua própria defesa. Se eles não conseguirem o grande crocodilo, então eles terão que fugir. Assim que chegarmos à cidade podemos providenciar para entrar em contato com sua família. Temos meios para isso.”
Donnelan assentiu, lentamente se acalmando.
Tito deu-lhe um tapinha nas costas. “Aguente um pouco mais aprendiz. Estamos quase chegando na segurança. Quem sabe? Você pode até ver este machado tirar um pedaço de um monstro antigo no caminho para baixo.”
Isso tá muito “vigilantes do abismo” pra mim kkkk medo