“Mão direita…” O corpo de Franca estremeceu repentinamente.
Como Bruxa, ela conhecia bem as complexidades dos espelhos e estava sintonizada com suas peculiaridades. E uma coisa ela tinha certeza: quando uma pessoa se olhava no espelho, seu reflexo seria invertido da esquerda para a direita.
A situação em questão era desconcertante. Depois que Erkin, que habitualmente preferia a mão direita, se aventurou no enigmático mundo dos espelhos e retornou, ele inexplicavelmente passou a usar a mão esquerda. Franca e Lumian, porém, não haviam vivenciado tal mudança.
“O que isso poderia significar?” Franca tremia de desconforto.
Só então, Christo reapareceu no andar inferior do armazém, gritando instruções para Erkin no andar superior. Ele exigiu que Erkin recuperasse seu precioso vinho branco. Aproveitando a oportunidade, Lumian se aproximou de Franca e sussurrou em seu ouvido:
— Você notou algo?
— Você também? — Franca respondeu, surpresa.
Foi um desafio detectar a anormalidade de Erkin e compreender as possibilidades subjacentes sem amplo conhecimento de misticismo e encontros com o mundo Beyonder.
Lumian continuou em tom abafado: — A julgar pela quantidade de sangue presente naquele espaço, acho difícil acreditar que uma pessoa normal pudesse ter sobrevivido. Desde o início, suspeitei que algo estava errado com Erkin e os outros membros da caravana.
— Além disso, você mencionou que o peculiar mundo espelhado contém o seu eu do passado: o reflexo de quem você foi um dia.
— Uma imagem espelhada é invertida da esquerda para a direita na realidade.
— Você acha que o Erkin no espelho substituiu o Erkin original?
Franca ficou em silêncio, ponderando as implicações.
— Temo considerar uma possibilidade tão horrível, mas as circunstâncias alinham-se cada vez mais com a sua teoria.
— Eu preciso ter certeza.
Enquanto conversavam, Erkin desceu do nível superior do armazém, segurando um saco cheio de especiarias diversas e duas garrafas de vinho branco. Ele seguiu em direção a um prédio próximo de dois andares, branco acinzentado.
A estrutura serviu de sala de jantar e cozinha para os subordinados do “Rato” Christo.
Superficialmente, Christo se apresentava como um comerciante. Ele era dono de várias empresas especializadas em comércio e fornecimento de instalações de armazenamento.
Franca se aproximou de Christo com uma expressão solene e perguntou: — Você tem certeza absoluta de que é realmente Erkin?
Christo deixou escapar surpreso: — Por que você está fazendo uma pergunta tão peculiar? Claro, é Erkin. Pelo Vapor, como eu poderia não reconhecer meu próprio irmão?
— Meus filhos também gostam muito dele. Eles não acham nada de estranho nele.
Franca ponderou por um momento antes de sorrir levemente.
— Não posso deixar de sentir que algo pode dar errado depois de me aventurar nesse reino bizarro.
— Eu os verifiquei. Eles estão bem, apenas um pouco enfraquecidos pelo sangramento. Droga, agora tenho que oferecer-lhes alguma compensação. Por que o Imperador Roselle teve que introduzir essas noções bizarras, e por que tantas pessoas ainda se lembram delas depois de quase dois séculos? — O coração de Christo doeu com a perspectiva de despesas adicionais.
Franca riu.
— Você ainda não é um Beyonder. Antes de assumir esse negócio de contrabando, você não previu que aqueles acima de você seguiriam certos costumes e pagariam a mais por assuntos específicos?
Christo ficou em silêncio, sem saber como responder.
Franca então disse: — Vou ajudá-la a confirmar se há algo errado com esses indivíduos.
Franca pegou sua caixa de maquiagem e o lenço de Erkin, preparando-se para realizar uma adivinhação na frente do “Rato” Christo.
— O paradeiro de Erkin. O paradeiro de Erkin…
Enquanto Franca cantava em Hermes, seus olhos escureceram e ela acariciou suavemente a superfície do espelho de maquiagem.
Lumian observou enquanto o espelho brilhava com ondas aquosas de luz.
Logo, uma cena se materializou em suas profundezas: Erkin, vestido com uma camisa azul, estava perto da cozinha, conversando com o chef.
— Eu sabia que tudo correria bem. — “Rato” Christo riu.
Ele então gesticulou em direção ao armazém.
— Tenho alguns assuntos para resolver. Você pode explorar a área por conta própria ou esperar por mim na sala de jantar.
Assim que o baixinho líder dos contrabandistas entrou no armazém, Lumian voltou-se para Franca.
— Parece que o verdadeiro Erkin pode estar morto.
Assim, os resultados da adivinhação indicaram a pessoa que originalmente pertencia ao mundo espelhado.
— Você ainda acha que algo está errado com Erkin e os outros? — Franca franziu a testa.
— E se não? — Lumian riu. — Deveríamos cobrir nossos olhos e ouvidos e fingir que não vimos, ouvimos ou descobrimos nada?
Franca ponderou por um momento antes de responder: — Talvez, por estar usando adivinhação no espelho, seja mais fácil identificar o indivíduo dentro do espelho. Vou tentar outro método.
Examinando a área do armazém, ela pegou uma pequena vara de madeira e segurou-a diante de si, pressionando de cima para baixo.
Depois de proferir uma declaração de adivinhação semelhante, a vara de madeira quebrou, apontando diretamente para o prédio branco-acinzentado de dois andares que abrigava a cozinha e a sala de jantar.
Erkin estava lá.
Franca ficou em silêncio por um momento antes de declarar: — Deixe-me ver se esse espelho pode ajudar em alguma coisa.
Ela se referiu ao espelho prateado de estilo clássico que servia como porta de entrada para o reino peculiar, na esperança de empregá-lo para banir todos os monstros que surgiram de dentro.
Lumian seguiu ansiosamente atrás de Franca quando eles entraram na sala de jantar.
Seus olhos foram imediatamente atraídos para uma mulher usando um vestido verde-acinzentado. Ela parecia ter quase trinta anos, segurando as mãos de um menino e uma menina. Lágrimas de alegria escorreram por seu rosto enquanto ela abraçava Erkin, que acabara de sair da cozinha.
— Você finalmente voltou!
— Pépé!
— Pépé, brinque comigo!
Em meio ao clamor de vozes excitadas, o rosto de Erkin irradiava pura felicidade. Suas sobrancelhas e olhos refletiam pura alegria.
— … — Franca pausou seus passos, observando silenciosamente a emocionante reunião de família por um longo tempo.
Eventualmente, ela soltou um suspiro e comentou: — Vamos esperar um pouco mais.
Lumian manteve o sorriso.
— Você está achando isso difícil de suportar?
Franca suspirou.
— O verdadeiro Erkin pode já estar morto. Afinal, este é o seu reflexo.
— Se eu expusesse sua verdadeira natureza agora, o matasse ou o forçasse a voltar para o espelho, não apenas sua esposa e seus filhos deixariam de demonstrar gratidão, mas também me desprezariam.
— Você tem razão. — Lumian riu. — De qualquer forma, se algo desagradável acontecer no futuro, se alguém viverá ou morrerá não é nossa preocupação. Precisamos apenas ter cautela. Por que deveríamos aparecer como os ‘vilões’? Ninguém vai agradecer por isso. Sim, vamos evitar “Rato” Christo e os outros por enquanto. Se não os encontrarmos, é como se nada tivesse acontecido.
O conflito interno de Franca cresceu.
Ela não sabia o que o reflexo do espelho faria depois de substituir a pessoa na realidade.
E se a sua bondade se transformasse em crueldade e o seu afeto se transformasse em ódio?
Franca, incapaz de tomar uma decisão, só conseguiu olhar para Lumian e suspirar. — Suas palavras são bastante insensíveis…
Ela começou a pensar que a avaliação de Jenna sobre Ciel continha alguma verdade.
— Madame, não estou apenas seguindo suas inclinações para ajudá-la a se convencer? — Lumian respondeu, uma mistura de aborrecimento e diversão evidente em seu tom.
Franca ofereceu um sorriso tímido.
— Como você propõe que lidemos com esta situação?
Lumian olhou para Erkin, que contava seu estranho encontro para a esposa e os filhos como se fosse a história de outra pessoa.
— Devíamos pedir a alguém que escrevesse uma carta e denunciasse este assunto à sede da polícia ou a uma catedral.
— A carta deveria apenas indicar que o irmão do ‘Rato’ Christo, Erkin, se aventurou em um reino subterrâneo com um grupo de indivíduos e permaneceu ausente durante a maior parte do dia. Ao ressurgir, sua mão dominante havia mudado.
— Os Beyonders oficiais encontraram inúmeras anomalias, então eles devem estar familiarizados com o subsolo. Eles provavelmente deduzirão o que aconteceu com Erkin e seus companheiros.
— Quanto à forma como eles lidam com isso, a responsabilidade é deles. Não precisamos nos preocupar. Se eles se abstiverem de ferir Erkin e os outros, a pessoa do espelho não representará nenhuma ameaça. Eles podem servir como substitutos para os originais falecidos. E se esses monstros forem eliminados, não teremos que enfrentar a dor e a animosidade, muito menos compensar alguém.
— Em suma, devemos confiar nas autoridades e na Igreja.
— O Imperador Roselle mencionou uma vez que um cavalheiro não se sentiria inclinado a comer um animal com o qual estivesse familiarizado depois de ter sido abatido. No entanto, se não soubessem, isso não seria um problema. Poderiam desfrutar da refeição com alegria. O mesmo princípio se aplica neste caso.
Lumian não conseguia lembrar as palavras exatas, então fez o possível para transmitir o sentimento com suas próprias palavras.
Franca ponderou profundamente por alguns momentos antes de se convencer.
— Você tem razão…
Ela olhou para Lumian.
— Você não parece um líder de máfia.
— Um verdadeiro líder sabe como manipular as autoridades. — Lumian sorriu.
Franca riu e comentou: — Terei que chamá-lo de ‘Padrinho’ de agora em diante?
Sem dar a Lumian a chance de perguntar mais, ela rapidamente acrescentou: — O padrinho de uma máfia. Sim, por enquanto, você não tem os meios. Assumirei a responsabilidade por vazar a informação para os funcionários.
“Padrinho da Máfia…” Lumian tinha ouvido sua irmã mencionar isso como tema de seu próximo livro. Ele compreendeu a ideia geral, mas não pôde deixar de se sentir um pouco desanimado.
Nas horas seguintes, ele e Franca participaram alegremente de um banquete oferecido por “Rato” Christo, tendo conversas animadas com Erkin e os outros contrabandistas.
Lumian não parava de elogiar o delicioso frango assado. Foi temperado com uma variedade de especiarias, sua superfície brilhando com uma mistura semelhante. A pele dourada ostentava suculência, maciez e essência aromática.
Ele cortou um pedaço da carne crocante e coberta com a pele e deixou-a de molho nos sucos suculentos por um momento antes de saboreá-la. A experiência foi pura felicidade, tornando impossível para ele parar de se entregar.
À medida que o banquete chegava ao fim, Franca notou que apenas um punhado de pessoas permanecia à mesa de jantar. Ela se virou para Christo, um sorriso brincando em seus lábios.
— Chegue mais perto. Tenho uma coisa para lhe perguntar.
Christo, momentaneamente surpreso, aproximou sua cadeira de Franca e respondeu com um sorriso: — E qual é o problema?
Franca sorriu e sussurrou: — Na verdade, Ciel e eu também nos aventuramos naquele mundo peculiar. Felizmente, conseguimos escapar…
Com isso, ela rapidamente pegou a faca do frango assado e a enfiou na mesa na frente do “Rato” Christo. A voz dela ficou gelada quando ela o interrogou: — O que está escondido naquela remessa? Você quase nos matou!
— E-eu não sei! — Christo olhou ao redor, gotas de suor frio se formando em sua testa.
Percebendo que apenas ele, Franca e Ciel permaneciam à mesa, ele explicou apressadamente: — Eu realmente não sei. O chefe me instruiu a trazê-la para Trier!