Quando Lumian pensou no nº 13 da Avenue du Marché, seu primeiro instinto foi que Gardner Martin pretendia lhe fazer mal.
“O lugar é anormal, um mistério até para os Beyonders oficiais. Por que você está me pedindo para passar a noite lá?”
A imagem do prédio escuro e carbonizado que ele tinha visto através dos Óculos do Espreitador de Mistérios ainda permanecia em sua mente, com um rosto embaçado olhando para ele através dos olhos vazios atrás de uma janela.
Isso lhe deu uma sensação desconfortável, pois Osta Trul havia avisado que era um lugar perigoso. No entanto, Lumian não tinha interesse em explorá-lo e não teria desencadeado nenhuma anomalia devido à sua falta de espírito aventureiro, então ele o deixou de lado.
Em meio a seus pensamentos, Lumian descartou a ideia de que Gardner Martin montaria uma armadilha no prédio carbonizado para prejudicá-lo.
Como membro da Ordem da Cruz de Ferro e Sangue, uma organização secreta, um Beyonder poderoso, provavelmente na Sequência 5 ou no mínimo 6, Gardner tinha outros métodos mais diretos para lidar com subordinados com segundas intenções.
Simultaneamente, Lumian relembrou tudo o que tinha visto e ouvido recentemente.
O prédio carbonizado ficava perto da Rue des Blouses Blanches. Toda vez que ele passava por ele enquanto ia para sua casa segura no Salle de Bal Brise ou procurava por Franca, ele via vagabundos buscando abrigo da chuva lá dentro. Ele nunca tinha testemunhado nenhum Beyonder oficial ou polícia de patrulha os enxotando, nem tinha ouvido falar de nenhuma fatalidade ocorrendo lá.
Por três razões, Lumian considerou o edifício carbonizado altamente perigoso. Primeiro, a percepção espiritual de Osta Trul o havia instigado. Segundo, sua existência permanecia intacta, como se alguma força misteriosa impedisse sua demolição. Terceiro, sua experiência com os Óculos do Espreitador de Mistérios o havia deixado com um certo sentimento.
Combinando todos esses sinais, Lumian não pôde deixar de pensar que havia de fato um problema. E não era uma questão trivial. Embora, em circunstâncias normais, essas anormalidades dificilmente seriam desencadeadas; elas exigiam condições específicas.
“Mas se não houvesse problemas, por que Gardner Martin providenciaria para que eu passasse a noite lá? É algum tipo de teste de coragem? Isso é inútil,” Lumian pensou consigo mesmo.
Ele acreditava que a impressão mais marcante que deixou em Gardner Martin e nos outros foi sua ousadia.
Após um breve momento de contemplação, Lumian olhou para Gardner Martin, demonstrando sua preocupação e desconfiança.
— Avenue du Marché, nº 13? Ouvi dizer que tem algo estranho acontecendo lá.
— Se nada estivesse errado, que tipo de teste seria mandar você para lá por uma noite? — Gardner Martin respondeu com um sorriso. — Contanto que sua resposta seja impecável, acredito que você sairá ileso.
“Então, esse é um teste para ver como eu lido com uma anormalidade ‘repentina’ sem nenhuma informação prévia?” Lumian assentiu em compreensão, mas a situação o deixou ainda mais confuso.
“Se for esse o caso, por que Gardner Martin veio aqui no meio da noite e me pediu para ir imediatamente para lá? Ele não poderia ter esperado até o dia para eu fazer isso? Então, ele poderia testar minha capacidade de reunir informações e ver quem eu contataria…”
“Agora, não terei a chance de invocar a mensageira da Madame Mágica e pedir sua opinião ou possível ajuda, o que me permitiria não enfrentar sozinho o perigo oculto do prédio carbonizado…”
“Mas Gardner Martin não sabe que eu posso invocar um mensageiro de uma semideusa. Provavelmente não é com isso que ele está preocupado… Se ele suspeita que eu tenho outra facção me apoiando, ele não teria me dado uma chance de me infiltrar no núcleo — em outras palavras — na Ordem da Cruz de Ferro e Sangue. Ele já teria encontrado uma maneira de me fazer ‘desaparecer’ completamente.”
“Sim, se ele realmente suspeitar de mim, ele me dará tempo suficiente para ver onde devo ir e com quem devo entrar em contato para determinar se há algum problema…”
“Ele deve ter algum motivo oculto para tornar as coisas tão urgentes…”
“Dar-me tempo para me preparar significa que posso voltar atrás na minha palavra. Em vez de ir para a Avenue du Marché, nº 13, posso me virar e vender informações sobre a possível conexão deste prédio carbonizado com a Ordem da Cruz de Ferro e Sangue para as autoridades?”
“Mas o problema é que, mesmo que eu consiga ficar até o sol nascer, ainda posso voltar atrás na minha palavra ou traí-los… Serei preso ali mesmo e forçado a assinar um contrato?”
Após cuidadosa consideração, Lumian ainda não conseguiu decifrar as verdadeiras intenções de Gardner Martin.
O teste provavelmente era apenas um aspecto, mas tinha que haver um motivo oculto!
A única coisa da qual Lumian tinha certeza era que Gardner Martin não estava planejando matá-lo — pelo menos não por enquanto. Esta missão pode ser fatal, mas o perigo real estava em outro lugar.
Com vários pensamentos passando pela mente, Lumian finalmente tomou sua decisão.
— Tudo bem, eu vou agora.
Gardner Martin sorriu.
— Excelente. Se você tivesse concordado muito rápido, teria me decepcionado.
— Uma das características mais cruciais para aqueles que se juntam ao nosso núcleo é a inteligência e a capacidade de pensar. Caso contrário, por que eu não compraria alguns novos robôs a vapor da Igreja do Deus do Vapor e da Maquinaria?
“Você está sugerindo que Franca é inteligente, mas não tanto? Ela pensa, mas não holisticamente?” Lumian não conseguiu deixar de criticar internamente.
Claro, ele sabia que essa não era a razão pela qual o Chefe se recusou a deixar Franca se juntar à equipe principal.
Após sua crítica interna, Lumian respondeu a Gardner Martin com um sorriso: — Estou ansioso para experimentar o núcleo que você descreveu, chefe.
Enquanto falava, ele se virou e se preparou para descer as escadas em direção à Avenue du Marché, nº 13.
Gardner Martin gritou casualmente para ele: — Não revele isso a ninguém, nem mesmo para aqueles que estão dormindo com você, como Jenna, que está cantando lá embaixo.
— Tudo bem, — disse Lumian, embora não tenha pensado muito no assunto.
Ele tinha que compartilhar isso com Franca e Jenna!
No entanto, as duas estavam ocupadas investigando o desaparecimento do porteiro do Claustro do Vale Profundo e não prestaram muita atenção aos assuntos do Savoie Mob.
Após sair do Salle de Bal Brise, Lumian tocou o peito esquerdo.
Então, desenhou um Emblema Sagrado triangular, como se estivesse rezando ao Deus do Vapor e da Maquinaria por boa sorte.
Ainda havia água no chão por causa da chuva. Lumian seguiu os postes de luz pretos como ferro e chegou ao cruzamento perto da Rue des Blouses Blanches em um ritmo moderado.
Um prédio de seis andares, escuro como breu, estava diagonalmente à sua frente. Muitas das paredes tinham desabado, como se pares de “olhos vazios e pretos como breu” tivessem crescido para fora da casa.
Naquele momento, dois ou três vagabundos dormiam no andar térreo, desprovido de portas ou janelas. Estava coberto de tijolos enegrecidos e madeira carbonizada.
Lumian ficou parado na beira da estrada e observou por um tempo, mas não conseguiu encontrar o rosto borrado pressionado contra a janela.
“Devo usar os Óculos do Espreitador de Mistérios para “ver”?” Sem hesitar, Lumian passou pela porta imunda e entrou no prédio alvo.
Ele não sentiu nenhuma anormalidade do seu corpo para sua alma.
Caminhando em volta dos vagabundos, Lumian encontrou o que parecia ser a sala de atividades.
Havia uma pequena sala lá dentro. A porta de madeira estava carbonizada e bamba, mas permanecia intacta. Além da janela de vidro estilhaçada, havia um beco atrás da Avenue du Marché.
Lumian entrou e fechou cuidadosamente a porta de madeira.
Então, ele se sentou perto da janela, pronto para sair do prédio anormal a qualquer momento.
Em meio ao tormento inevitável, o tempo passou, e a noite se aprofundou. Lumian permaneceu alheio a qualquer anormalidade. Estava tão quieto que apenas as tosses ocasionais dos vagabundos ecoavam.
De repente, ele endireitou as costas.
Ele ouviu passos lentos.
Os passos se aproximaram, batendo na porta de madeira dilapidada que não podia ser trancada, manchando instantaneamente a noite tranquila com uma atmosfera desconfortável.
Naquele momento, a voz magnífica de Termiboros ecoou na mente de Lumian.
— Não responda.
“Não responda…” Os cabelos de Lumian ficaram em pé.
Embora não pudesse confiar totalmente no anjo da Inevitabilidade, considerando a situação atual, ele escolheu olhar para a porta em silêncio depois de pesar os prós e os contras.
Toc, Toc, Toc!
As batidas na porta ecoavam uma após a outra, os intervalos eram longos, lentos e pesados.
Toc, Toc, Toc!
Depois de um tempo, a pessoa lá fora finalmente falou.
— Ajude-me. Eu era o que dormia lá fora.
— Ajudem-me, ajudem-me. Um assassino invadiu!
“Essa invenção é absurda…” Lumian acalmou seus nervos tensos se divertindo.
Ele não respondeu, agindo como se não houvesse ninguém na pequena sala.
A voz lá fora ficou mais intensa, mas o ritmo diminuiu. Houve uma pausa indistinta e estranha.
— Ele. Está. Aqui! Ele. Está. Aqui! Eu. Estou. Prestes. A. Morrer!
— O próximo. É. Você!
Assim que ele terminou de falar, a pessoa que estava batendo na porta de repente soltou um grito.
Lumian ouviu um baque surdo.
Thud!
Foi como se alguém tivesse caído no chão.
Então, um objeto pesado do lado de fora da porta foi lentamente arrastado para mais longe.
Em pouco tempo, um som cortante de gelar os ossos encheu a sala, acompanhado pelo som de roedura e mastigação alta.
Uma imagem surgiu de repente na mente de Lumian: uma figura sombria agachada no chão, dividindo um cadáver humano com um machado e outros itens. Ocasionalmente, ele pegava um braço e dava algumas mordidas.
Depois de um tempo, a comoção semelhante desapareceu.
Toc, Toc, Toc!
Houve outra batida no pequeno quarto de Lumian.
— Se não. Abrir a porta. Eu. Abro. Eu mesmo. — Era a mesma pessoa que havia pedido ajuda.
Lumian olhou para a porta de madeira trêmula e teve uma ideia.
“Enquanto eu não responder, a anormalidade lá fora não conseguirá abrir esta porta e tenta me ameaçar?”
“Esta porta está claramente destrancada e foi queimada pelo fogo. É muito frágil, mas não pode abri-la…”
“Não tem a habilidade de abrir nenhuma porta. É necessária uma resposta da pessoa atrás da porta para estabelecer uma conexão no sentido místico?”
Enquanto esses pensamentos passavam por sua mente, Lumian adquiriu uma compreensão mais profunda da situação atual e se sentiu mais confiante.
Toc. Toc. Toc. Em meio às batidas, a pessoa do lado de fora falou de forma staccato, — Eu não estou. Mentindo.
— Eu realmente vou. Abra a porta. E entrar.
— Eu te darei. Mais. Dez segundos.
Lumian zombou, sentindo-se cada vez mais certo.
Ele queria zombar da outra parte em seu coração e dizer para ela abrir se tivesse o que era preciso, mas estava preocupado que isso também fosse considerado uma resposta, então ele reprimiu esses pensamentos.
Toc, Toc, Toc!
Mais três batidas separadas por uma longa pausa.
De repente, Lumian ouviu um rangido inaudível.
Então, ele viu a frágil porta de madeira se abrir lentamente, revelando uma rachadura escura.
Estava abrindo.