— Vamos atacar a terra — disse Gravis a Shira. — Já tem um plano em mente?
Gravis não tinha certeza, mas achou que viu um leve sorriso em Shira.
— Esta não é a primeira vez que participo de algo assim — ela respondeu. — Sei como essas incursões costumam acontecer, e geralmente, dão muito errado.
— Por quê? — Gravis perguntou. Ele já tinha algumas respostas em mente, mas queria confirmar. Shira tinha experiência direta com esse tipo de operação.
— Adaptação e estratégia — disse Shira. — Não somos adaptados para lutar em terra. Além disso, a estratégia comum é a guerra de atrito. Simplesmente enviamos bestas contra o inimigo até que ou eles morram, ou nós morramos.
Gravis assentiu. — De fato, é uma estratégia estúpida. Qual seria a sua ideia para uma estratégia melhor?
— Usar os Criadores de Água — respondeu Shira. — Criadores de Água são bestas com afinidade com a terra. São muito raros, mas suas habilidades são inestimáveis. Quando a guerra termina, eles podem rebaixar o solo e espalhá-lo por uma área maior, o que faz com que a área rebaixada seja inundada com água.
Sabendo que Gravis não era dali, Shira explicou o conceito dos Criadores de Água. Gravis ficou um pouco surpreso com a afinidade dessas criaturas. Pelo nome, esperava que tivessem afinidade com água, não com terra, mas a explicação fazia sentido.
— Mas não é tão simples, certo? — Gravis perguntou.
— Exatamente. Como são raros, os Criadores de Água são valiosos. Enviá-los enquanto ainda estamos lutando seria arriscado. Por isso, geralmente só aparecem depois que a batalha termina.
Gravis assentiu. — Imagino que as bestas em terra também tenham criaturas capazes de fazer o mesmo, certo?
— Claro — Shira respondeu. — Além disso, bestas com afinidade com a terra são mais numerosas em terra. Elas criam muralhas e montanhas para dificultar nosso avanço. Em geral, os habitantes da terra preferem contra-atacar em vez de invadir.
Gravis coçou o queixo, pensativo. — Quando a invasão marítima se esgota, eles podem conquistar outro território com um contra-ataque. Embora defender seja mais fácil do que atacar.
— Sim, mas ainda assim não é fácil — disse Shira. — Há menos bestas do nosso nível entre os habitantes da terra, o que nos dá vantagem numérica.
Gravis franziu a testa. — Mas o continente não fica no centro do mundo e é maior? Por que eles têm menos Bestas Espirituais?
Os olhos de Shira brilharam um pouco. Poucas bestas sabiam sobre a disposição maior do mundo. O fato de Gravis saber disso, mas não sobre Criadores de Água ou Hordas, chamou sua atenção. Gravis não era alguém comum.
— Está certo, mas isso não se aplica às bestas do nosso nível. Temos um território maior, mas com menos Essência Natural, enquanto o continente é menor e mais rico em Essência Natural. Isso significa que temos mais bestas do nosso nível e aproximadamente o mesmo número de Lordes. A diferença surge no próximo nível. Reis e Imperadores são mais comuns entre os habitantes da terra.
Gravis assentiu. — Faz sentido. Imagino que os Lordes e Reis mais poderosos não se interessem por territórios tão distantes do centro de suas terras.
— Exatamente — Shira confirmou. — Eles veem essas invasões como uma oportunidade de fortalecer seus seguidores. Afinal, quando perdemos, deixamos muita carne para eles consumirem.
Gravis mergulhou novamente em seus pensamentos. Lembrou-se do mapa que seu pai lhe mostrara. Uma faixa de oceano chegava até o centro do mundo. Na época, Gravis não sabia da existência dos Criadores de Água.
A existência dessas criaturas permitiria que as bestas da terra reconquistassem essa parte do oceano. Mas elas não fizeram isso, o que só podia significar uma coisa: havia pelo menos uma besta muito poderosa no núcleo do mundo, capaz de resistir às invasões terrestres.
— Como você pretende usar os Criadores de Água? — Gravis perguntou.
— Meu plano é conquistar territórios pequenos e defendê-los. Os Criadores de Água vão rebaixar a terra nesses territórios, criando um trecho de água que entra profundamente no território deles.
Gravis franziu a testa. — É uma estratégia melhor, mas tem uma falha grave.
Shira estreitou os olhos, incomodada com a insinuação de que seu plano tinha falhas. — Qual seria? — ela perguntou com um toque de irritação.
— Defendendo o trecho de água, podemos forçá-los a nos atacar. Mas o problema é que eles podem atacar nossa retaguarda. Em vez de atacar o trecho de água diretamente, podem ir até a costa e atacar o território atrás de nós. Nesse ponto, ficaríamos presos em uma faixa estreita de água, cercados por terra — explicou Gravis.
Shira estreitou os olhos, pensativa. Queria refutar o que Gravis disse, pois acreditava que seu plano era perfeito. No entanto, não conseguia pensar em como se defender de tal contra-ataque. Seu orgulho a impedia de reconhecer o erro, então apenas lançou um olhar irritado para Gravis.
Gravis suspirou ao perceber isso. — Shira, se você quer se tornar poderosa, precisa lembrar que tem falhas.
— Explique — ela respondeu friamente.
— Pense na sua vida até agora. Você diria que a Shira de dez anos atrás era tão inteligente quanto a Shira de hoje?
— Claro que não — Shira respondeu, como se fosse óbvio.
— Então, a Shira de dez anos no futuro provavelmente pensará que você é tola agora, certo? — Gravis perguntou.
Shira parou de encará-lo e caiu em reflexão.
— O fato de que sua versão futura pode desprezar sua versão atual significa que você ainda tem espaço para crescer. Você se orgulha de sua inteligência, mas existem bestas tão inteligentes quanto você, com a vantagem da experiência. Às vezes, até mesmo bestas estúpidas encontram um caminho melhor. Sempre reavalie se não existe uma maneira melhor, mesmo que quem te diga isso seja alguém que você considera inferior.
Claro que Shira não ficou imediatamente convencida. Fazer isso parecia se rebaixar ao nível de bestas comuns e tolas. Como o plano delas poderia ser melhor que o dela?
— Vou pensar nisso — disse Shira.
Gravis percebeu isso e suspirou. Nem todos conseguem ser introspectivos. Admitir os próprios erros é difícil e exige força interior. Reconhecer que estava errada era, para Shira, como perder uma luta.
Gravis se lembrou de sua primeira conversa com Joyce, depois que se encontraram no Continente Central. Ela havia dito que os membros de seu clã eram mais fortes do que ele porque eram capazes de confrontar sua dor. Se Gravis não tivesse reconhecido a razão naquelas palavras e admitido que ela estava certa, ele não teria sido capaz de enfrentar suas emoções em casa. Afinal, ele ainda acreditaria que seu antigo modo de lidar com as coisas era o correto.
Gravis balançou a cabeça, percebendo que estava se distraindo com pensamentos irrelevantes. Encontrar uma boa tática para a invasão era mais importante.
Ele voltou a olhar para Shira e decidiu compartilhar seu plano. Era parecido com o de Shira, mas com algumas diferenças.
— Gostaria de compartilhar o plano que tenho em mente — disse Gravis.
— Fique à vontade — Shira respondeu, com um tom levemente irritado.
— Também faremos canais, mas não apenas um passando pelo meio. Estou presumindo que a terra é dividida em territórios, certo? — perguntou Gravis.
— Sim — Shira respondeu. — Atacamos apenas um território de cada vez. Se atacarmos a fronteira entre dois territórios, seremos cercados por duas tribos. Isso torna a invasão quase impossível.
Gravis assentiu. — Pode me explicar o tamanho do território inimigo com base nestas medições? — ele perguntou, transmitindo o conceito e a medida de um quilômetro para Shira.
— Nosso inimigo é chamado de Tribo Areia — Shira respondeu. — Pelo que ouvi, eles já foram bastante poderosos no passado, mas decaíram severamente até só conseguirem manter um território na costa. Quanto mais perto da costa, menos Essência Natural há. Por isso, eles são considerados uma das tribos mais fracas da terra.
— De acordo com suas especificações, o território tem cerca de 400 quilômetros de largura e 500 quilômetros de profundidade. É um território relativamente pequeno — explicou Shira.
Gravis franziu a testa. Não esperava que o território fosse tão grande.
Seu plano original foi descartado na mesma hora.