Às 8h da manhã, dois policiais foram até o terceiro andar do Auberge du Coq Doré. Um examinou meticulosamente o corpo sem vida, a nota de suicídio e os arredores, enquanto o outro começou a interrogar os inquilinos vizinhos.
Lumian, já disfarçado com os Óculos do Espreitador de Mistérios, havia se posicionado na entrada do quarto 310.
O oficial, vestindo uniforme e segurando papel e caneta, lançou um olhar fugaz em sua direção.
— Você deve ser Ciel Dubois. Esclareça-me sobre o assunto.
Lumian continuou contando como a sanidade de Flameng havia desaparecido antes de sua chegada. O homem delirava incessantemente sobre o encontro com o fantasma Montsouris e a morte de seus próprios parentes. Logo, parecia que sua vez era iminente. Lumian continuou, revelando como Flameng havia recuperado a consciência abruptamente na noite anterior e se entregado a uma bebedeira pesada.
— E o ferimento no ombro dele? — interveio o policial que atendeu o falecido na sala.
— Antes de recuperar a consciência ontem à noite, ele infligiu o ferimento a si mesmo. Fui eu quem o enfaixei, — Lumian respondeu com compostura.
Depois de interrogar os outros inquilinos e o proprietário do bar do porão, os dois policiais deduziram cautelosamente que o falecido sofria há muito tempo de instabilidade mental. Ele possuía um motivo para suicídio e exibia tendências comportamentais correspondentes.
Enquanto manobravam o corpo de Flameng para dentro do saco mortuário, dirigiram-se a Lumian, dizendo: — Vamos transportá-lo para as catacumbas, mas é um procedimento bastante complicado. Implica determinar a causa precisa da morte, convocar um clérigo para ritos de purificação, encontrar um herdeiro adequado para sua propriedade e estabelecer contato com os administradores das catacumbas. Isso levará cerca de uma ou duas semanas.
Lumian ficou em silêncio por um momento antes de continuar: — Eu compartilhei alguns drinks com ele. Lembre-se de me informar quando você o colocar para descansar.
Afirmando o acordo, os dois policiais partiram do Auberge du Coq Doré, levando consigo o corpo de Flameng e os pertences do quarto.
Lumian tirou o disfarce e voltou para o quarto 207.
Sentado em uma cadeira, de costas para a janela que projetava a luz do sol, ele encarava o corredor mal iluminado, lutando contra um turbilhão de emoções.
O suicídio de Flameng apresentou a Lumian um destino alternativo.
Lumian ajudou Flameng a escapar do fantasma Montsouris, não movido pelo desejo de ganho ou recompensa pessoal. Foi simplesmente porque ele viu um reflexo de sua própria situação no homem que havia perdido sua família. Um sucumbiu completamente, caindo na loucura, enquanto o outro perseverou, agarrando-se a um vislumbre de esperança e lutando desesperadamente para manter o domínio da razão.
Mas no final, Flameng, não mais atormentado pelo fantasma e levado à loucura pelo medo, optou por acabar com sua própria existência.
No corredor, Elodie, com suas tranças escondidas sob uma peruca loira e seus olhos acentuados com sombra, ao lado da outra faxineira, já havia começado seu dia agitado. Elas trabalhavam incessantemente, esfregando o chão e lutando contra percevejos sem trégua.
Lumian observou silenciosamente, seu olhar parecia distante e desfocado.
Após a passagem de quase quinze minutos, passos leves, porém apressados, reverberaram ao longo da escada, chegando finalmente ao quarto 207.
A silhueta de Jenna surgiu na visão de Lumian. Hoje, ela vestia um traje mais discreto em comparação com sua extravagância usual. Sua blusa era levemente justa, complementando o tom marrom suave de sua blusa e uma saia curta, bege e fofa. Ela usava botas pretas de cano alto, e sua maquiagem exalava decadência e charme.
Ela olhou para Lumian, entrou no quarto 207 e fechou gentilmente a porta de madeira atrás de si.
Lumian saiu de seu devaneio e observou-a em silêncio, evitando questionar suas intenções.
Jenna reprimiu sua curiosidade e excitação antes de falar.
— Você já soube? O chefe e dois líderes do Poison Spur Mob foram assassinados!
— Estou ciente, — Lumian reconheceu com um aceno de cabeça.
Jenna examinou sua expressão e deliberadamente investigou mais profundamente.
— Você não estava envolvido, estava?
— Você acha que possuo a capacidade de eliminar Roger ‘Escorpião Negro’, Harman ‘Careca’ e a ‘Pernas Curtas’ de uma só vez? — Lumian respondeu.
Jenna, já tendo obtido uma estimativa da força de Ciel de Franca, entendeu que Roger não era menos formidável do que a própria Franca. Ela balançou a cabeça e disse: — Não.
Ela então falou lentamente: — Mas você ainda pode procurar ajuda.
Por exemplo, Franca.
— As autoridades nem suspeitam de mim, — afirmou Lumian, encolhendo os ombros.
Na verdade, ele achou esse assunto bastante desconcertante.
Normalmente, como um dos poucos indivíduos que recentemente se envolveram em um confronto direto com o Poison Spur Mob, ele sem dúvida seria submetido a interrogatório após tal incidente. No entanto, Lumian permaneceu em espera desde a noite passada, preparado para vestir um disfarce a qualquer momento, mas nenhum investigador havia chegado.
Só então, passos apressados ecoaram na escada.
Toc,toc, toc. Batidas ressoaram na porta do quarto 207.
“Charlie?” O olhar de Lumian fixou-se na porta enquanto ele acenava: — Entre. Não está trancada.
O visitante que estava diante deles não era outro senão Charlie. Vestido com uma camisa branca impecável, um colete de cor clara e um terno preto formal, ele exalava um ar de dignidade. No topo de sua cabeça havia uma meia cartola, enquanto uma gravata borboleta escura completava seu conjunto.
Seu traje parecia ainda mais refinado do que quando ele serviu como atendente no Hôtel du Cygne Blanc.
Depois de avaliar Charlie, Lumian não conseguiu deixar de sorrir.
— Bem, bem, de onde veio esse indivíduo civilizado?
Charlie não conseguiu esconder o próprio sorriso. Seu tom transbordava de calor e entusiasmo quando ele respondeu: — Né? Agora sou um verdadeiro cavalheiro. Ainda estou no processo de dominar a etiqueta clássica. Madame, Monsieur, por favor, permita-me estender minhas saudações civilizadas.
Com essas palavras, ele tirou sua cartola, pressionou-a contra o peito e fez uma leve reverência.
Jenna riu, mas não desanimou Charlie. Lumian estalou a língua e comentou: — Para ser franco, você parece mais um macaco brincando de se vestir com roupas civilizadas.
Charlie permaneceu inalterado, sua alegria inabalável.
— Eu apenas comecei meus estudos. Dentro de um mês, você testemunhará uma versão totalmente diferente de mim. Ah, a propósito, este é Monsieur Charlie Collent. Ele está atualmente desfrutando de um jantar suntuoso no valor de 8 verl d’or!
Neste ponto, Charlie olhou para Jenna, que estava ao lado da cama. Ele abriu a boca como se tivesse algo a dizer, mas hesitou na presença dela.
Indiferentemente, Lumian perguntou: — Qual é o problema? Apenas diga o que pensa.
Charlie baixou a voz.
— Você soube? Ontem à noite, ‘Escorpião Negro’ Roger, ‘Careca’ Harman e Castina foram todos mortos.
— Estou ciente. E? — Lumian acreditava que Charlie não o procuraria por algo que logo se tornaria de conhecimento público.
Charlie olhou para Jenna e continuou: — O que foi confirmado é que o assassino pertence a uma organização terrorista conhecida como Ordem Aurora. Eles têm uma propensão para exibições horríveis de carnificina e têm como alvo principalmente indivíduos que adoram deuses malignos. Roger e seus companheiros seguiram um deus maligno chamado a Grande Mãe.
“Ordem Aurora?” Lumian ficou surpreso.
“De onde veio esse bode expiatório?”
“Por que os Beyonders oficiais de repente estavam apontando o dedo para a Ordem Aurora?”
“Eles não deveriam primeiro investigar aqueles que tiveram conflitos com Roger e o Poison Spur Mob? É assim que as novels policiais foram escritas!”
— Você está dizendo que a Ordem Aurora realmente executou esses assassinatos? — Jenna perguntou curiosamente.
Charlie assentiu enfaticamente.
— Está correto. A Ordem Aurora parece ter reivindicado a responsabilidade por esses atos em alguma capacidade. Amanhã, deve haver relatos sobre o caso em certos jornais.
A segunda metade da declaração de Charlie sugeriu que as informações que ele havia acabado de compartilhar deveriam ser divulgadas e não continham cláusulas de confidencialidade.
“A Ordem Aurora reivindicou a responsabilidade? Eles nem estavam envolvidos. Por que eles assumiriam a responsabilidade?” Lumian ficou momentaneamente perplexo, mas achou engraçado.
Se ele não tivesse matado pessoalmente o “Escorpião Negro” Roger, poderia ter suspeitado que a Ordem Aurora era a culpada.
Charlie olhou para Lumian e acrescentou em tom baixo: — Esta tarde, assim que a eleição terminar, uma repressão às multidões em todo o distrito comercial começará em resposta às preocupações do público sobre a segurança do distrito.
— Você decorou suas falas? Suas palavras parecem tão formais. — Lumian percebeu por que Charlie se apressou em informá-lo.
Era melhor que os ímpios deixassem o mercado naquela tarde e se escondessem por enquanto!
Lumian assentiu sutilmente e respondeu: — Tenho uma reunião de misticismo para comparecer esta tarde.
Embora a reunião do Sr. K estivesse marcada para as 21h, Lumian pretendia chegar mais cedo.
Charlie deu um suspiro de alívio e gesticulou em direção à porta.
— Vou sair primeiro.
Após um momento de contemplação, Lumian respondeu: — No futuro, não há necessidade de me informar sobre assuntos tão triviais.
Ele acrescentou zombeteiramente: — Você duvida das minhas habilidades?
Charlie sorriu timidamente.
— É a minha primeira vez, então não pude deixar de me sentir um pouco emocionado. Não se preocupe, a menos que isso realmente diga respeito a você, não vou dar mais nenhuma informação.
Enquanto Lumian observava Charlie partir, Jenna estalou a língua e suspirou.
— Ele se tornou seu espião entre os Beyonders oficiais.
— Eu preferiria que ele não fosse, — Lumian murmurou, franzindo os lábios. — Ele é apenas um imbecil, fadado a bagunçar as coisas.
Jenna zombou e acenou com a mão.
— Vou encontrar Franca. Você está planejando compartilhar a informação que Charlie nos deu com os outros?
Lumian balançou a cabeça.
— Se todos fugirem, os Beyonders oficiais sem dúvida investigarão qualquer vazamento. Aquele imbecil não conseguirá escapar.
— Além disso, algumas pessoas merecem acabar na prisão.
“E você não?” Jenna criticou enquanto saía do quarto 207 e entrava no corredor.
Naquele momento, as duas faxineiras já haviam chegado à escada.
Jenna correu até lá e seu olhar passou pela faxineira chamada Elodie, que usava uma peruca loira.
De repente, a expressão de Jenna congelou, e ela rapidamente se virou, voltando para o quarto 207. Lumian, que estava prestes a sair, achou aquilo estranho.
Elodie, uma mulher de quase 50 anos com uma peruca loira e sombra nos olhos, também notou Jenna. Ela olhou para a figura da aprendiz de atriz se afastando por alguns segundos antes de gritar confusa e preocupada, — Celia…
O corpo de Jenna ficou rígido.
Ela lentamente se virou, forçando um sorriso, e cumprimentou Elodie em voz alta: — Mãe.
“Mãe?” Lumian quase não conseguia acreditar no que ouvia.
Então ele se lembrou de Elodie ter mencionado que ela era atriz de teatro e agora gostava de assistir apresentações no Teatro da Velha Gaiola de Pombos. Seu marido faleceu há alguns anos em um acidente de fábrica, deixando dois filhos quase adultos que ajudavam no sustento da família.
Jenna, por outro lado, era aprendiz de atriz no mesmo teatro. Seu pai também havia falecido há alguns anos, deixando apenas mãe e irmão. Seu plano era ganhar dinheiro suficiente para pagar as mensalidades e outras despesas do ano seguinte.
“Tudo faz sentido…” Lumian assentiu pensativamente.
Elodie se aproximou de Jenna com uma vassoura, avaliando sua aparência.
— Por que você está aqui? E que tipo de maquiagem é essa?