Ryan balançou a cabeça.
— A carta continha apenas duas frases simples. Parecia que um homem em sérios apuros estava procurando nossa ajuda.
— Ele não mencionou em que tipo de problema ele estava? — Lumian deu um suspiro de alívio.
Não havia como uma carta de Aurore ou de seus amigos por correspondência ser tão curta.
— Nada, — Ryan respondeu com um suspiro suave.
“Lumian não pôde deixar de zombar deles em seu coração. É só uma carta pedindo ajuda, e você está aqui? Você não tem medo que isso seja apenas uma brincadeira? Mesmo as pessoas da Inquisição não estão tão entusiasmadas quanto você. VocÊ não é muito bom, muito gentil e parece um missionário?”
Normalmente, ele teria expressado esses pensamentos em voz alta, mas precisava obter informações deles, então segurou a língua e se forçou a ser paciente.
Apesar de suas reservas, Lumian sabia que Ryan não lhe revelaria toda a situação. Eles devem ter outras considerações ou razões para vir a Cordu e procurar a pessoa que escreveu a carta vaga.
— Uh… — Lumian coçou o queixo e sugeriu hesitantemente: — Por que você não me mostra a carta? Talvez eu possa identificar o escritor pela caligrafia.
Valentine, com seus cabelos empoados, lançou a Lumian um olhar que dizia: — Você acha que somos idiotas?
Leah riu.
— Você sabe avaliar a caligrafia?
— Mais ou menos, — Lumian admitiu sinceramente.
Ele então acrescentou interiormente: “Ser capaz de avaliar a caligrafia de Aurore e a minha própria também é considerada uma forma de avaliação.”
— É inútil, — Ryan interrompeu, balançando a cabeça. — Cada palavra da carta veio de um livre bleu1, e a frase inteira era composta de pedaços cortados.
Lumian não pôde deixar de se perguntar por que o escritor estava sendo tão cauteloso. “Por que esconder sua identidade dessa forma quando pediam ajuda? Eles tinham medo de interceptação e retaliação ou havia algo errado com eles que não queriam que fosse exposto?” Lumian procurou analisar a mentalidade do escritor.
Lumian fez uma expressão de compreensão e disse: — Então você está conversando com as pessoas da aldeia para ver se mais alguém teve seu livre bleu danificado?
— Mas a pessoa que escreveu a carta poderia ter comprado um novo livre bleu sem que ninguém soubesse, ou até mesmo jogado fora depois de usá-lo.
— Essa é apenas uma das pistas que estamos seguindo, — explicou Ryan calmamente.
Lumian não se tratou como um estranho e perguntou: — Há alguma outra pista?
— Bem, se alguém está pedindo ajuda, então algo deve estar acontecendo, e sempre haverá alguns rastros deixados para trás, — Ryan respondeu depois de pensar um pouco.
— Isso faz sentido, — disse Lumian, parecendo preocupado com Ryan e os outros, como se pudesse sentir empatia pela situação deles.
Ele prometeu solenemente: — Meus repolhos, ficarei de olho por vocês. Espero encontrar algumas pistas.
— Obrigado, — Ryan respondeu educadamente.
Leah recuperou a compostura e perguntou a Lumian: — Como somos amigos, tenho uma pergunta para você.
— Vá em frente. — Lumian sorriu.
— Por que os aldeões da taverna riram quando você nos chamou de ‘repolho’? — Leah ficou bastante intrigada.
Embora fosse constrangedor, repolho era uma gíria local comum e não deveria ser motivo de riso.
Lumian explicou sinceramente: — Na gíria, ‘repolho’ significa querido ou amado. É usado principalmente entre amigos íntimos ou entre um mais velho e um mais novo. ‘Meu coelho’ e ‘meus pintinhos’ são semelhantes.
Ele enfatizou a palavra íntimo enquanto falava.
Depois, com uma expressão inocente, acrescentou: — Eu só queria que fôssemos amigos íntimos.
A expressão inocente de Lumian sugeria que ele não tinha ideia do que significava íntimo.
“Mais como se você quisesse ser nosso veterano…” Leah finalmente entendeu porque os aldeões estavam rindo.
Embora a explicação de Lumian possa não ter sido totalmente verdadeira, foi logicamente convincente.
Ryan concordou com a cabeça.
— Mais alguma coisa?
— Não, — Lumian respondeu, não querendo parecer muito ansioso e levantar suspeitas sobre ele e Aurore.
Sua irmã não poderia ser investigada!
Depois de observar Leah e os outros saírem ao som dos sinos, Lumian sentou-se na entrada do Antigo Bar e esperou que a mulher com o passado misterioso acordasse.
Depois de um tempo, o amigo de Lumian, Reimund Greg, aproximou-se dele.
— Lumian, você decidiu qual lenda investigar a seguir? — Reimund perguntou.
Nos últimos dois dias, Reimund foi ainda mais proativo que Lumian neste assunto. Afinal, não tinha sonhos estranhos ou outras formas de obter tesouros.
— Ainda não. — A coruja já havia batido à sua porta. Ele não podia arriscar investigar a lenda sem antes confirmar a situação.
— Vou pensar nisso depois da festa da Quaresma, — explicou Lumian, tentando parecer casual.
— Ok, isso faz sentido, — concordou Reimund. — Eu não preciso ser um Observador Verde por enquanto. Vou sair depois da Quaresma. Mesmo que haja poucos pastores nesse meio tempo, não causará muitos danos.
— Quer dizer que você não precisa sair da aldeia nos próximos dias? — Lumian perguntou a Reimund.
Reimund acenou com a cabeça em confirmação e Lumian sorriu.
— Que coincidência. Também não posso sair da aldeia nos próximos dias.
Reimund estava confuso. — Por que não? — ele perguntou.
Lumian baixou a voz e falou com uma expressão séria.
— Esta manhã, conheci a coruja da lenda do Bruxo. Ela dizia que se não fosse pela catedral e pelo olhar de Deus na aldeia, ela teria levado minha alma e a jogado no abismo…
Reimund ficou chocado e assustado, e todo o seu corpo tremeu.
— Isso é verdade? Eu disse para você não provocar uma criatura tão maligna…
Reimund de repente viu um sorriso aparecer no rosto de Lumian.
— … — Só então Reimund se lembrou da natureza de seu bom amigo.
— Você está pregando uma peça em mim, é mentira, não é? — ele perguntou, sentindo-se ao mesmo tempo irritado e ansioso.
Ele estava com raiva de si mesmo por ter caído no engano de Lumian mais uma vez. Sabia que tipo de pessoa Lumian era e já havia sido enganado por ele muitas vezes antes.
— Você acredita em uma coisa tão ridícula? — Lumian riu.
Silenciosamente, Lumian acrescentou para si mesmo que havia inventado a história para evitar que Reimund fosse direto à catedral para se arrepender quando não conseguisse suportar a pressão.
Reimund relaxou e deu um suspiro de alívio. — Ufa…
Lumian ofereceu alguns conselhos a Reimund.
— Embora eu tenha inventado essa história agora há pouco, é verdade que perseguir a verdade de uma lenda pode ser perigoso. Tente não deixar a vila ou a proteção da catedral, se puder.
Silenciosamente, Lumian acrescentou para si mesmo: “E essa é a verdade. Embora a maior parte da história tenha sido inventada, metade dela era verdade. Eu não teria lembrado você e compartilhado os conselhos de Aurore de uma maneira diferente se não precisasse de sua ajuda com muitas coisas no futuro. Se alguém vive ou morre não tem nada a ver comigo…”
Reimund recordou a sensação de medo e acenou com a cabeça em compreensão.
— Tudo bem!
Ele mudou de assunto e perguntou: — Em quem você vai votar para ser a Elfa da Primavera?
A Elfa da Primavera era o símbolo da primavera e o início de muitas celebrações durante a Quaresma. Na área de Dariège, toda a aldeia geralmente votava em uma linda garota solteira para desempenhar o papel.
— Ava, — Lumian respondeu com indiferença. — Ela sempre quis ser a Elfa da Primavera, né?
— Eu também a escolherei, — disse Reimund, secretamente aliviado.
Ontem, Ava deu a entender que queria que ele votasse nela, então ele sentiu a necessidade de ajudá-la a conseguir votos.
…
Do lado de fora de uma casa não muito longe do Antigo Bar.
Ryan, Leah e Valentine não tinham pressa em encontrar alguém para bater um papo.
Valentine levantou a mão para cobrir a boca e o nariz. — É realmente certo dizer tanto para aquele cara agora? — ele perguntou.
O ar ao redor deles estava repleto de um leve cheiro de fezes de aves.
Leah mexeu em um sino prateado acima de sua cabeça. — Não sei se há algum problema. Tudo o que posso confirmar é que os resultados da minha adivinhação me dizem que ele pode ajudar.—
Ryan explicou sua intenção. — Se não conseguirmos reverter a situação, vazar algumas informações e incutir medo nas pessoas relevantes poderá ser eficaz. A seguir, iremos observá-lo mais de perto e ver o que ele fará ou quem encontrará.
…
Depois que Reimund saiu, Lumian entrou no Antigo Bar e viu a mulher que lhe deu a carta de tarô em seu lugar habitual.
Ela usava uma blusa branca e uma calça larga de cor clara, e ao lado de sua mão havia um chapéu de palha redondo adornado com algumas flores amarelas.
“Ela realmente tem muitas roupas na mala. Troca de roupa todos os dias, ao contrário de Leah e dos outros que parecem tão maltrapilhos,” Lumian pensou consigo mesmo enquanto se aproximava e se sentava em frente a ela.
Durante esse processo, olhou casualmente para o café da manhã dela, que consistia em uma torta rechonchuda com molho ralo, alguns darioles, frutas da estação em cubos e uma bebida transparente de cor clara com algumas impurezas.
“Isso não é algo que o Antigo Bar possa oferecer…” Lumian apontou para a bebida sobre a mesa e perguntou à mulher, como se fossem amigos íntimos: — O que é isso? Não parece vinho.
— Chama-se ‘Óleo Sagrado de Vênus’, — respondeu a mulher casualmente. — É feito de água com açúcar e canela embebida em baunilha e misturada com papoula. Foi inventado por um bar em Trier.
A palavra “Vênus” veio do Imperador Roselle. Ele mencionou em uma história que ela era uma mulher comparável a uma Deusa da Beleza.
Lumian ficou intrigado. — Onde você conseguiu isso? Você mesmo que fez? — ele perguntou, suspeitando que a cidade mais próxima, Dariège, não poderia fornecer algo semelhante.
A mulher sorriu.
— Como viajante, é meu instinto profissional obter as coisas adequadas na hora certa.
Lumian foi honesto. — Entendo.
Ele então disse: — Acabei com o monstro anterior. Desta vez, encontrei dois ainda mais perigosos…
Ele passou a descrever o monstro com três faces e aquele com uma espingarda nas costas.
— Eu sinto que todos eles têm poderes que superam os humanos comuns. Eles não são algo com que eu possa lidar. Existe alguma maneira de lidar com eles?
A mulher deu uma mordida no dariole e revirou os olhos. Ela sorriu e disse: — Não tenho certeza sobre o monstro de três caras, mas você é mais do que capaz de lidar com aquele que está com a espingarda, contanto que use o que há de especial em você.
Lumian ficou surpreso e confuso. — Uma característica especial… O que há de tão especial em mim?
“Eu nem me conheço!”
A mulher sorriu para ele e disse: — Esse é o seu sonho. Como dono do sonho, você naturalmente tem um tratamento especial.
Nota:
[1] livro azul.