Gravis já havia recuperado sua calma. — Sabe de uma coisa? — perguntou Gravis. — Você está certa.
Joyce foi pega de surpresa pela rendição repentina. Gravis não deveria defender seu ponto de vista um pouco mais?
Gravis desviou o olhar e começou a coçar o queixo, pensativo. — No entanto, não completamente. Tenho que admitir que você está certa no sentido de que meu distanciamento frio é uma escolha, mas nem sempre foi assim. Antes de eu atingir o Reino da Formação do Espírito, minha frieza não era uma escolha, mas uma necessidade. Contudo, você tem razão ao dizer que é errado afirmar que não tenho controle sobre minha frieza na situação atual.
Joyce franziu a testa. — O que você quer dizer?
Gravis voltou a olhar para ela. — Você se lembra de quando eu disse que era importante que você me entregasse a Matriz de Barreira em uma troca justa?
Joyce assentiu.
— Isso era porque o Céu é meu inimigo, e ele tentou me forçar ao isolamento. Matou todos com quem eu me aproximei. Comparado ao seu método de refinamento, não havia algo como chance de morrer ou refinar. No meu caso, era uma sentença de morte certa.
Joyce olhou para Gravis com ceticismo. — Uma afirmação bem ousada, mas como você ainda está vivo se o Céu era seu inimigo? Afinal, ele poderia simplesmente te fulminar.
Gravis suspirou, sabendo que isso levaria um tempo para explicar. — Eu não sou deste mundo.
Os olhos de Joyce se arregalaram. — O que você quer dizer?
Então, Gravis contou a Joyce que vinha de um mundo superior e que seu pai tinha uma enorme inimizade com o Céu. Isso o havia implicado, e o Céu deste mundo inferior tentou de tudo para matá-lo ou impedi-lo de cultivar. Ele não descreveu o conceito de Sorte Cármica e apenas disse que o Céu mataria todos com quem ele se aproximasse. Afinal, isso não era uma mentira. Ele também contou que foi seu pai quem impediu o Céu de destruí-lo diretamente.
— Naquela época, eu não tinha escolha a não ser me tornar cruel e frio. Se alguém gostasse de mim e decidisse me ajudar, isso só acabaria com a morte dessa pessoa pelas mãos do Céu. Isso não é refinamento. Minha única chance era fazer com que os outros me odiassem — disse Gravis.
Agora, Joyce também havia se acalmado. Ela havia mostrado que a visão de Gravis sobre ela ser uma garota mimada estava errada, e agora Gravis mostrava que sua situação também não era simples. No fim das contas, ambos perceberam que haviam julgado o outro sem conhecer todos os detalhes.
— Então — Gravis continuou. — Você está certa no sentido de que minha frieza é uma escolha, mas essa escolha não foi ativa até eu perceber que nada aconteceu com Lasar ou com o Velho Relâmpago. Só percebi o motivo de nada ter acontecido com eles depois que parti para o Clã Freya.
Quando Joyce ouviu isso, soltou um suspiro. — Desculpe por te julgar sem saber de todos os detalhes.
Gravis olhou para ela e sorriu pela primeira vez desde que entrou no quarto. — O mesmo vale para mim. Eu não deveria ter presumido que sua vida foi fácil. — Então, Gravis olhou pela janela. — Os cultivadores ainda em progresso no Clã Freya são muito poderosos por si só.
— Ainda em progresso? — Joyce perguntou, desanimada. — Só eles?
Gravis voltou-se para ela novamente. — Assim que alguém desiste do caminho do cultivo, nunca mais se tornará mais forte. Comparado aos mundos superiores, cada pessoa neste mundo inferior poderia ser considerada fraca. No entanto, cada pessoa tem o potencial de se tornar verdadeiramente poderosa, desde que continue em seu caminho. Mas as pessoas que já desistiram nunca terão essa chance.
— Então, no final, você só se importa com a força — comentou Joyce secamente.
Gravis assentiu. — Isso pode ser apenas a minha opinião e não a verdade absoluta, mas acredito que todos desejam liberdade. Esse é meu objetivo final. Quero me tornar tão poderoso que ninguém possa ferir meus entes queridos ou a mim novamente. No entanto, esse objetivo está muito longe. Até lá, tenho que viver com o conhecimento de que qualquer pessoa próxima de mim pode morrer a qualquer momento.
Pela primeira vez, Joyce também esboçou um leve sorriso. — Então, no fim das contas, seu objetivo de liberdade não é só para você, mas também para seus entes queridos.
— Sim, é — disse Gravis. — Mas até lá, não posso construir muitos relacionamentos ou conexões com outras pessoas.
Joyce franziu a testa. — Mas você concordou que sua frieza é uma escolha. Por que ainda pretende se distanciar dos outros?
— Porque eu tenho uma escolha — disse Gravis, fazendo Joyce franzir as sobrancelhas. — Se eu construir muitas conexões, o Céu pode usar todas elas para me forçar a parar de cultivar. Imagine um cenário onde o Céu te diga que você precisa parar de cultivar ou ele matará todos da sua família. O que você faria?
Joyce pensou nisso, e seu interior estremeceu. Ela nunca havia pensado em um cenário assim porque era algo cruel demais para ser real. Quem faria algo assim? No entanto, após ouvir a história de Gravis, não podia negar a possibilidade de algo desse tipo acontecer.
Joyce respirou profundamente, com dificuldade. — Acho que eu pararia de cultivar — disse ela.
Gravis assentiu e olhou novamente para o Clã Freya. — Eu não sei como escolheria em uma situação dessas, porque nunca estive em algo assim. Mas a possibilidade de eu parar de cultivar é muito real. Não posso arriscar que isso aconteça.
— Mas algo assim só aconteceria quando você se tornasse uma ameaça ao Céu do seu mundo natal — disse Joyce. — As chances de isso acontecer são quase inexistentes. Por que passar por tanta dor por uma chance praticamente nula de isso acontecer?
— Porque meu objetivo é o topo, e meu objetivo é mais importante que qualquer outra coisa — disse Gravis com determinação. — Esse é meu pensamento atual, e mesmo que eu mude no futuro, sei que me arrependeria para sempre se parasse de cultivar.
Gravis olhou em seus olhos. — Até recentemente, eu tive muitos arrependimentos. Matei um grande amigo e mentor há cerca de dois anos e meio atrás. Isso pesou muito na minha mente, e a culpa se manifestou em arrependimento. Mas aprendi a aceitar o mundo como ele é, e posso dizer com certeza que estou vivendo sem arrependimentos agora. Se eu não fizer tudo pelo meu objetivo, voltarei a viver com arrependimentos, e não quero que isso aconteça.
Joyce sorriu amargamente. — Uma vida sem arrependimentos, hein? — murmurou tristemente. — Não consigo imaginar algo assim. Os rostos dos meus companheiros mortos ainda me assombram, e não há um segundo em que eu não sinta dor por suas mortes.
— É por isso que você tem uma vontade tão poderosa — disse Gravis. — Para ser brutalmente honesto, na minha opinião, o modo como você é forçada a cultivar é incrivelmente trágico e completamente masoquista. Você está basicamente se torturando emocionalmente para ficar mais poderosa. Tenho certeza de que seus companheiros sabem da forma como você cultiva, e acho que o conhecimento de que eles tornaram uma amiga mais forte com suas mortes não faz com que essas mortes sejam inúteis aos olhos deles. O caminho deles pode ter acabado, mas, em troca, eles fortaleceram o seu.
Gravis olhou encorajadoramente para Joyce. — Acho que a única coisa que você pode fazer para se livrar desse arrependimento é se tornar poderosa. Assim, você não vai decepcionar as pessoas que morreram ao seu lado. Quando você se tornar poderosa, poderá dizer que foram eles que te ajudaram a chegar onde você está. Isso dá significado às mortes deles.
Lágrimas começaram a escorrer pelo rosto de Joyce. Não foi pelo impacto das palavras de Gravis, mas pelo fato de que ela lembrou de todos os rostos de seus companheiros quando morreram. A maioria deles olhou para ela com sorrisos encorajadores. Ela já havia percebido todas as coisas que Gravis lhe dissera. Afinal, ela conhecia a si mesma e seus companheiros melhor do que ninguém, então sabia que precisava se tornar poderosa para se livrar do arrependimento. No entanto, ouvir seus pensamentos sendo expressos por outra pessoa a fez reviver a dor.
Depois de alguns segundos, ela rangeu os dentes e estreitou os olhos para Gravis. — Eu sei! Eu sei de tudo isso! É por isso que ainda estou cultivando! — gritou, cheia de motivação. Mas então suspirou. — Mas fico feliz que você possa me entender tão bem após termos conversado por apenas meia hora.
Joyce riu amargamente. — Acho que você realmente tem empatia. Caso contrário, não teria percebido a motivação por trás das ações dos meus companheiros e de mim. Então, desculpe por ter dito que você não tinha empatia.
Gravis apenas sorriu e acenou com a mão, como se não fosse nada. — Não se preocupe com isso! Eu também disse algumas coisas ruins para você. Vamos apenas esquecer tudo isso. — Então, Gravis olhou pela janela para o céu. — E obrigado. Você me ajudou a me entender melhor. Meu modo de agir não vai mudar, mas pelo menos agora percebo que estou conscientemente escolhendo me manter distante.
Gravis riu um pouco. — Antes, eu sentia que não tinha escolha e que fui forçado a seguir esse caminho. Isso me deixava frustrado e reprimido. — Então, ele se virou para ela. — Mas agora, sei que é uma decisão minha. De uma forma estranha, suas palavras me mostraram que tenho mais liberdade do que inicialmente acreditava.
Joyce enxugou as lágrimas e sorriu genuinamente para Gravis. — De nada! — disse, com os olhos agora cheios de vida e positividade.
— Então, vamos pensar em uma maneira de você pagar sua dívida! — Ela disse e apontou grandiosamente para Gravis.
Quando Gravis viu a mudança de atitude dela, riu de novo.
— Com certeza!