Nick bebeu seu café lentamente.
Era tão estranho.
Tinha um gosto bom, mas Nick não queria bebê-lo.
Parecia errado bebê-lo.
Depois de alguns goles lentos, Nick decidiu acabar logo com aquilo e engoliu o restante de uma vez.
Isso o fez se sentir muito melhor.
— Se importa se eu fizer uma pergunta? — Aria perguntou.
Nick ergueu uma sobrancelha.
Geralmente, Aria simplesmente fazia perguntas sem pedir permissão.
O fato de ela estar pedindo permissão agora significava que Nick provavelmente não gostaria da pergunta.
— Claro — ele respondeu de maneira neutra.
— Como era a vida nos Dregs? — Aria perguntou.
Nick se acalmou novamente.
— Bem ruim — Nick respondeu.
— Poderia me dar um exemplo? — Aria perguntou.
Nick deu várias respostas curtas, mas Aria continuou perguntando mais sobre os Dregs e a vida de Nick.
Demorou um tempo para fazê-lo sair de sua concha, mas, eventualmente, ele simplesmente começou a narrar sua história de vida desde quando vivia nos Dregs.
Aria ouviu, e quanto mais ela ouvia sobre a vida de Nick, pior se sentia por ele.
Ele tinha sido apenas uma criança.
É claro que Nick também contou a Aria sobre as coisas menos honrosas que teve que fazer.
A vez em que ele matou uma mulher acidentalmente depois que ela roubou seu dinheiro.
A vez em que aceitou dinheiro de uma das gangues para assassinar alguém de outra gangue.
A vez em que roubou uma das maiores lojas nos Dregs.
A vez em que trouxe de volta uma criança que tinha fugido de casa.
Essa última provavelmente tinha sido a pior, já que a criança parecia ter ficado petrificada de medo assim que viu Nick a entregando de volta ao pai.
Todos evitavam aquele pai, pois ele parecia muito instável.
As gangues também não estavam interessadas em trabalhar com ele.
Foi assim que o trabalho acabou chegando até Nick.
Nick tinha matado quatro pessoas no total enquanto vivia nos Dregs, mas devolver aquela criança ao pai dela era o que mais pesava em sua consciência daquele tempo.
Eventualmente, Nick falou sobre a primeira vez que conheceu Albert.
Naturalmente, Nick não contou a Aria sobre sua habilidade.
Sempre que falava sobre algo relacionado a ela, dizia que não podia entrar em detalhes.
Aria sabia apenas duas coisas sobre a habilidade de Nick.
Primeiro, ela lhe dava um poder tremendo sob circunstâncias muito específicas.
Segundo, era incomum o suficiente para que um Perito se interessasse por ela.
Por fim, Nick começou a falar sobre Wyntor.
Aria tinha perguntado apenas sobre os Dregs, mas também demonstrou interesse nas outras partes da vida de Nick.
Quando ouviu sobre como eles capturaram o Sonhador, ela ficou impressionada.
Nick tinha demonstrado uma tremenda força de vontade e resiliência.
O humor de Nick estava relativamente bom até esse ponto.
Então, sua narração desacelerou, e ele ficou sombrio.
Horua.
No fim, Nick decidiu contar a Aria sobre Horua.
Desde o início, Aria conseguia ver aonde isso ia dar.
Havia um bom motivo pelo qual nenhum Fabricante considerava pessoas com menos de 14 anos ao contratar novos Extratores.
Ainda mais, raramente um jovem de 14 anos passava pelo processo de seleção.
Enquanto isso, Nick estava jogando um garoto de onze anos na frente de um Espectro.
A única razão pela qual Nick conseguiu trabalhar com Espectros naquela idade foi porque ele já tinha passado por tanta merda.
Tanto literal quanto figurativamente.
Um garoto de onze anos simplesmente não poderia trabalhar com um Espectro.
No entanto, na mente de Aria, Wyntor tinha ainda mais responsabilidade que Nick.
Nick tinha sido um ignorante.
Enquanto isso, Wyntor tinha recebido a melhor educação disponível na cidade e estudado especificamente como administrar um Fabricante.
Não havia como Wyntor não prever o que estava prestes a acontecer.
E, em vez de avisar Nick, ele permitiu que Nick seguisse em frente.
Eventualmente, Aria nem precisou mais fazer perguntas, pois Nick apenas narrava sua vida para ela.
Naturalmente, não havia motivo para manter segredo sobre as coisas ilegais.
Essas coisas tinham acontecido há tantos anos, e Aria provavelmente tinha feito coisas piores.
— Ardum Melfion — Aria repetiu enquanto Nick falava sobre o conflito da Sonho Sombrio com o Cycle. — Acho que ele trabalha para nós agora.
— Ele trabalha? — Nick perguntou.
Aria assentiu. — Vi o arquivo dele há algumas semanas. Ele ainda é um João. Acho que não tem força de vontade para passar pela Zetose.
Nick pensou em Ardum.
Ele sempre desejou se vingar de Ardum por seu comportamento horrível.
No entanto, essas coisas tinham acontecido há tanto tempo.
No fim, Nick simplesmente não se importava o suficiente para fazer qualquer coisa.
No máximo, pediria uma verificação de corrupção nele.
Ardum também tinha sido bastante jovem naquela época.
Talvez ele tivesse mudado para melhor.
Por fim, Nick falou sobre Vernon.
— Foi você quem o matou? — Aria perguntou.
Nick não viu razão para esconder e assentiu.
Aria não ficou surpresa.
— Por quê? — ela perguntou.
Nick queria dizer que só tinha feito isso para se proteger, já que Vernon sabia sobre sua habilidade.
No entanto, Nick percebeu que estava apenas mentindo para si mesmo.
Essa não era a verdadeira razão.
— Eu o odiava — Nick disse. — Ele constantemente pedia para Markus aumentar o imposto de sangue. Quando Wyntor morreu, ele estava muito mais interessado nas ações da Sonho Sombrio do que em encontrar o assassino de Wyntor. Ele criou um monstro como Ardum. Ele sempre agia como um cara legal e depois simplesmente apunhalava você pelas costas com um sorriso.
— Eu o odeio.
Surpreendentemente, Aria riu um pouco. — Consigo entender seu ponto de vista. O único dos filhos dele que chegou a algum lugar foi Samar, e ela sempre agiu de maneira bastante curta e fria com o pai. Eles trabalhavam juntos na superfície, mas não era difícil perceber a animosidade que ela sentia por ele.
— Era bom trabalhar com Vernon, já que ele era muito confiável, mas eu sempre soube que nunca queria levar nosso relacionamento além do nível de colegas.
Os dois continuaram conversando, e, eventualmente, Nick chegou ao ponto em que foi emboscado em sua casa.
Nick hesitou por um momento e olhou para Aria.
Enquanto a olhava, ele de alguma forma se sentiu… em paz.
Sentiu que podia contar para ela.
Mas, ao mesmo tempo, também ficou um pouco nervoso.
Ele tinha medo de perder sua única amiga.
No fim, Nick suspirou e contou para Aria.
Sobre os Spartans…
E sobre o Mar Carmesim.
Aria precisou respirar fundo algumas vezes.
Isso com certeza era algo grande.
Ela também pôde ver o quão terrível Nick se sentia ao falar sobre o Mar Carmesim.
— E você está se culpando por isso? — ela perguntou.
— Fui eu quem o libertou — Nick disse.
— Você libertou um Adolescente, Nick — Aria disse.
— Assim que ele escapou, vários Peritos, Especialistas e até mesmo Markus se reuniram em frente ao prédio.
— Ninguém poderia ter previsto como as coisas aconteceriam.
— Ninguém sabia que ele poderia absorver Espectros.
— Ninguém sabia que havia um buraco no chão.
— Ninguém sabia que ele desenvolveria uma habilidade de névoa aterrorizante capaz de matar milhares de pessoas.
— Sim, nada disso teria acontecido sem suas ações, mas você não foi o único que falhou.
— Muitas pessoas falharam naquele dia, e todas elas compartilham parte da culpa.
— Imagine uma criança irritada que joga a garrafa de álcool do pai contra a parede. A garrafa acerta a parede de tal maneira que a casa inteira desaba, matando toda a sua família no processo.
— Você diria que a criança deveria ser executada por assassinar várias pessoas? — Aria perguntou.
Nick conseguia entender o ponto de vista de Aria.
No entanto, isso não mudava seus sentimentos.
Sem suas ações, todas essas pessoas ainda estariam vivas.
Por que elas se importariam com o fato de que Nick não queria matá-las?
No fim das contas, ele foi a razão de suas mortes.
Ainda assim, Nick se sentiu aliviado por Aria não odiá-lo.
Eventualmente, Nick falou sobre Julian e tudo o que veio depois.
Os dois já estavam conversando havia várias horas, e Aria genuinamente se interessou pela vida de Nick.
Depois de ouvir tanto sobre ele, ela também passou a entendê-lo muito melhor.
Suas ações faziam muito mais sentido agora.
No entanto, ela também conseguia ver como as ações de Nick eram erradas.
Ele estava essencialmente se matando com seu fanatismo para alcançar seu objetivo.
Aria tinha vivido por muito tempo e era muito experiente.
Ela sabia que, mesmo que Nick conseguisse salvar milhões de pessoas…
Sua culpa não diminuiria nem um pouco.
Na verdade, talvez até aumentasse.
Nick estava em um caminho de autodestruição.
No entanto, Aria também sabia que não poderia simplesmente começar a falar sobre essas coisas.
A mentalidade de Nick havia sido moldada ao longo de décadas, e mudá-la levaria muito tempo e muitas conversas pequenas.
Aria queria ajudar Nick.
Nick tinha feito tanto pela Cidade Carmesim.
“Embora, essa não seja a verdadeira razão, né?”, Aria pensou com uma risada autodepreciativa.
Aria olhou para Nick, que retribuiu o olhar.
“Melhor mergulhar de cabeça logo”, Aria pensou.
— Nick — Aria disse.
— Sim? — Nick perguntou.
— O que você pensa sobre romance?