O portão foi aberto acompanhando as palavras do sacerdote.
O portão preto fez um ruído estridente, e os mendigos que estavam morrendo de fome do lado de fora entraram de uma só vez.
Até parecia água fluindo para um esgoto.
Oliver também foi arrastado pela multidão e entrou na igreja, só conseguindo entrar na fila após alguns contratempos.
— Que bom. Parece que vamos conseguir pegar…
— Já faz um tempo desde que comi pão.
— Sim.
Os mendigos, que se alinharam, olharam para a pilha de pão e disseram uns aos outros.
Mas os sussurros não eram altos o bastante ao ponto de serem ouvidos.
Olhando para trás, todos estavam olhando para o homem que estava distribuindo pães e para o sacerdote encarregado.
Contudo, o sacerdote e a equipe da igreja expressavam desgosto, desconforto e uma sensação estranha de superioridade em relação aos mendigos.
Até parecia que expulsariam os mendigos se fossem ofendidos.
— Ei… Não encare eles — o mendigo velho abaixou a cabeça do Oliver e falou: — Abaixe a cabeça e olhe para o chão. Só para chão… Eles odeiam que pessoas como a gente olhe ou faça contato visual com eles. Não me culpe se você for pego.
Oliver abaixou a cabeça assim que ouviu isso.
Mas não resolveu sua curiosidade.
— Posso… perguntar uma coisa?
— Perguntar…? Seja breve — o mendigo velho olhou na direção do sacerdote e falou.
— Agora há pouco, você falou que existem outros motivos para distribuir pães… quais são?
— Quer… saber isso agora?
— Sim, por favor.
O mendigo resmungou diante do pedido educado, mas sincero.
Ele olhou para a fila diminuindo e então para o pé do sacerdote que estava ficando mais perto.
— Tá bom… Vou explicar mais tarde. Só mais tarde.
— Obrigado, sr. Botti.
— Esse idiota… Ugh, é estranho, mas é difícil recusar o que ele pede.
Enquanto isso, a fila diminuiu gradualmente, e logo chegou a vez do Oliver.
Oliver seguiu Botti baixando a cabeça e curvando as costas enquanto olhava para o chão.
Contudo, ainda podia ver a equipe e o sacerdote distribuindo os pães com um rosto cheio de desgosto.
É por causa da distância que ficou mais próxima? Os sentimentos de desprezo deles ficaram ainda mais vívidos.
— Cinco pessoas? Peguem.
Dez pães foram entregues aos cinco que estavam esperando.
Botti colocou os pães em um saco preparado de antemão e agradeceu ao sacerdote.
— Mallelujah. Obrigado. Obrigado. Você certamente será abençoado.
O sacerdote ficou parado sem responder.
Contudo, como se estivesse familiarizado com essa situação, Botti saiu da igreja com o seu grupo.
— Que alívio. Não tinha muito pão sobrando. Se tivéssemos chegado atrasados, então não teríamos conseguido nada.
— Com licença? O que acontece se o pão acabar?
— O que acontece… Qual o seu problema? Se a gente não ganhar pão, então só podemos voltar sem fazer nada… Você pergunta demais.
— Ughh… temos que voltar de mãos vazias?
— Sim. Eles não têm pão, então o que devemos fazer? Aí só podemos chupar os dedos. Você acha que acordamos e nos preparamos para ir antes do nascer do sol por nada? Não seja preguiçoso, mesmo que seja um mendigo. Caso contrário, vai ficar com fome e acabar morrendo.
— Hm… Entendi! — Oliver respondeu com um aceno de cabeça.
Claramente, os mendigos associados a Kent estavam longe de serem preguiçosos.
Gaita e Nariz Vermelho também mendigavam em um horário predefinido.
Os outros mendigos comuns coletavam lixo em todos os becos ou resíduos de alimentos para comer.
As pessoas, que pegavam tudo de graça, eram os Bastões que protegiam o covil dos mendigos.
Ao contrário do conteúdo do diário que via no escritório do Joseph, os mendigos de Kent eram muito diligentes e trabalhadores.
O livro descrevia os mendigos como criaturas tolas e gananciosas que estavam dispostas a cometer todos os tipos de crimes horrendos, como vender amigos por um centavo.
Portanto, eram bons recursos para um bruxo usar, mas a realidade que Oliver viu era diferente.
Era muito interessante a discrepância entre livros e realidade.
— Ah, parem todos — Botti parou subitamente e falou.
Ele olhou para fora e viu algumas pessoas andando ao redor.
— Ei… Parece que já faz um tempo desde que saímos do nosso território. Então vamos voltar.
— O quê? Vamos voltar?
— Sim, só ficaremos cansados se andarmos muito sem motivo. Temos que percorrer um longo caminho, então temos que nos mover agora.
Todos franziram a testa diante das palavras do Botti, mas ninguém foi contra.
Oliver já tinha visto isso algumas vezes antes.
Ao coletar lixo, os mendigos evitavam lugares lotados e se moviam principalmente pelo beco atrás dos lugares lotados.
Oliver se perguntou se era porque se tornariam alvos das pessoas se fossem pegos pelos olhares delas.
— Bora, andem logo. De qualquer forma, temos sorte de que todos ganharam pães, certo? Bora lá… Ah, claro. Oliver.
— Oi?
— Você perguntou antes sobre os outros motivos, né?
— Hum, sim.
— Só vou contar uma vez, então preste atenção. Você é um membro do nosso grupo, então só por isso vou te contar.
— Sim.
— É porque eles querem que o mundo saiba que são agentes de Deus e salvadores.
— Salvadores…?
— Sim, o pão é precioso para as pessoas que estão com fome. E os que recebem os pães não têm escolha a não ser ouvir aqueles que dão o pão… Além disso, também podem criar uma imagem boa de ajudar os pobres.
— Hum… mas parecia que o sacerdote não gostava da gente, então por quê?
— Ah… pelo visto é verdade, como o Nariz Vermelho disse, você tem uma visão muito boa.
— De acordo com o fluxo geral da organização, os indivíduos têm que seguir as regras, mesmo que não queiram. Tem muitas pessoas assim naquele lugar… Tem pessoas ainda piores que roubam os suprimentos de ajuda organizados para os pobres e os tomam para si mesmo.
— Sério…?!
Oliver exclamou em admiração diante do novo fato, que era óbvio.
A Paladina Joanna que viu antes era surpreendentemente pura e transparente, mas os sacerdotes eram mais diferentes externamente do que tinha pensado.
Claro, Oliver não conheceu todos os Paladinos e sacerdotes, mas de alguma forma viu através de alguns deles… Foi interessante.
Oliver se divertiu aprendendo os novos fatos.
A ironia das coisas o deixou curioso.
— Hm, como sabem disso tudo?
— Bem… não é nada demais. Estávamos apenas nos gabando, mas foi algo que ouvimos de alguém.
— De alguém?
— Do sacerdote…
— Sacerdote?
— Eu não sei se ele era um sacerdote de verdade, mas era assim que o chamávamos… Infelizmente ele está morto, mas nos tratou igualmente e nos ensinou um monte de coisas. Ele era um cara legal.
Oliver viu respeito nas emoções do Botti.
As mesmas emoções podiam ser vistas nos outros, o que era uma coisa rara.
Para Oliver, era estranho um morto ser respeitado, porque acreditava que era o fim assim que morresse.
Alguém falou em seguida como se fosse para provar isso.
— Eu não sei se o que ele disse era real ou não, mas, de qualquer jeito, era uma ótima pessoa. Ele nos ensinou a ter uma conversa com outros mendigos sem brigar e até trouxe Kent junto.
— O sr. Kent?
— Sim, na verdade, foi o sacerdote que trouxe Kent aqui. Ele ficou muito mais impertinente agora, mas sua personalidade não era normal no início.
— Sério?
— Sim. Ele parecia um cadáver e ficava com raiva e atacava todo mundo, mesmo com o menor toque. Mas ele é diferente agora.
A curiosidade do Oliver foi atiçada.
Ele era diferente agora, de modo que Oliver queria saber o motivo.
Botti interrompeu Oliver subitamente, que estava prestes a fazer mais perguntas.
— Qual é, vamos parar de falar disso, não vamos falar dos outros pelas costas, especialmente de mendigos como a gente. Não tem nenhum ser humano neste lugar que não tenha uma história. Parem de falar, todos.
Todos calaram a boca junto com Oliver, quando ouviram Botti.
Oliver achou que era uma pergunta delicada.
No entanto, queria de alguma forma resolver sua curiosidade.
Era como se quisesse coçar o lugar que estava coçando.
— Hm… O que é aquilo?
Oliver perguntou a um dos membros do grupo enquanto apontava para uma rua estreita um pouco longe.
Havia vários mendigos reunidos lá.
— Merda…?
— É o grupo do Freckle… — Botti falou baixinho.
Oliver ouviu falar do Freckle algumas vezes, mas não sabia exatamente quem era.
Deu uma olhada rápida neles para satisfazer sua curiosidade.
Havia muitas pessoas que pareciam tão ferozes quanto Punho Grande, e entre elas tinha um velho que segurava cães grandes.
A atmosfera estava sombria.
Pareciam mais bandidos do que mendigos. Além disso, alguns dos mendigos que pegaram pães da igreja estavam sendo roubados por eles.
Oliver os observou em silêncio.
— O que vamos fazer, Botti? Devemos voltar?
— Hm… Não, já chegamos muito longe e até fizemos contato visual. Pode ser mais perigoso se mostramos medo. Então, vamos seguir em frente com confiança.
Botti avançou com essas palavras.
Era óbvio que estavam fingindo ser fortes, e eles pareciam estar em uma situação muito mais perigosa.
De repente, Oliver se lembrou da hora em que conheceu Kent e que os homens que o seguiam também eram muito cautelosos com o Freckle.
— Parem aí. — Um homem com uma barba desgrenhada parou o grupo do Oliver.
Ele estava usando um chapéu rasgado.
— Precisam pagar a taxa de passagem aqui. Estão todos voltando da igreja, né? Passem pra cá metade da comida.
Uma atitude absurdamente imponente.
Botti protestou: — Moro aqui há mais de 30 anos, então não acredito que tenho que pagar taxas. O que isso significa?
— Hã…! Você é um mendigo já faz tanto tempo. E está até mesmo se gabando disso.
— Você também não é um mendigo?
— Não somos qualquer mendigo. Não coloquem a gente no mesmo grupo que vocês, sinto nojo só de pensar… De qualquer jeito, não tinha realmente nenhum dono deste beco até pouco tempo, mas agora é diferente. Vocês precisam pagar as taxas para passar.
— Como é que pode ter um dono para um beco?
— Tem um dono a partir de agora. É o nosso Freckle. O que estão fazendo? Querem que a gente tome tudo? Ou podem dar metade dos pães como o grupo anterior. Andem logo.
O mendigo acenou as mãos para ameaçá-los.
O comportamento dele se assemelhava ao da família Dominic. Mas Botti falou com coragem enquanto tremia de medo.
— Ei, como você se atreve.
— Espere um minuto.
Um velho que estava do lado do grupo do Freckle interveio.
Ele estava agachado com vários cães grandes ao lado dele.
Os cães fizeram sons de “raaar” quando foram acariciados.
O velho abriu a boca e falou: — Sacerdote… Não, vocês são da gangue do Kent?
Botti respondeu com pressa: — Sim, somos… Você não é o Cão Velho?
— Saquei, deixa eles passarem, Henry. Eles pertencem à gangue do Kent.
— Kent? Ah… aquele com um bastão e que já foi um Resolvedor?
— Sim, deixe eles passarem.
O mendigo Henry franziu as sobrancelhas e falou: — Kent do Bastão… Ao contrário do que ouvi, seus subordinados não são jovens, e todos eles parecem fracos. Especialmente, esse cara.
Henry falou enquanto apontava para Oliver.
Só pela aparência, parecia realmente verdade.
— Eles são da gangue daquele cara… Então só deixe eles passarem. Freckle ainda não quer bater de frente com ele.
As coisas pareciam estar indo bem, mas o mendigo Henry abriu a boca com insatisfação.
— Ah, também quero deixar esses caras passarem, mas não gosto do olhar desse coroa… — ele olhou para Botti e disse.
— Ainda se atreveu a me comparar com um bostinha como você, coroa.
— Não é verdade?
— Não somos canalhas como vocês. Que tal verificarmos agora, coroa?
Depois dessas palavras, os outros mendigos, que estavam observando a situação, começaram a cercar Botti e os outros com porretes e tacos.
— Ei… esqueceram as ordens do Freckle? O que estão fazendo?
— E se eu for fazer isso por vontade própria?
— Ha… Não é comigo. O que quer que você faça não tem a ver comigo. Faça como quiser…
O velho acariciou o cachorro ladrando e começou a fumar alguma coisa.
Henry falou enquanto inclinava a cabeça.
— Ei, ouviram isso? Façam o que quiserem.
De repente, eles foram cercados.
Todos ficaram muito tensos, só que um som de estalar de dedos foi ouvido naquele momento.
— Então, isso significa que eu também posso fazer o que quiser. Não é mesmo?
Kent apareceu do outro lado.