— Imagino que, ao falar sobre a porcentagem de perdas, você se refira ao fato de que uma besta que come outra do mesmo nível não vale tanto quanto duas bestas, caso uma terceira mate e coma a primeira, certo? — Gravis perguntou com um sorriso.
Morn já havia percebido que Gravis não era burro. Quando ele invadiu a Torre e matou o Lorde deles, conversou bastante com Morn. Durante esse tempo, Morn percebeu que Gravis tinha planos bastante elaborados e conhecimento profundo de psicologia e outros conceitos similares.
Morn tinha sido o professor imperial do antigo Lorde por muitos anos. Naquela época, os ancestrais da Tribo Areia ainda não haviam perecido, e a tribo era conhecida como Reino Areia, liderada por uma Besta Nascente. Por isso, Morn sabia muito sobre estratégia e liderança.
— Sim, é exatamente isso que quis dizer — Morn confirmou. — Há muitas bestas com habilidades peculiares que as tornam eficazes contra certos tipos de inimigos. Essas bestas podem vencer outras, mas sua força geral de combate é menor.
— Permitir que qualquer besta enfrente outra sem a necessidade de consentimento pode gerar muitas mortes sem sentido — Morn explicou.
— Concordo com o Ancião — Silva acrescentou. — Além disso, isso só vai aumentar a divisão entre os dois grupos.
Gravis escutava atentamente. Às vezes, outras pessoas, ou bestas, tinham percepções que ele não tinha. Se um líder não ouve seus conselheiros, a posição de conselheiro se torna inútil. No entanto, desta vez, Gravis estava certo de seu plano.
— Então temos dois problemas — Gravis disse. — Um é a porcentagem de perdas, e o outro é a divisão entre os dois grupos, certo?
Morn e Silva assentiram.
— Shira, o que você acha disso? — Gravis perguntou.
Shira ficou surpresa por ele pedir sua opinião. Seria um teste de lealdade? Ou de inteligência? Vários cenários passaram por sua mente ao mesmo tempo.
Gravis percebeu a hesitação dela e soltou uma leve risada. — Está vendo? Esse é o problema — ele disse, fazendo Shira estreitar os olhos. — Você está tão acostumada com a sua forma de pensar que assume que todo mundo está sempre tramando algo contra você. Isso não é um teste ou algo assim. Estou apenas pedindo sua opinião, nada mais.
Ainda desconfiada, Shira decidiu falar: — O aumento na porcentagem de perdas seria um problema pequeno — admitiu. — Claro, as bestas excepcionais vão se destacar mais rapidamente, mas muitas outras vão morrer sem necessidade.
— Acho que você está tentando aumentar a qualidade das tropas sacrificando quantidade. No entanto, isso traz riscos. Um dos grupos pode ser completamente dominado pelo outro, aprofundando a divisão. Além disso, quando novos Lordes surgirem dessas batalhas, sua posição de liderança pode ser ameaçada. Pessoalmente, acho que o custo não vale a recompensa.
Gravis assentiu. — Ok, isso faz sentido. — Em seguida, ele olhou para Orthar, que estava comendo. — E você, Orthar? O que acha? — perguntou com um sorriso.
Orthar continuou comendo sem se incomodar. — Não vejo problema no plano — disse simplesmente.
Os outros líderes estreitaram os olhos para ele. Eles viam problemas no plano, mas Orthar parecia aceitá-lo sem questionar. Será que ele não enxergava as falhas ou estava apenas seguindo Gravis cegamente?
— Pode explicar sua lógica? — Gravis pediu, com um sorriso. Ele sabia que Orthar tinha aprendido muito com ele e entendia os efeitos ocultos do plano. Os outros líderes ainda não tinham experiência suficiente com o refinamento e estavam presos a uma visão limitada pelas dinâmicas políticas entre as tribos.
— Perderemos muitas bestas, mas as poucas com habilidades de combate poderosas subirão rapidamente ao topo. Uma Besta-Unidade pode derrotar dezenas de Bestas Espirituais. A adição de uma única Besta-Unidade vale mais do que todos os membros mais fracos da tribo juntos — Orthar explicou sem esforço.
— Por enquanto, enfrentaremos tribos menores, mas isso não vai durar. De que adianta ter 200 Bestas Espirituais se o inimigo tiver mais um ou dois Lordes do que nós? Nosso objetivo não é apenas sobreviver, mas alcançar poder. Não estamos nos preparando para os inimigos atuais, mas para os futuros.
Os outros ouviram atentamente e refletiram sobre as palavras de Orthar. Após algum tempo, perceberam que os vizinhos atuais não representavam uma ameaça real. Todos haviam testemunhado o poder de Gravis, e nenhum Lorde de nível um seria capaz de detê-lo. As Bestas Espirituais eram irrelevantes; a verdadeira ameaça seria a falta de um novo Lorde no futuro.
— Quanto ao segundo problema — Orthar continuou — a inimizade entre os grupos não importa.
Os outros estreitaram os olhos. — Não importa? — Silva perguntou com incredulidade. Isso não era um problema? Eles não precisavam trabalhar juntos?
— Sim, não importa — Orthar respondeu. — Os fortes prevalecerão. Se um dos grupos for completamente aniquilado, isso apenas provará que o outro é mais forte. Aceitamos bestas de ambos os lados, mas não precisamos protegê-las se não forem capazes de se proteger. O melhor que podemos fazer é criar um campo de batalha onde ambos os lados tenham as mesmas chances de vitória.
— Esse é o primeiro cenário — explicou Orthar. — O segundo é que ambos os lados permaneçam igualmente fortes. Nesse caso, perceberão que o outro não é tão fácil de destruir. Depois de tentarem por um tempo sem sucesso, acabarão reconhecendo a força do outro grupo, mesmo que ainda não gostem deles. Isso reduzirá os conflitos internos.
— Se impedíssemos que os grupos lutassem, cada um continuaria pensando que o outro é fraco e indigno de permanecer na Tribo Rio. Dessa forma, os dois lados manteriam seu poder completo, mas não conseguiriam lutar juntos se uma força externa nos atacasse. Enquanto reconhecerem a força um do outro, poderão lutar lado a lado.
— Quanto à possibilidade de um novo Lorde ameaçar Gravis — Orthar disse, soltando um suspiro — isso não importa nem um pouco. Vocês não o conhecem como eu conheço. No momento, nenhum Lorde de nível um em todo este mundo é capaz de ameaçá-lo. Além disso, ele tem carne suficiente para atingir o poder de um Lorde verdadeiro em breve. E, quando isso acontecer, nem mesmo um Lorde de nível dois será problema para ele.
— Então — disse Orthar, dando mais uma mordida no leão morto — enquanto nenhum membro da nossa tribo alcançar o poder de um Lorde de nível três, desafiar Gravis será apenas suicídio.
Os outros três ficaram espantados com a análise de Orthar. Todos tinham vasto conhecimento e compreendiam bem o que ele explicava, mas não haviam percebido esses efeitos. Como poderiam não ter enxergado algo tão simples?
Gravis bateu palmas levemente. — Excelente explicação — elogiou. — É exatamente o que eu teria dito. Então, ainda estão contra o plano? Podem falar se discordam. Afinal, vocês são meus conselheiros, e não vou ignorar seus conselhos.
Os três ficaram em silêncio por um momento.
— Parece que ainda tenho muito a aprender — Morn admitiu aos outros. — Sempre me orgulhei do meu conhecimento vasto, mas não consegui perceber essas conexões aparentemente óbvias. Concordo com o plano.
— Então — Morn olhou para Orthar. — Gostaria de trocar conhecimentos, princípios e ideias com você, Oráculo. Sua explicação mostrou que ainda tenho muito o que aprender.
— Pode me procurar a qualquer momento — respondeu Orthar. — Também estou interessado em suas experiências.
— Minhas reclamações anteriores desapareceram — disse Silva — mas sua explicação, Oráculo, me fez perceber um novo problema.
Silva olhou para Gravis, tentando ver como ele reagiria. Uma coisa era dizer que não se importava com a discordância deles, mas será que ele manteria sua palavra?
Gravis não reagiu de forma alguma e continuou comendo o antigo líder da Tribo Areia, como se toda aquela discussão não tivesse nada a ver com ele.
— Diga — Orthar falou, interessado.
— Shira e eu somos os Comandantes de cada grupo. Se um grupo exterminar o outro, um de nós pode acabar sendo suprimido. Sem um grupo para liderar, desperdiçaremos muito do nosso potencial — explicou Silva.
— Cuide dos seus próprios problemas — disparou Shira do lado. — Não preciso que você me defenda. No fim, não será o meu grupo que será aniquilado, mas o seu.
Silva estreitou os olhos. — Agora fazemos parte da mesma tribo. Se você usar seu poder para interferir nas lutas, dará ao Acampamento do Mar uma vantagem injusta. Isso pode resultar em uma situação onde o grupo mais fraco suprima o mais forte.
— Espere — Gravis disse, levantando a mão ao ver que Shira estava prestes a responder. Então, ele se voltou para Silva. — Shira faz parte do Acampamento do Mar. Portanto, ela faz parte do poder deles. Sua ideia de se manter neutro é nobre, mas não é realista nem eficaz.
Silva olhou para Gravis com ceticismo. — O que você quer dizer?
— Primeiro, deixe-me esclarecer uma coisa — Gravis disse. — Você e Shira não são companheiros, muito menos amigos.
— Vocês são rivais e talvez até inimigos.