Lumian permaneceu no topo do telhado, relutante em descer ainda.
Seu rosto era uma imagem de estoicismo, sem trair nenhuma emoção. Foi-se o jovem travesso que frequentava o bar, sempre pronto com um sorriso e uma brincadeira. Pelo contrário, estava uma pessoa composta e decidida, irreconhecível para aqueles que o conheciam antes.
Desde que descobriu por acaso os poderes mágicos de Aurore, Lumian estava obcecado em obtê-los. Mas Aurore sempre o advertiu contra isso, citando o imenso perigo e a agonia que acompanhava o uso de tais habilidades. Ela se recusou a divulgar o segredo, mesmo sabendo como concedê-lo a meros mortais.
Lumian não podia forçá-la a revelar o método, então recorreu a implorar e persuadi-la a cada passo.
Após alguns segundos de contemplação, Lumian levantou-se e desceu até a beira do telhado. Ele subiu de volta ao segundo andar usando a escada de madeira.
Caminhou até o quarto de Aurore, apenas para encontrar a porta de madeira marrom entreaberta antes de espiar lá dentro.
Aurore estava sentada à sua mesa, rabiscando com uma caneta-tinteiro champanhe, vestida com um vestido azul-celeste.
“O que ela está escrevendo tão tarde da noite? Está relacionado com bruxaria?” Lumian colocou a mão na porta e brincou: — Está escrevendo no seu diário, não é?
— Quem escreve em um diário, honestamente? — Aurore respondeu sem tirar os olhos do que estava escrevendo.
Lumian não ficou satisfeito com a resposta dela.
— Mas o Imperador Roselle não manteve vários volumes de diários?
Roselle, o último imperador da República Intis, onde os irmãos viviam atualmente, derrubou a dinastia Sauron e assumiu o manto de César, declarando-se assim imperador.
O homem fez inúmeros avanços nos campos da ciência e da engenharia, tendo sido creditado como o inventor da máquina a vapor. Sem mencionar que ele traçou a rota marítima para o Continente Sul e desencadeou uma era de colonização. Ele era a personificação de seu tempo, um símbolo de uma época passada, há mais de um século.
No entanto, em seus anos finais, ele foi traído e assassinado no Palácio do Bordo Branco de Trier.
Após a sua morte, as páginas do seu diário foram divulgadas por todo o mundo, mas foram escritas numa língua que ninguém conseguia decifrar, como se as palavras não existissem neste mundo.
— É por isso que Roselle não é um homem honesto, — zombou Aurore, de costas para Lumian.
— Então, o que você está rabiscando aí? — Lumian perguntou.
Esse era o cerne da questão.
Aurore respondeu encolhendo os ombros, sua voz cheia de indiferença, — Uma carta.
— A quem? — Lumian não pôde evitar fazer uma careta.
Aurore fez uma pausa, largando sua requintada caneta-tinteiro dourada de champanhe, com padrões complexos, para revisar suas palavras e frases.
— Um amigo por correspondência.
— O quê? — Lumian franziu a testa, completamente perplexo.
Que raio era aquilo?
Aurore riu, passando os dedos pelos brilhantes cabelos dourados enquanto começava a esclarecer seu irmão.
— É por isso que continuo dizendo para você ler mais e estudar mais. Pare de desperdiçar seus dias bebendo e farreando!
— Olhe para você. O que o diferencia de um analfabeto?
— Os amigos por correspondência são amigos que se conhecem por meio de jornais, revistas e outras publicações. Eles nunca se viram e dependem apenas de cartas para manter contato.
— Qual é o sentido de ter um amigo assim? — Lumian perguntou, bastante preocupado com o assunto.
Ao retirar a mão da porta, ele coçou o queixo, imerso em pensamentos.
Aurore nunca teve um namorado antes, então ele não podia permitir que ela fosse enganada por alguém que ela nunca conheceu antes.
— Sentido? — Aurore pensou seriamente sobre isso. — Em primeiro lugar, valor emocional. Oui1, eu sei que você não entende o conceito. Os humanos precisam se conectar uns com os outros, mas algumas coisas e emoções não podem ser compartilhadas com os aldeões, nem com você. Preciso de uma saída mais privada para liberar meus pensamentos. Esses amigos por correspondência, que não conheci pessoalmente, são perfeitos para isso. Em segundo lugar, não subestime meus amigos por correspondência. Alguns deles possuem grande poder e alguns possuem amplo conhecimento. Por exemplo, um amigo por correspondência talentoso me deu esta lâmpada a bateria. Lâmpadas de querosene e velas são muito prejudiciais aos olhos e não são ideais para escrever à noite…
Sem esperar que Lumian fizesse outra pergunta, Aurore acenou com a mão atrás dela.
— Descanse um pouco, meu irmão embriagado! Bonne nuit!2
— Tudo bem, boa noite. — Lumian respondeu, tentando esconder sua frustração.
Aurore instruiu: — Não se esqueça de fechar a porta. Está frio aqui com todas as janelas e a porta aberta.
Lumian fechou lentamente a porta de madeira marrom e foi para seu quarto, onde tirou os sapatos antes de se sentar na cama.
Na penumbra da noite, Lumian avistou a mesa de madeira ao lado da janela, a cadeira inclinada, a pequena estante encostada na parede e o guarda-roupa do outro lado.
Ele ficou imóvel, perdido em pensamentos.
Ele sabia que Aurore era uma mulher que guardava seus segredos para si mesma e havia coisas que não havia revelado a ele. Lumian não ficou surpreso, mas temeu que seus segredos pudessem colocá-la em perigo.
E quando a realidade chegasse, suas opções eram limitadas.
Ele era apenas uma pessoa comum, com um corpo robusto e uma inteligência afiada.
Os pensamentos surgiram como ondas quebrando na praia, e com a mesma rapidez recuaram. Lumian respirou fundo e foi até o banheiro para se refrescar.
Depois, tirou o casaco marrom e desabou na cama fria.
O ar de abril nas montanhas ainda estava frio.
……
No meio de seu estado de sonolência, Lumian percebeu uma névoa escura, envolvendo seu entorno e apagando tudo que estava à vista.
Ele caminhou atordoado pela névoa, mas independentemente da direção que tomasse ou da distância que percorresse, a névoa sempre o levava de volta ao mesmo lugar: seu quarto.
O quarto era decorado com uma cama branca, uma mesa e cadeira de madeira posicionadas em frente à janela, estantes de livros, guarda-roupas e assim por diante.
……
Os olhos de Lumian se abriram assustados, o sol da manhã lançava uma luz através das finas cortinas azuis.
Ele se sentou, olhando fixamente para a sala, sentindo-se como se ainda estivesse preso em um sonho.
O mesmo sonho que ele vinha tendo há dias: a névoa cinza que se recusava a dissipar-se.
Ele levou a mão às têmporas e murmurou para si mesmo com uma voz profunda: – Está ficando mais frequente. Tenho o mesmo sonho quase todos os dias…
O comportamento calmo de Lumian desmentia o fato de que esse sonho não trouxe nenhum efeito negativo, mas certamente também não produzia nenhum resultado positivo.
— Rezo para que escondido nisso haja algo proveitoso, — murmurou Lumian, enquanto se levantava da cama.
Lumian abriu a porta do corredor e imediatamente ouviu um som vindo do quarto de Aurore.
“Que coincidência…” Lumian sorriu.
Mas então, um pensamento repentino o atingiu, fazendo-o dar um passo para trás e ficar na beira da porta.
Quando a porta do quarto de Aurore se abriu, Lumian rapidamente levantou a mão direita e começou a massagear as têmporas com uma expressão levemente dolorida no rosto.
— O que está errado? — Aurore percebeu seu desconforto.
“Sucesso!” Lumian aplaudiu interiormente enquanto tentava ao máximo se acalmar.
— Tive aquele sonho de novo, — respondeu ele com voz profunda.
As mechas douradas de cabelo de Aurore caíram em cascata por seus ombros enquanto ela franzia as sobrancelhas com preocupação.
— O método anterior não funcionou… — ela murmurou para si mesma antes de sugerir,
— Talvez… eu devesse encontrar um Hipnotista para você, um Hipnotista de verdade, e ver o que causou isso.
— O tipo com poderes mágicos? — Lumian questionou deliberadamente.
Aurore assentiu levemente em resposta.
— Um de seus amigos por correspondência? — Lumian não pôde deixar de perguntar.
— Por que você se preocupa com isso? Pense em como resolver seu próprio problema! — Aurore respondeu sem hesitação.
“Não é isso que está em minha mente?” Lumian murmurou interiormente.
Ele aproveitou a oportunidade para dizer: — Aurore, se eu me tornar um Bruxo e ganhar poderes extraordinários, serei capaz de desvendar o segredo do sonho e acabar com ele completamente.
— Nem pense nisso! — Aurore respondeu sem hesitação.
Sua expressão se suavizou enquanto ela continuava: — Lumian, não vou mentir para você. Este caminho que estamos tomando é perigoso, doloroso e totalmente traiçoeiro. Se eu tivesse outra escolha e se o mundo não estivesse fora de controle, eu ficaria contente em ser uma velha escritora normal e viver uma vida pacífica.
Lumian não hesitou em intervir: — Então deixe-me carregar o fardo do perigo e da dor. Eu protegerei você enquanto você faz o que ama.
Essas palavras vinham se repetindo em sua cabeça há algum tempo.
Aurore ficou em silêncio por alguns segundos antes de um sorriso se espalhar por seu rosto.
— Você está discriminando as mulheres?
Antes que Lumian pudesse dizer uma palavra, ela acrescentou com um tom sério: — É tarde demais para voltar atrás agora. Não há como voltar ao que tínhamos antes.
— Tudo bem, entendi. Vou me banhar. Você vai estudar muito em casa hoje e se preparar para o vestibular em junho!
— Você mesmo disse, o mundo está ficando mais perigoso. Qual é o sentido de fazer exames? — Lumian murmurou.
Ele acreditava que a chave para o sucesso era a força, e não algum diploma.
Aurore apenas sorriu e disse: — Conhecimento é poder, meu irmão sem instrução.
Lumian não teve resposta, então apenas observou Aurore entrar no banheiro.
……
À tarde, na movimentada praça de Cordu,
Reimund Greg avistou Lumian Lee agachado sob um olmo3. Seus pensamentos estavam envoltos em mistério.
— Você não deveria ficar escondido em casa com o nariz enterrado nesses livros? — Reimund se aproximou dele, sua voz cheia de inveja.
Reimund era o confidente de Lumian, medindo moderadamente 1,7 metros, cabelos e olhos castanhos. Ele era um sujeito de aparência comum e pele levemente corada.
Lumian olhou para ele e deu um sorriso encantador.
— Aurore não te contou? Até o carrasco merece uma folga! Fiquei preso por tanto tempo que precisava de uma pausa.
Durante toda a manhã ele ruminou sobre a possibilidade de adquirir poderes extraordinários sem a ajuda de Aurore.
Isso exigiu que ele buscasse pistas e tomasse a iniciativa de investigar.
Eventualmente, ele sentiu que os rumores de poderes mágicos circulando por toda a vila continham alguma verdade e pistas, então esperou propositalmente por Reimund aqui.
— Se eu estivesse no seu lugar, não descansaria por mais de quinze minutos, — Reimund falou lentamente, apoiando-se casualmente no olmo. — Não temos uma irmã que leia o suficiente para nos ensinar. Pretendo aprender a pastorear ovelhas no próximo ano.
Lumian não prestou atenção aos comentários de Reimund e falou pensativamente.
— Pode me recontar a história do Bruxo?
Reimund não conseguiu entender bem as intenções de Lumian, franzindo a testa em confusão.
— De novo?
— No passado, havia um Bruxo em nossa aldeia, mas ele morreu mais tarde. No dia de seu enterro, uma coruja veio de fora e pousou em cima de sua cama. Ela só partiu depois que o caixão foi carregado.
— Então, o caixão ficou insuportavelmente pesado. Foram necessários nove touros para puxá-lo.
Lumian pressionou ainda mais: — Há quanto tempo foi isso?
A expressão de Reimund ficou cada vez mais perplexa.
— Como posso saber? Ouvi isso do meu pai.
Notas:
[1] traduzido: Sim.
[2] traduzido: boa noite.
[3] Os ulmeiros, ulmos, olmeiros, olmos, lamigueiros ou lamegueiros são árvores de várias espécies do gênero Ulmus, família Ulmaceae. São grandes árvores nativas na Europa, alcançando os 30 metros de altura. Possuem folhas alternas, denteadas, plissadas, com a base inequilátera.