Gravis suspirou e se preparou mentalmente. Não esperava que um de seus amigos morresse tão cedo, mas sabia que isso sempre fora uma possibilidade.
— Quem foi?
— O chamado Lasar — respondeu seu pai.
Gravis respirou fundo.
— Como ele morreu? — perguntou.
— Refinamento normal — explicou o pai. — Ele subestimou o poder do mais fraco de seus dois oponentes. Após matar o mais forte, achou que o outro seria fácil de derrotar. O oponente mais fraco se autodestruiu e levou seu amigo junto.
Gravis desviou o olhar para a janela, observando o mundo lá fora.
— Isso foi no Mundo Médio, certo?
— Sim — confirmou seu pai. — Ele se encontrou com aquele velho, seu outro amigo. Isso é algo, pelo menos.
Gravis respirou fundo novamente. Não estava mais fugindo da dor. Sentiu o choque e a tristeza se manifestarem dentro dele. Também se lembrou de como conheceu Lasar e de como ele o aceitou de volta na Seita do Relâmpago.
Os dois ficaram em silêncio por alguns minutos. Gravis estava perdido em pensamentos, e o Opositor simplesmente esperava. Gravis precisava lidar com essas emoções por conta própria.
— Os outros também já chegaram ao Mundo Médio? — perguntou Gravis após alguns minutos.
O Opositor assentiu.
— Todos que você considera amigos estão agora no Mundo Médio.
Gravis já esperava por isso. Ele havia passado quase três semanas em casa, o que, com a dilatação do tempo, equivaleria a mais de cinquenta anos no mundo inferior.
— E o mundo inferior continua mais ou menos o mesmo? — perguntou.
— Pouca coisa mudou, além de haver mais pessoas passando pelo décimo estágio da Acumulação de Energia — respondeu o pai.
Gravis já havia previsto essa mudança. O progresso do mundo seria lento, exceto pelo aumento do poder das Seitas Elementais. Com o Céu deixando de matar aqueles com Aura de Vontade no Reino Refinamento Corporal, mais pessoas poderosas surgiriam.
Ele ficou mais alguns minutos em silêncio, refletindo sobre seus amigos e sobre o mundo inferior. Mais de cinquenta anos haviam passado naquele mundo, e Gravis sentia-se desconectado. Enquanto o mundo inferior mudava rapidamente, ele tinha apenas conversado com algumas pessoas. Os mundos eram realmente diferentes.
— Então, sobre aquela surpresa que Orpheus mencionou — disse Gravis.
— Que surpresa? — perguntou seu pai.
— Você não ouviu nossa conversa? — Gravis questionou.
— Não, por que eu ouviria? — respondeu o pai. — Isso é assunto seu, e você não corre perigo dentro da cidade.
Gravis assentiu. Fazia sentido que seu pai não estivesse sempre ouvindo suas conversas. Ele só fazia isso para protegê-lo, e, quando não era necessário, não se importava. Afinal, ficar ouvindo longas conversas podia ser entediante.
— Orpheus achou que eu iria para um Mundo Natural, mas eu disse que estava mais interessado em um Mundo de Batalha. Então ele me encaminhou para você sobre isso — explicou Gravis.
Seu pai assentiu e olhou diretamente nos olhos de Gravis. — Se você quiser continuar cultivando, terá que ir para um Mundo Natural. Não há outra maneira — ele disse.
Gravis ergueu uma sobrancelha.
— Como assim?
— Seu corpo — respondeu o pai, apontando para ele. — É fraco demais e não está sincronizado com seu raio e seu espírito. Você já percebeu isso.
Gravis franziu o cenho. — Sim, eu percebi. Parece que estou desperdiçando meu potencial com um corpo tão fraco, mas o que isso tem a ver com ir para um Mundo Natural? Tenho certeza de que existem recursos para equilibrar meu corpo com meus outros centros de poder.
— Não — disse o pai, surpreendendo Gravis. — A diferença é grande demais, e você já está no Reino Unidade. Todos os seus centros de poder estão conectados. Ao fortalecer um deles, você também acaba fortalecendo os outros, elevando seu Reino no processo.
— Ou você corta completamente a conexão entre seu corpo e seus outros centros de poder, perdendo sua arma mais forte, ou terá que alcançar o auge do Reino Nutrição Nascente. Nesse ponto, você poderia aumentar seu poder físico exclusivamente, mas há outro problema.
Gravis manteve as sobrancelhas franzidas. — Qual é o problema?
— Quanto maior seu cultivo, mais sincronizado todo o seu ser se torna. Seu corpo já se acostumou com a proporção atual de poder. Aumentar sua força física nesse estágio seria extremamente difícil, caro e demorado. Há uma grande chance de você não conseguir antes que sua longevidade se esgote.
Os olhos de Gravis se arregalaram. — Demoraria tanto assim? — perguntou, chocado.
O Opositor assentiu. — Considerando sua determinação, você tem uma pequena chance de conseguir antes de morrer. Qualquer outra pessoa não teria essa chance. Além disso, com essa proporção desequilibrada, você não poderá usar a maior arma do Reino Nutrição Nascente, o que diminuiria drasticamente sua força de combate.
— E qual é essa arma? — Gravis perguntou.
Seu pai sorriu. — Não posso estragar todas as surpresas. Você descobrirá naturalmente quando alcançar esse Reino ou enfrentar alguém nele.
Gravis suspirou. — Certo… — disse ele, simplesmente. — E o que tudo isso tem a ver com ir para um Mundo Natural? Não vejo como isso resolveria meu problema.
— Um Mundo Natural não tem humanos. Ele serve apenas como terreno fértil para bestas, que serão usadas como refinamento para humanos no futuro. Assim, ao entrar em um Mundo Natural, você não poderá entrar como humano.
Gravis ergueu uma sobrancelha. — Então, como eu vou entrar lá? — Perguntou.
— Seu espírito e seu raio podem entrar, mas seu corpo não — explicou seu pai. — Assim que você entrar, para se alinhar às regras do mundo, seu corpo se dissolverá, e seu espírito e raio entrarão em um corpo adequado.
Gravis coçou o queixo, pensativo. — E como os corpos das bestas são muito mais poderosos que os dos humanos, eu conseguiria resolver meu problema?
O Opositor assentiu. — Exatamente. Humanos têm a Energia e o Espírito mais poderosos entre todos os seres vivos. Antes de alcançar o Reino Unidade, você refinou seu espírito e raio ao máximo. Agora, você precisa de um corpo igualmente poderoso em sua categoria.
Gravis suspirou mais uma vez.
— Parece que isso quebraria o equilíbrio. Humanos têm a energia e o espírito mais poderosos, enquanto as bestas têm os corpos mais fortes. Ter ambos os benefícios sem as desvantagens parece bom demais para ser verdade. O Céu provavelmente não vai gostar quando eu quebrar esse equilíbrio — Gravis disse, enquanto olhava pela janela.
— Que equilíbrio? — perguntou seu pai, em um tom calmo.
— Como assim, que equilíbrio? — devolveu Gravis. — O Céu criou os seres vivos assim, então provavelmente queria criar algum tipo de equilíbrio. Quebrá-lo não faria o Céu agir diretamente contra mim? Já matei um Céu antes, mas não sou ingênuo de pensar que posso sobreviver contra o Céu mais elevado.
O Opositor olhou para seu filho com calma. — Acho que você tem o conceito de equilíbrio completamente invertido — ele disse.
— O que você quer dizer? — perguntou Gravis.
— O velho desgraçado quer o maior número possível de atratores de Energia andando por aí. Ele poderia criar apenas humanos que atraem mais Energia, sem precisar de bestas, mas, nesse caso, os humanos teriam que lutar entre si.
— Ele fez os humanos com corpos fracos para poder criar inimigos adequados, que realmente tivessem alguma chance contra eles. Se as bestas fossem muito fracas, não serviriam como refinamento. Além disso, as bestas precisam de muito menos Energia do que os humanos, o que facilita a produção delas em massa.
— O velho desgraçado não se importa se você tiver um corpo mais forte. Na verdade, ele pode até querer isso. No fim, o objetivo dele é criar o maior número possível de humanos poderosos. Além disso, ao ir para um Mundo Natural, você não matará outros humanos por um tempo.
O Opositor olhou diretamente para seu filho. — Então, não existe essa coisa de equilíbrio intencional. Não há justiça ou chances iguais para todos. Quanto mais poderoso você se tornar, melhor. Quanto menos humanos você matar no caminho, melhor. O velho desgraçado não se importa se você tiver uma vantagem sobre bestas e humanos. Ele só quer que você se torne poderoso.
Gravis ouviu as palavras de seu pai e mudou sua maneira de pensar. Inicialmente, acreditava que o Céu havia criado o sistema atual para garantir igualdade entre todos, mas, aparentemente, ele havia sido ingênuo. O sistema não passava da forma mais eficiente de criar humanos poderosos em termos de Energia. Se um humano abusasse do sistema, isso seria um benefício para o Céu, contanto que ele não eliminasse muitos outros humanos no processo.
Agora, Gravis aceitava que iria para um Mundo Natural. Seu caminho era a prioridade, e ele continuaria avançando.
Ainda assim, havia algo estranho e melancólico em abandonar o corpo que o acompanhara por toda a sua vida.
— Você não se importa que eu não compartilhe mais o mesmo sangue com você? — Gravis perguntou.
— Não, por que eu me importaria? — respondeu o pai. — Seu espírito é o que define você. O corpo, a Energia, o raio e qualquer outra coisa são apenas armas. Enquanto seu espírito permanecer, você estará vivo, e você é meu filho. É o seu espírito que o torna humano, então, mesmo com um corpo de besta, você ainda será humano.
Gravis fechou os olhos e respirou fundo. Sentiu que as palavras de seu pai ressoavam com ele. Não havia sempre visto seu corpo como uma arma?
— Além disso, você está nesse corpo há apenas alguns meses. Talvez seja a hora de trocá-lo de novo — acrescentou seu pai.
Gravis franziu as sobrancelhas.
— O que você quer dizer? — perguntou.
— Lembra-se do quinto julgamento no Julgamento do Céu? Este é o corpo da sua cópia. Seu corpo antigo foi deixado para trás.