Gravis não sabia exatamente como deveria se sentir. Ele havia acabado de perceber que os filhos que gerou e amou por milhões de anos, na verdade, nunca existiram.
Ainda assim, por outro lado, parecia natural não ter fortes laços emocionais com coisas que não eram reais.
Era como um longo sonho.
— Como foi? — Mortis perguntou ao lado.
Gravis olhou para Mortis com um sorriso amargo. — Exatamente como você pensaria. No entanto, realmente não sinto muito apego às coisas que experimentei e às pessoas que conheci. Parece mesmo um sonho.
Mortis respirou fundo.
Ele sabia que a personalidade de Gravis era muito estável e que ele não teria problemas com isso.
Mas e Mortis?
Ele reagiria com tanta calma?
— Agora é a sua vez — Orthar disse a Mortis. — Está pronto?
Mortis respirou fundo mais uma vez e assentiu.
Orthar acenou com a cabeça e estendeu a mão na direção de Mortis.
Então, os olhos de Mortis ficaram vazios.
Gravis observou Mortis com interesse.
— Achei que isso fosse instantâneo — Gravis comentou.
— Só posso fazer o tempo avançar até certo ponto — Orthar explicou. — Samsara não precisa inventar coisas. Todas as realidades percebidas já existem, e ele apenas as reproduz. É por isso que Samsara é instantânea.
— Em comparação, eu preciso gerenciar continuamente a realidade percebida que Mortis está experimentando. Só posso acelerá-la até certo ponto sem comprometer a administração do próprio Cosmos — Orthar explicou.
— Huh, então nem mesmo você pode fazer tudo — Gravis acrescentou com um sorriso de escárnio.
— Claro que não — Orthar disse. — Não sou um ser onipotente. Sou um Cultivador, assim como você e todos os outros. A única diferença é que você pode criar vida através da procriação, enquanto eu posso criar um Cosmos. Não é tão diferente. Apenas acontece em uma escala maior.
— Certo, então quanto tempo Mortis vai levar? — Gravis perguntou.
— Cerca de cinco anos. O mesmo tempo que levou para você.
— Cinco anos? Isso é bem rápido — Gravis respondeu.
Orthar permaneceu em silêncio por alguns segundos.
— O que você sentiu no final da sua realidade percebida? — Orthar perguntou de repente.
— Muito arrependimento — Gravis respondeu imediatamente. — Mas isso é natural. De qualquer forma, quero cultivar, e desde o início sabia que não ficaria realmente feliz se as coisas acontecessem dessa maneira.
— Claro, viver uma vida plena com todos os meus amigos e família é ótimo, mas simplesmente é muito curto. Quero cultivar, mas, quando estive na realidade percebida, parecia que eu simplesmente aceitei que não cultivaria mais.
— Agora que estou acordado, isso parece tão estúpido. Por que eu simplesmente não continuei cultivando? Isso teria resolvido todos os meus arrependimentos — Gravis disse. — De certa forma, sinto que nunca tive a chance de fazer o que queria, o que faz com que todo o sonho pareça surreal. É como se outra pessoa tivesse vivido a minha vida.
Orthar assentiu. — Essa é uma boa resposta. Alguém com fortes convicções não se apega ao sonho, já que ele força você a fazer algo que, no fundo, não quer fazer. É por isso que o sonho praticamente não teve efeito sobre você.
— E quanto ao Mortis? — Gravis perguntou.
Orthar apenas olhou para Mortis.
— Hã? — Mortis murmurou confuso ao abrir os olhos.
Ele estava sentado em um belo penhasco.
— Ei, você está prestando atenção? — Azure perguntou com uma carranca. — Você disse que queria ver o pôr do sol.
— Ah, sim, certo, desculpa — Mortis respondeu rapidamente conforme suas memórias retornavam.
Agora ele era um ser independente.
A sobrevivência de Gravis não dependia mais de Mortis.
Além disso, o Opositor e Orthar haviam superado suas diferenças.
Gravis decidiu continuar cultivando com Stella, enquanto Mortis escolheu parar.
Mortis havia planejado assistir ao pôr do sol junto com Azure para comemorar seu futuro.
Finalmente, nunca mais precisariam se separar.
Quando as memórias retornaram a Mortis, ele sentiu uma profunda calma.
O sonho que ele havia tido no passado finalmente se tornou realidade.
Ele não precisava mais temer o futuro, pois, de agora em diante, ele e Azure passariam o tempo juntos.
Os dois passaram muitos dias no penhasco, apenas ao lado um do outro. Nenhum dos dois falou durante todo esse tempo. Em comparação com Stella e Gravis, Mortis e Azure eram mais reservados.
Bem, pelo menos enquanto Azure não tivesse algo para reclamar. Assim que tivesse, ela não parava.
Mortis e Azure simplesmente apreciavam estar na companhia um do outro.
Eventualmente, os dois se mudaram para a Cidade Opositora. Não queriam permanecer na Seita Fogo Eterno, já que não cultivariam mais. Permanecer no mundo do Cultivo só traria perigo, e tudo o que desejavam era paz.
Mortis e Azure viajaram por todo o mundo, observando as diferentes maravilhas da natureza.
No passado, Mortis não se interessava por seres mais fracos, mas, assim que decidiu parar de cultivar, começou a vê-los com outros olhos.
Era fascinante como os instintos de animais e bestas jovens e fracas funcionavam. Isso quase o intrigava.
Além disso, Mortis começou a achá-los fofos e adoráveis.
— Vamos ter alguns filhos — disse Azure em certo momento.
Foi então que Mortis percebeu que todos esses pensamentos sobre seres simples e fracos eram, na verdade, uma manifestação de seu desejo de ter filhos.
— Sim, vamos — respondeu Mortis.
Azure já tivera muitos filhos, mas esses novos seriam completamente diferentes dos anteriores.
Naquela época, Azure não tinha qualquer apego emocional por seus filhos, mas agora as coisas eram diferentes.
Logo, Azure e Mortis viram sua primeira ninhada de filhos e os observaram à distância. Como Azure era uma besta e Mortis contava como meio besta, os filhos nasceram com corpos de besta, assim como os três filhos anteriores de Gravis.
Mas, desta vez, Azure e Mortis olharam para seus filhos juntos.
Eventualmente, eles os encontraram e, assim como da última vez, as crianças não sentiam nenhum tipo de amor familiar por eles.
No entanto, Azure e Mortis já estavam acostumados com isso.
Eles apenas precisavam estar presentes para eles.
O amor era um sentimento altruísta, e não se importavam que seus filhos basicamente os ignorassem.
Azure também fora assim no passado, e acabou mudando.
E, como esperado, enquanto alguns morreram, outros conseguiram se tornar Deuses Estelares.
Os que conseguiram se tornar Deuses Estelares pediram desculpas a Azure e Mortis por sua conduta anterior, e Azure e Mortis aceitaram o pedido de desculpas.
Então, um dia, chegou o momento dos dois se tornarem Deuses Ancestrais.
Quando aconteceu, Mortis sentiu-se um pouco nervoso.
“Tenho apenas 13 milhões de anos no total restantes, três milhões como Deus Ancestral e dez milhões como Deus Divino”, pensou Mortis.
“Ainda tenho uma vida longa pela frente.”
“No entanto, em algum momento, ela chegará ao fim.”
Azure e Mortis passaram o tempo juntos com sua família e, eventualmente, chegou a hora de se tornarem Deuses Divinos.
“Cerca de cinco milhões de anos da minha vida total já passaram, e restam dez milhões.”
“Ainda sou jovem.”
Porém, conforme o tempo passou, Mortis começou a sentir-se mais nervoso.
Então, à medida que os anos passavam e a morte se aproximava, Mortis sentiu cada vez mais arrependimento.
“Tenho tão pouco tempo restante. Já vivi por tanto tempo, e só resta esse pequeno fragmento de tempo.”
A morte estava se aproximando.
Nos últimos anos, Mortis e Azure apenas se abraçaram.
Eles não queriam se soltar.
Queriam ficar juntos para sempre.
No entanto, não podiam.
Sempre que alguém experimentava um período de felicidade com tempo limitado, olhava para o fim. Férias escolares e viagens eram assim.
Assim que começavam, as pessoas já olhavam para o fim, sabendo que ele viria.
Então, conforme o tempo passava, mantinham em mente quanto tempo ainda restava.
E, à medida que o fim se aproximava, a pessoa começava a se sentir pior.
Mortis ainda não estava pronto.
Ele ainda queria passar muito mais tempo com Azure e sua família.
Porém, não havia mais tempo.
“Valeu a pena?”, Mortis perguntou a si mesmo enquanto olhava para sua família e Azure.
“Eu poderia ter tido tudo isso com mais tempo.”
“Se eu pudesse me tornar um Quebrador do Céu, nosso tempo não precisaria acabar.”
“Poderíamos ficar juntos, para sempre.”
“Por que a vida é tão curta?”
Eventualmente, Mortis e Azure morreram, e Mortis chorou.
“Por que joguei fora minha chance de felicidade eterna por uma felicidade fácil e temporária?”, perguntou-se em arrependimento.
“Eu não quero morrer!”
— Hã? — Mortis murmurou de repente, enquanto a luz voltava a seus olhos.
Seu sonho percorreu sua mente, e Mortis sentiu um buraco negro se abrir em seu peito.
Para ele, o sonho fora muito mais real do que para Gravis.
Por quê?
Porque Gravis fora forçado a tomar essa decisão, o que o fazia sentir-se desconectado. Era como se não tivesse sido ele quem vivera essa vida.
Em comparação, Mortis realmente considerara parar de cultivar. A desconexão que Gravis sentia não existia para Mortis.
Mortis se lembrou de toda a felicidade que sentira com Azure e sua família.
Fora tão curta.
Além disso, Mortis percebeu que sua família nunca fora real.
Um sombrio sentimento de perda surgiu dentro de Mortis, mas não foi esmagador.
Ainda parecia um sonho, apenas um sonho mais realista.
— Você sonhou até o fim do seu caminho alternativo — disse Orthar, chamando a atenção de Mortis para si.
— Você considerou trilhá-lo, e agora o percorreu. Eu não alterei sua percepção da realidade de nenhuma maneira.
— Diga-me, o que sente? — Orthar perguntou.
Mortis ficou em silêncio por um longo tempo.
— Arrependimento — disse Mortis. — Eu queria poder ter as coisas do meu sonho, mas para sempre.
— Agora você tem essa chance — disse Orthar. — De certa forma, você recebeu uma segunda chance na vida. Agora sabe do que irá se arrepender. Trabalhe para um futuro onde esses arrependimentos não existam.
Mortis respirou fundo.
Ainda estava um pouco abalado pelo sonho, mas também sentia-se animado por poder corrigir seus arrependimentos.
Ele não queria mais sentir aquela sensação de temor crescente.
Ele queria viver para sempre e ser feliz para sempre.
— Obrigado, Orthar — disse Mortis.
Orthar assentiu.
— O segundo teste foi concluído. Tirem 10.000 anos para se recuperar. Então, poderão entrar no terceiro teste.
E Orthar desapareceu.