Gravis não tinha certeza de como deveria se sentir naquele momento.
Joyce definitivamente havia se tornado alguém que não podia mais ser salva, e suas ações eram mais do que suficientes para justificar sua morte.
Ainda assim, Gravis simplesmente não conseguia esquecer a jovem que havia conhecido naquela época.
Joyce havia viajado pelo mundo inferior distribuindo presentes para, eventualmente, receber algo em troca.
Quando Gravis encontrou Joyce novamente em seu Clã, o início foi difícil, mas ela até conseguiu convencê-lo, de certa forma, de que ele estava fugindo de suas emoções.
Joyce havia sido uma garota muito gentil naquela época, e até tinha dificuldades em aceitar quando alguém morria diante dela. Ela via essas mortes como desnecessárias.
No entanto, esse era exatamente um dos motivos que havia atraído Gravis para ela.
Gravis estava em um lugar sombrio naquela época e agia como um adolescente cínico. Ele constantemente dizia a todos o quão difícil sua vida era e quantas coisas ruins haviam acontecido com ele.
De certo modo, Joyce tinha sido uma luz pura e inocente em um mundo de escuridão opressiva para Gravis. Ela possuía algo que Gravis havia perdido.
Eles até prometeram um ao outro que ficariam juntos quando chegassem ao mundo mais elevado.
Infelizmente, ambos haviam mudado drasticamente, e já não eram mais compatíveis.
Mortis compartilhava essas mesmas memórias, e talvez esse fosse um dos motivos pelos quais ele se sentiu atraído por Joyce.
Se Joyce e Mortis não tivessem se encontrado antes, talvez nunca tivessem ficado juntos. Eles nem sequer eram realmente tão compatíveis.
“Talvez sua pureza extrema naquela época tenha resultado no extremo oposto”, Gravis pensou com um suspiro. “Sua inocência jamais poderia ter sobrevivido até agora, mesmo que ela tentasse preservá-la.”
A morte de Joyce fez Gravis refletir, mas ele não teve nenhuma grande reação emocional.
Era como se Gravis já tivesse aceitado há muito tempo que Joyce eventualmente morreria dessa forma.
Por causa disso, sua mente rapidamente voltou-se para as mortes de seus outros amigos.
Liam, Styr, Sary, Skye, Yi Lu, Siral.
Todos eles se foram.
— Você não deveria se sentir culpado, pai — disse Aris ao lado de Gravis. — Eles fizeram suas escolhas e sabiam do perigo.
— Mas foi apenas uma chance — Gravis disse, olhando para o cadáver de Joyce à distância. — Todos acreditam que não vão morrer. Afinal, nunca aconteceu antes. Sabemos, em nossas mentes, que podemos morrer, mas nossas emoções não aceitam verdadeiramente essa possibilidade.
— Tivemos tantas experiências próximas da morte que isso se tornou algo normal. Estar perto da morte se tornou tão comum que já não parece tão perigoso. Passamos por isso inúmeras vezes e sempre conseguimos sobreviver.
— Eles teriam lutado se soubessem que certamente morreriam?
Aris não respondeu.
— Nossa prioridade principal é a sobrevivência e o poder — acrescentou Gravis. — Não tenho problemas em arriscar minha vida por qualquer um de vocês, mas se tivesse que sacrificá-la, não sei se poderia fazer isso por ninguém, nem mesmo por você e Stella.
Gravis olhou para Aris.
— Diga-me, você sacrificaria sua vida por mim? — Gravis perguntou.
Aris suspirou e balançou a cabeça.
Por algum motivo, ele se sentiu culpado ao dar sua resposta.
Gravis percebeu e colocou a mão no ombro de Aris.
— Não se sinta culpado. Somos Cultivadores e buscamos poder para podermos sobreviver. Eu não quero que você sacrifique sua vida por mim. Não há motivo para se sentir culpado.
— Os mortais podem não entender, mas para nós, Cultivadores, é diferente. Passamos por tanta dor e vivemos por tanto tempo que não podemos simplesmente desistir agora. Quanto mais sobrevivemos, mais investimos. Sobreviver atingiu um nível de importância insondável para nós.
— Os únicos Cultivadores que podem sacrificar suas vidas por outra pessoa são aqueles que desistiram do caminho para o poder — Gravis explicou.
Aris ouviu as palavras de Gravis, e sua culpa desapareceu.
Ele não deveria se sentir culpado por sentir exatamente o que todos os outros sentiam.
Dez segundos de silêncio se passaram enquanto Aris refletia sobre as palavras de Gravis.
— Como é possível que, mesmo com nossa diferença de idade sendo insignificante agora, você ainda consiga me ensinar essas coisas? — Aris perguntou com um leve sorriso.
Gravis também sorriu levemente.
— Ensinar não é necessariamente um superior instruindo um inferior. Um Ferreiro pode ensinar um Alquimista sobre forja, e um Alquimista pode ensinar um Ferreiro sobre alquimia.
— Cada um passou por experiências diferentes em suas vidas e aprendeu lições distintas. No nosso caso, eu simplesmente sei muito sobre Senciência e, por extensão, sobre a vida inteligente. Essa é simplesmente a minha especialidade — explicou Gravis.
— E não raios? — Aris perguntou com um sorriso.
Gravis riu um pouco.
— Sei muito sobre raios, mas isso vem, principalmente, da disposição do meu Espírito. Se eu não tivesse a habilidade de absorver Raios Celestiais diretamente, você saberia mais sobre raios do que eu. Afinal, você até possui uma Lei de Batalha nível sete para raios. Eu não tenho uma.
Aris ficou um pouco surpreso ao ouvir isso, mas logo percebeu que Gravis estava certo.
Aos olhos de Aris, a utilização e o conhecimento de Gravis sobre raios sempre haviam sido muito superiores aos seus. Ele ainda se lembrava de quando Gravis lhe mostrou como usar raios corretamente e, até hoje, Gravis conhecia a Lei nível nove do Raio Celestial.
No entanto, se não fosse por essa habilidade, Aris seria superior a Gravis nesse aspecto agora.
De certo modo, Aris havia superado Gravis nesse campo.
Ele percebeu que realmente havia se tornado poderoso.
Ele até havia superado seu pai em um de seus campos mais fortes.
Porém, Aris também sabia que isso não significava muito. No fim, a Força de Batalha era o que mais importava, e ele sabia que não podia se comparar a Gravis.
— Quais são as novas posições na Seita? — Gravis perguntou, mudando de assunto. — Liam morreu. Você tem um novo Vice-Mestre da Seita?
Aris assentiu.
— Latus Passus — disse. — Latus Passus ainda é mais poderoso do que eu, já que conhece duas Leis nível sete, e ele é o candidato perfeito.
— Faz sentido — comentou Gravis.
Involuntariamente, Gravis pensou nas pessoas que ainda conhecia dentro da Seita Miríade.
Manuel, Dorian, Ferris, Azure, Stella, Aris, Latus Passus, Exar.
Eles eram os que ainda restavam.
Ao refletir sobre isso, Gravis percebeu que ainda tinha muitos amigos. Seis haviam morrido antes, o que era um número alto, mas ainda restavam oito.
Com esse pensamento, Gravis percebeu que não estava realmente sozinho.
Ouvir sobre a morte de todos os seus amigos havia despertado sentimentos sombrios dentro dele, mas parte desses sentimentos desapareceu quando ele pensou nos amigos que ainda restavam.
Além disso, Gravis havia acabado de se recuperar de sua Aura do Pecado. Sua vida finalmente poderia voltar ao normal, e a Seita Miríade poderia se recuperar gradualmente.
A longa guerra havia terminado.
As Auras de Vontade de quase todos os discípulos estavam um nível acima de seus Reinos, ou até mais.
A parte difícil havia passado, e agora era hora de se concentrar nas Leis e no Reino.
Um longo período de paz era necessário.
No entanto, as outras Seitas permitiriam que a Seita Miríade tivesse paz?
A Seita Miríade estava em seu momento mais fraco e precisava de tempo para se recuperar.
Gravis olhou para a distância, e uma luz fria brilhou em seus olhos.
“Eles sofreram por mim, e eu não deixarei que sofram ainda mais”, pensou Gravis.
— Manuel — Gravis disse.
— Sim? — Manuel perguntou. Ele ainda estava imerso em pensamentos sobre o assassinato de Joyce.
— Aceite-me na Seita Miríade — Gravis disse.
Os olhos de Aris e Manuel se arregalaram de choque.
— Eu darei a vocês tempo suficiente para crescer.