O tempo pareceu parar para Gravis. O Céu havia criado sua mãe? O que isso significava? Por quê? — Você é uma Nascida do Céu? — ele perguntou, chocado.
Sua mãe tocou o queixo pensativamente. — Você poderia dizer que sim — respondeu ela, de forma casual, como se não fosse nada de mais. — O Céu me criou para ser o mais compatível possível com seu pai. No início, ele não ficou nada animado comigo. Ele pensava que eu era apenas mais um esquema do Céu.
Gravis não conseguia assimilar aquele fato. Diversos conflitos morais e implicações éticas surgiram em sua mente. — Você também foi criada para amá-lo? — ele perguntou, temendo a resposta.
Sua mãe assentiu. — Claro. Nós éramos perfeitamente compatíveis. Por isso, me apaixonei rapidamente por ele.
Essa era a resposta que Gravis temia. O fato de que seus pais não se conheceram e se apaixonaram naturalmente fazia um nó se formar em seu peito. Não parecia amor verdadeiro, mas algo artificial. — E você nunca questionou esses sentimentos, temendo que tivessem sido implantados por outra pessoa?
— Ah, claro que sim — respondeu sua mãe. — Eu fiquei infeliz, com raiva e odiava minha vida. Não parecia que eu era uma pessoa independente. Parecia mais que eu era uma ferramenta criada para agradar alguém. Eu odiava essa sensação.
— Passei muito tempo assim, convivendo principalmente com os mortais. Criei muitos laços com eles, mas sempre ficava triste quando morriam de velhice. No começo, o tempo que passávamos juntos parecia uma eternidade, mas, conforme os anos passavam, a vida deles parecia cada vez mais curta.
— Naquela época, seu pai e eu conversávamos bastante. Ele era a única constante na minha vida. Além disso, eu simplesmente não sentia amor por nenhum outro homem ou mulher. Todos pareciam tão frágeis e distantes, como se vivêssemos em mundos diferentes.
— Com o tempo, fomos ficando mais próximos. Assim como hoje, ele sempre parecia ocupado com algo, sentado sozinho em seu quarto com um semblante fechado. A postura dele pode parecer a mesma até hoje, mas, na época, eu sentia a diferença. Era como se ele estivesse perdido.
Gravis engoliu em seco. — E mesmo sabendo que o Céu os criou para se amarem, vocês simplesmente aceitaram isso?
Sua mãe suspirou. — Acho que nós dois nos sentíamos perdidos. Eu me sentia isolada dos mortais, e seu pai, de tudo. Exceto pelo Céu, nós éramos as únicas constantes. Estávamos sempre ali, sempre os mesmos. Passei muito tempo refletindo sobre a minha vida, minhas emoções e a vida em geral.
— E após pensar muito, cheguei a uma conclusão — disse ela.
— Qual? — perguntou Gravis.
— As emoções são necessárias para dar significado à vida quando você não tem mais nenhum objetivo — respondeu ela. — Você pode acreditar que está acima das emoções, mas elas fazem parte de quem você é. Elas te impulsionam quando você não tem nenhum propósito claro.
— O desejo de liberdade também é uma forma de emoção. Você apenas o coloca acima de todas as outras. Mas, se esse desejo desaparecer, você vai precisar de outra motivação para continuar. Acho que, no fim, o objetivo de todos é ser feliz. O que traz felicidade varia para cada um, mas, essencialmente, a felicidade é o que todos buscam.
— Se a emoção que sustenta sua felicidade desaparecer, você vai precisar de outra para dar significado à sua vida. O desejo de alcançar o poder supremo nunca será cumprido para a maioria, então eles passam a vida inteira perseguindo essa felicidade inatingível. É por isso que esse desejo pode sustentar alguém por toda a vida.
— É como o ditado: ‘um único pão pode te alimentar pela vida inteira’, mas isso só é verdade porque, sem mais comida, sua vida não será muito longa. O desejo por poder persegue todos até o último dia, porque eles nunca atingem o poder supremo.
Sua mãe sorriu. — Mas você tem uma chance real de alcançar esse poder. E se você colocar toda a sua felicidade nesse desejo, alcançar o objetivo vai deixar apenas o vazio. Na minha opinião, apostar toda a felicidade em poder supremo é como se já tivessem aceitado que nunca vão alcançá-lo. Porque, se alcançarem, só restarão o vazio ou a morte.
Gravis ouviu atentamente, refletindo sobre seus próprios desejos.
— Percebi isso naquela época. Então, decidi que queria ser feliz. Eu amo seu pai, e, mesmo que esse amor possa parecer artificial, escolhi segui-lo. Não quero morrer nem viver uma vida vazia. Parecia que eu tinha perdido para os esquemas do Céu, mas e daí? Perder não é tão ruim assim. Dá pra aprender muito com a perda — explicou ela.
Gravis admirava sua mãe. Não era nada fácil se entregar ao que o Céu queria. Ele sentia que nunca conseguiria fazer isso. Algo dentro dele recusava dar ao Céu qualquer vitória, por menor que fosse.
Ainda assim, sua mãe parecia feliz agora. As palavras de seu pai ecoaram na mente de Gravis. — Mas o Céu não criou emoções como o amor justamente para impulsionar as pessoas ao poder? Seguir essas emoções não é manipulação? — perguntou ele.
Sua mãe tocou o queixo de novo, pensativa. — Sinceramente, não tenho certeza disso.
Gravis ergueu uma sobrancelha. — O que você quer dizer?
— É como quando você não gosta de alguém. Se essa pessoa comete um erro, você logo pensa que ela é estúpida. Mas, se um amigo seu cometesse o mesmo erro, você diria que ‘errar é humano’. A gente tende a ver o pior nas pessoas que não gostamos e a ignorar seus lados positivos.
— E se o Céu fosse completamente diferente quando criou este mundo? E se ele só quisesse criar um mundo feliz, cheio de amor e proximidade? Talvez ele se sentisse vazio e quisesse ver o que as pessoas fariam com essas emoções. Ou talvez ele quisesse dar às pessoas a chance de escolher a própria felicidade — ela sugeriu.
— Imagine um mundo completamente sem emoções. Só lutaríamos pela sobrevivência e, eventualmente, morreríamos. Com inteligência suficiente, perceberíamos que essa vida não faz sentido. Qual é o propósito de viver se, no fim, vamos apenas morrer?
Gravis refletiu sobre essas palavras. Era possível que o Céu não tivesse criado emoções apenas para manipular as pessoas? E se ele realmente tivesse sido diferente no passado? Ele percebeu que sua mãe havia dito que talvez o Céu tenha sido diferente antes, reconhecendo que hoje ele parecia frio e egoísta.
Se ela tivesse dito que o Céu era assim agora, Gravis não teria acreditado. Isso soaria como delírio. Mas, ao reconhecer a frieza atual do Céu, ela abriu espaço para novas possibilidades sobre o passado. As pessoas mudam. Talvez o Céu também pudesse mudar.
Gravis percebeu que a questão mais importante ainda não tinha sido respondida. — Você disse que talvez o pai não nos ame — ele disse, trazendo o assunto de volta ao ponto inicial.
Sua mãe lembrou que tudo havia começado por aí. — Desde que ficamos juntos, seu pai tentou recuperar sua capacidade de amar. Eu o ajudei ao longo do caminho, mas parecia impossível para ele. Com o tempo, ele começou a acreditar que nunca seria capaz de amar de novo.
— Mesmo assim, ele continuou tentando, contra todas as esperanças. Criamos uma família, crescemos cada vez mais, e o mundo se recuperou. Infelizmente, com um mundo maior, o perigo também retornou para os cultivadores. Em certo ponto, os cultivadores se tornaram fortes o suficiente para enfrentar nossos filhos de igual para igual — explicou ela.
— Você conhece seu pai e sabe que ele valoriza a justiça. Se um de seus irmãos morresse em uma luta justa, ele não interferiria. Ele tentou abrir seu coração novamente, mas, ao sentir a dor pela morte dos filhos, se tornou ainda mais difícil se abrir. Afinal, ninguém quer sentir a dor de perder alguém que ama. Desde então, temos trabalhado nisso.
Agora, Gravis compreendia o que sua mãe queria dizer. Não era que seu pai não o amasse, mas que ele não conseguia amar. No entanto, ele ainda havia se sacrificado para ajudar Gravis a alcançar o Reino Formação do Espírito. Além disso, Gravis sentira o amor de seu pai em alguns momentos.
— Acho que você está enganada, mãe — disse Gravis.
Sua mãe apenas sorriu com malícia. — Não estou, não — respondeu ela com uma risada suave, que destoava do peso da conversa. — Eu não disse que seu pai não sente nada. Disse que ele não sentia. É passado.
Os olhos de Gravis se arregalaram, e ele sentiu uma expectativa crescente. — O que você quer dizer?
Sua mãe riu novamente. — É por sua causa — ela disse. — Cerca de cinco dias atrás, quando você quebrou a barreira e alcançou o Reino Formação do Espírito, sua situação forçou seu pai a decidir entre ser emocional ou continuar frio. Imagine: de um lado, estava a morte do único inimigo que ele tinha. Do outro, a vida do filho dele.
O sorriso de sua mãe era caloroso e feliz. — Naquele momento, ele percebeu seus próprios sentimentos. Ele não conseguiu se forçar a sacrificar você. E por quê? Porque ele te ama. Pode ser que você ainda não perceba, mas você desencadeou uma tempestade sem precedentes no coração do seu pai.
— Eu? — Gravis repetiu, incrédulo, apontando para si mesmo.
— Sim, você — respondeu sua mãe, rindo. — Seu pai realmente se abriu pela primeira vez. Ele percebeu que não era um caso perdido. Ao descobrir o amor que sentia por você, ele finalmente sentiu algo verdadeiro. Você ajudou seu pai mais do que jamais poderia imaginar — disse ela, cutucando Gravis de leve na lateral.