A magia que foi conjurada envolveu o meu corpo. Apesar de ser uma sensação com a qual eu estava a muito familiarizada, neste momento me causou uma enorme irritação.
Para confirmar o efeito do feitiço, dei um passo adiante.
Ótimo, está funcionando corretamente.
Carregada pelo vento, eu saí correndo.
Eu havia me encontrado aquela pessoa ontem e, apesar de não fazer nem mesmo um dia completo desde que nos conhecemos, a sensação em meu peito era quase como se já fizesse uma vida inteira.
Achei que com magia pudesse bloquear o ataque do Demônio, mas ao invés disso, tive o meu corpo lesionado como se fosse um inseto. Meus pés e braços doíam tanto que eu me sentia como uma boneca, incapaz de me mover.
Quando virei de leve o pescoço, percebi que a minha sorte foi ter caído nos ramos de uma árvore antes de me despedaçar sobre o chão.
…Sorte? Será realmente isso?
A minha vida iria se extinguir antes que aquele monstruoso Demônio caísse ou que alguém do exército viesse me resgatar.
Nesse momento, o meu sangue se esvai pouco-a-pouco, assim como o que me restava de consciência, até que de repente ouvi os passos de alguém se aproximando.
Com toda a força que ainda me restava, me virei e gritei por ela. Aquele que surgiu diante dos meus olhos, foi um rapaz usando uma roupa tão chamativa que feria os olhos. Quem poderia imaginar que eu, alguém que estava à beira da morte, iria me preocupar com uma coisa mundana como a aparência?
Por favor, que os Deuses me permitam voltar para essa vida rotineira!
Mesmo que incomodada com o robe chamativo do rapaz, ainda chamei por ele antes que fosse embora. A voz com que me respondeu era tão calma e serena que me fez pensar que, não importava a situação, ele sempre estaria bem.
Corra.
Evite as pessoas, evite as carroças, continue correndo.
Siga em frente, nem que seja apenas mais um passo.
Apresse-se, nem que seja apenas mais um segundo.
Eu continuei a correr.
Fico me perguntando se a minha consciência vacilou por um minuto, pois antes que pudesse perceber, ele já estava do meu lado.
Um rapaz tão sereno que você nunca iria imaginar ele usando aquele tipo de roupa. Eu não poderia dizer que ele era bonito, mas sua figura de alguma forma me causava uma boa impressão.
Depois de verificar os meus ferimentos e fazer os primeiros socorros das minhas fraturas, ele gentilmente, sim, muito gentilmente me ergueu com seus braços.
O robe dele, que parecia tão novo, agora estava sujo de sangue e poeira, mas ele não parecia ligar para isso, e apesar de ter uma aparência delicada, ele ainda era forte o suficiente para me carregar sem esforço.
Como ele planeja descer comigo de cima da árvore? Talvez com Magia do Vento?
Ao contrário das minhas expectativas, ele simplesmente voou de galho em galho, sem usar qualquer feitiço mágico.
Eu estou passando por um beco.
Sem perder o passo, chuto a parede para fazer uma curva.
Evito as pessoas que surpreenderam com a minha chegada, como se estivesse dançando.
Não ligo nem para a minha saia flutuando ao vento.
Eu estou correndo com cada pingo de força que há em mim.
Fechei os meus olhos para resistir ao impacto que estaria vindo. Um grito irritante soou próximo das minhas orelhas, mas aquele não passava de meu próprio grito.
Entretanto, o choque nunca veio a ocorrer, não importava o quanto eu esperasse.
Quando timidamente abri os olhos com um olhar preocupado, ele gentilmente me cumprimentou.
O rapaz não parecia ter saltado direto para o chão, mas sim, descido de ramo em ramo até chegar a um telhado.
Que pessoal mais ágil!
Vamos chamá-lo de senhor ágil por enquanto.
Enquanto me carregava, o senhor ágil pulou por entre os telhados, procurando um lugar apropriado para descer. Ele ía para cima e para baixo, mas seus passos eram tão leves quanto penas.
Quase como se tivesse asas.
Será que é essa a sensação de se voar pelo céu?
Eu estou perdendo o fôlego.
Mas não posso parar agora.
Fui confiada com a importante missão de chamar reforços, para proteger a vida dele.
Ignoro os gritos do meu corpo.
Quando tudo estiver acabado, irei deixá-lo descansar o quanto quiser, mas agora preciso ser rápida, nem que seja um passo a mais.
Quando estávamos passando por uma casa apertada, ele tomou o máximo de cuidado para que os meus membros faturados não encostassem na mobília.
Após receber tanto cuidado e atenção, eu me sentia quase como uma princesa. Algo muito luxuoso considerando que até momentos estive me preparando para a morte certa.
Sempre que desviava de um móvel, nossos corpos ficavam mais conectados. Embora eu estivesse acostumada a treinar junto aos outros soldados, aquele rapaz não tinha um odor desagradável como os demais homens. Pelo contrário, o meu nariz sentia uma leve fragrância elegante vinda de seu corpo. O cabelo dele também parecia tão macio que eu queria poder tocá-lo só um pouco…
A luta tinha chegado ao fim na praça e aparentemente nós havíamos ganho.
Ele continuou me carregando em busca de atendimento médico. Depois que o meu tratamento terminou na tenda de primeiros socorros, ele saiu em busca de mais pessoas que pudesse resgatar.
Durante a nossa despedida, ele se virou e acenou para mim. Não sei porque ele acenou, mas por algum motivo aquilo me fez sentir uma pontada de alegria.
Estou quase na rua principal.
De repente, uma criança se jogou na minha frente.
Não vou conseguir desviar a tempo, por isso dou um salto, girando no ar.
Sei que é imodesto fazer algo assim vestindo uma saia, mas agora não é o momento para me preocupar com a vergonha.
Eu deixei a criança com os adultos que estavam por perto e mais uma vez faço um pedido irrazoável aos meus pés uma última vez.
Na noite daquele dia, Lilio e minhas amigas tiraram sarro de mim quando contei a elas sobre o senhor ágil. “A primavera finalmente chegou para Zena~”, elas disseram.
Mesmo se alguém tentasse me explicar, “amor” era uma coisa completamente alheia a mim. Agora, sempre que eu pensava nele, por algum motivo acaba sentindo vontade de sair correndo em uma corrida. Se amor for isso, acho que consegui então entender porque a Lílio, que é uma obcecada por romances, conseguia reagir tão rápido durante os treinos.
No dia seguinte, acabei de algum jeito decidindo sair usando saia. Não que houvesse qualquer razão particular nisso, mas eu achei que se antes de ir me tratar no templo, se passasse na frente da loja de livros que ele ajudou ontem, poderíamos acabar nos encontrando de novo… Mas esse pensamento é um segredo.
Quando acabei o encontrando mesmo, achei por um momento que isso fosse algo predestinado… ou eu estou exagerando? Lílio certamente iria fazer deboche disso dizendo “Crianças adoram brincar de coisas como destino, não é~♪”. Não tenho a menor dúvida.
Ele falou que as minhas roupas aleatórias eram “adoráveis”. Não posso esquecer de anotar isso no meu diário quando chegar em casa!
Eu salto para dentro da rua central enquanto bolando.
Correndo no meio dela, passei de raspão por entre as carruagens.
Deixarei para depois o meu pedido de desculpas ao cocheiro que começou a gritar de forma ofensiva para mim.
Deve haver um guarda dentro do portão da muralha interna, mas ter de esperar até que o meu fôlego retornasse seria vergonhoso, por isso recitei o feitiço [Sussurro] para informar o ocorrido.
— [Aqui é a Soldado Mágico Zena falando! Um “Púrpura” acaba de aparecer no distrito leste, 13ª praça, próxima à muralha externa!]
— Hã? Você está usando magia? Eu sou Mondo da unidade dos guardas do portão. Você tem certeza que se trata de um “púrpura”?
[Púrpura] era um termo militar referente a Demônios. Não era como se pudéssemos gritar no meio do dia “DEMÔNIO!” por aí.
— [Não há erro, eu confirmei pessoalmente. Por favor, envie reforços agora! Estou retornando para ajudar a evacuar os civis!]
— N-NÃO, ESPERE! NÃO VÁ SOZINHA!
Sem dar ouvidos às últimas palavras de Mondo-san, corri de volta para aonde Satou-san estava. De longe, o som de rugidos e construções sendo destruídas, podia ser ouvido da direção da praça.
Meu coração apertou, imaginando que o pior poderia ter acontecido.
Está tudo bem! — Eu gritava tentando persuadir a minha mente.
Nebiren-sama do Templo de Garleon também estava lá e ele era o melhor usuário de Magia Sagrada em toda Seryuu. Se for ele, mesmo que não possa derrotar um Demônio Superior, poderá ao menos ganhar tempo.
Eu conjurei novamente em mim o feitiço [Caminho do Vento], uma vez que o efeito já havia se expirado.
Também encorajei as minhas pernas a correr novamente.
Para estar de volta ao lado daquela pessoa.
Ele me deu uma flor de presente.
Uma linda e pequena flor-do-mel de fragrância suave.
Pergunto-me se ele sabe o significado dela na linguagem das flores.
Nós fomos ao redor pelas lojas que Lílio me ensinou. O senhor ágil ficou inesperadamente surpreso com cada pequena coisa que lhe mostrei e isso foi meio que divertido.
O trunfo na manga que guardei entre as coisas que Lílio me disse acabou saindo pela culatra, o que é uma pena, mas, antes que eu percebesse, nós já estávamos caminhando de mãos dadas. As ruas lotadas das quais sempre reclamei, só por hoje, teriam o meu agradecimento.
Isso seria o que as pessoas chamam de “um encontro”?
Na linguagem das flores, elas significa “O amor que começa a brotar”… Se ele soubesse disso…
Eu cheguei até a praça antes do que esperava, mas não tive tempo o bastante para ponderar. Isso porque, tudo que restava era uma imensa área vazia…
Em desespero, eu caí no chão…
No centro do terreno vazio, uma horripilante pedra negra se elevou do chão. Vozes de horror vinham de dentro dela.
Como se gritando em protesto, arrastei as minhas judiadas pernas até perto dali.
Se não me enganava, o Demônio tinha dito algo sobre um [Labirinto]. Não consigo entender a ligação entre um Demônio e um Labirinto, mas muito provavelmente Satou-san e os outros deveriam estar lá dentro.
Eu mesma estava pronta para adentrar nele, mas acabei parando na entrada ao ouvir as ordens dos comandantes que vinham à cavalo. Eles provavelmente eram a ajuda que solicitei ao guarda da muralha interna que contatei mais cedo.
Fui apontada pelo comandante para servir temporariamente como mensageira e garantir o perímetro da praça enquanto construíam o posto militar. Como eu era próxima a ele, acabei recebendo uma série de informações. A praça e as casas ao redor, pareciam ter sido sugados para o subsolo junto com as pessoas.
Estou certa de que o ágil Satou-san seria capaz de se refugiar em um local seguro.
Vamos acreditar nisso com fé por enquanto.
O Cônsul-sama que veio visitar o local depois da construção do posto militar, parecia bastante excitado, dizendo algo sobre um [Núcleo do Labirinto], mas eu não entendia do que ele estava falando.
Passados um dia inteiro, nós finalmente recebemos a ordem de invadir o labirinto e, é claro, eu também me voluntariei.
A minha vontade era a de correr para dentro dele o mais depressa possível, mas Lílio não soltava o meu braço. Embora mesmo fazendo isso, nada me garantiria uma posição na vanguarda.
Primeiro, nós asseguramos a primeira sala em que entramos. A partir daqui, o plano era avançar com a força principal sempre que uma nova área fosse assegurada. Apesar disso parecer excesso de segurança, na verdade esta era uma regra de ferro que deveria ser seguida ao marchar dentro de um labirinto.
Nós continuamos a avançar vagarosamente mesmo com toda a minha frustração, mas de repente, passos vieram na direção da gente.
Eu cuidadosamente confirmei o outro lado usando um espelho e…
MENTIRA! SATOU-SAN!?
Não conseguindo registrar o súbito golpe de sorte, acabei hesitando por um instante.
Não era para eu ter hesitado. No fundo da passagem, pude ver a figura de Satou-san sendo atacada por uma fera que saiu de trás da parede.
Eu me soltei do aperto de Lílio e, como se sob o efeito de uma mágica, saltei em direção a ele, como se estivesse voando e pousei bem na parede do canto da passagem.
A fera mordeu em direção ao Satou-san.
Tudo bem, ele se esquivou.
Minha cabeça ficou em branco, mas não era hora para isso. Eu recitei o feitiço [Martelo de Ar], explodindo para longe a fera. Esse golpe não tinha poder o bastante para derrotá-lo, mas ao menos iria fazer com que o monstro se afastasse dele!
Satou-san também foi pego na explosão de ar, mas os dois se separaram com sucesso. Antes que a besta tivesse a chance de atacar outra vez, Nebinen-sama conseguiu derrotá-la.
Como esperado dele!
Eu, que fiquei aliviada depois de ver o rosto de Satou-san, comecei a chorar enquanto o abraçava, sem querer soltá-lo. Mais tarde, Lílio tratou de rir de mim por causa disso como se fosse o problema de outra pessoa.
Mesmo depois de ter escapado de algo como um labirinto, Satou-san continuava agindo como o mesmo de sempre. Mas talvez isso significasse que eu também não deveria me preocupar muito.
Já que no dia seguinte seria a minha folga, eu deveria tratar de fazer alguma coisa deliciosa para ele logo pela manhã.
Provavelmente a Lílio irá tirar sarro comigo por causa disso, mas esse estilo de vida ordinário não era ruim de vez em quando.