— Rivais? Inimigos? — Silva perguntou, chocado. Aquilo o pegou completamente desprevenido. Quando ele já tinha ouvido falar de uma tribo que era inimiga de si mesma? Isso parecia totalmente insano e estúpido.
— Exatamente — Gravis respondeu.
Silva aguardou por uma explicação, mas aparentemente, Gravis não tinha mais nada a dizer.
— Por quê? — Silva questionou. — Ao não sermos unidos, toda a nossa tribo vai sofrer. Se nos envolvermos, haverá casos em que mandaremos bestas mais fracas com vantagem sobre as mais fortes só para enfraquecer o outro lado. Não é exatamente isso o que queremos evitar? Isso vai contra os interesses da tribo!
Gravis apenas olhou para Silva. — Porque você não tem outra escolha — ele respondeu.
— O que você quer dizer? Está me forçando a me tornar inimigo de Shira? — Silva perguntou com os olhos semicerrados.
— Não, eu não estou forçando você — Gravis disse e apontou para Shira. — Ela está.
Silva olhou para Shira, que devolveu o olhar para Gravis, com os olhos igualmente semicerrados.
— Escolhi-a como comandante porque o objetivo dela é poder e autoridade acima de tudo — explicou Gravis. — Essa ganância e ambição vão levá-la a fortalecer seu acampamento o mais rápido possível para eliminar toda a concorrência. Você está no caminho dela. Ela quer ser a única governante da tribo, sem exceções.
Shira estava profundamente furiosa por dentro. Para ela, parecia que Gravis estava expondo todos os seus planos e segredos, o que tornaria muito mais difícil alcançar o poder.
— Mas, então, você não é também inimigo dela? Por que escolher alguém assim como seu segundo no comando, sabendo que ela tentará usurpar seu posto na primeira oportunidade? — Silva perguntou.
Gravis apenas riu. — A ambição dela vai impulsionar o acampamento ao poder. Quanto mais forte o acampamento, mais forte a tribo. A ganância dela coloca pressão sobre todos nós. Se não nos tornarmos mais poderosos, vamos morrer. Ela vai forçar todos vocês a ficarem mais fortes se não quiserem morrer.
Gravis se levantou de sua posição. — Sem um inimigo constante na sua cola, vocês vão se acomodar. Só temendo pela própria vida vocês conseguirão aumentar o poder numa velocidade absurda. Nosso objetivo não é sobreviver, mas nos tornarmos a tribo, o reino e o império mais poderosos.
Gravis deslizou para o centro do grupo, seu sorriso se intensificando enquanto gesticulava grandiosamente para os arredores, com os braços abertos.
— Estamos queimando nossas pontes de fuga. É poder ou morte. Se não conseguirem acompanhar os outros, virarão comida. Esta é a verdade do mundo. Nossa tribo será a mais perigosa para se viver, mas também a que oferece o melhor ambiente para se tornar poderoso.
— Se não estiverem dispostos a arriscar suas vidas pelo poder, não pertencem à minha tribo — Gravis declarou, olhando diretamente nos olhos de Shira, Silva e Morn. — Não vou forçar ninguém a ficar. Qualquer besta pode deixar a tribo se quiser.
Silva e Morn ficaram profundamente chocados e até assustados. Aquilo era uma loucura! Um lar não era o lugar onde se deveria sentir segurança? Por que alguém escolheria viver em constante perigo? Não era o objetivo de todos ser feliz? Como alguém poderia ser feliz em um ambiente assim?
— Isso é insano! — Silva disse, levantando-se e encarando Gravis. — Você está maluco! Quantas bestas sobreviverão até o próximo ano? Está condenando todos nós a morrer pelas mãos dos nossos próprios companheiros!
Gravis apenas sorriu de canto, seus olhos semicerrados. — Não estou condenando ninguém. Vocês podem sair da tribo a qualquer momento. Se conseguir convencer outros, pode levá-los com você. Não vou impedir ninguém de sair. Tenho certeza de que, com seguidores suficientes, você pode até se juntar a outra tribo.
— Está afastando todo mundo assim! — Silva gritou. — Vai enfraquecer a tribo até que ela colapse completamente! Isso é loucura, e eu não vou fazer parte disso! Pode se matar sozinho, sem mim!
Então, Silva virou-se e saiu da Torre. Ninguém o impediu, e Shira esboçou um sorriso frio. Seu maior rival tinha ido embora. Esse era o melhor cenário possível para ela.
— Eu fico — Morn disse após permanecer em silêncio por um momento.
Os olhos de Silva se arregalaram de surpresa e raiva. Ele se virou para Morn, incrédulo. — Ancião! — gritou, indignado. — Como pode aceitar essa loucura? Não ficamos juntos na Tribo Areia por anos? Você desistiu da vida e quer se suicidar junto com todos os outros?
Morn olhou para Silva com seriedade. — O que nosso Lorde disse vai contra todas as tradições e experiências anteriores. Mas agora vejo com clareza — afirmou em um tom grave. Silva podia ouvir a intenção de batalha na voz de Morn, o que deixou sua mente completamente atordoada.
O Ancião sempre falava de forma calma e sábia. Silva nunca o ouvira falar desse jeito. Era quase como se Morn estivesse em meio a uma batalha.
— Por que nosso Reino da Areia declinou até esse estado? — perguntou Morn, olhando diretamente para Silva. — Sempre estivemos unidos, acreditando que isso nos tornaria mais fortes. E sim, nos tornava mais fortes, mas apenas temporariamente. Promovia força momentânea em detrimento do crescimento futuro.
Morn se levantou, seus olhos ardendo de determinação. — Não vivemos para nos tornar poderosos, mas para sobreviver. Não lutamos para vencer, mas para não perder. Só nos defendemos, nunca atacamos. Estávamos destinados a chegar a esse estado fraco! Ah, como fui ingênuo. Sonhei em voltar aos nossos dias de glória, mas nunca estive disposto a arriscar minha vida.
— O mundo não é um lugar gentil. Se você não for poderoso, você morre. Criar um lugar seguro só nos dará paz até sermos inevitavelmente consumidos por bestas dispostas a arriscar tudo pelo poder.
Morn olhou profundamente nos olhos de Silva. — Na minha opinião, tentar viver em paz em um mundo cheio de morte e guerra é mais parecido com suicídio do que lutar pela própria vida. Ao aceitar a paz, você escolheu morrer.
Gravis sorriu de lado. Como esperava, Morn era semelhante a Orthar. Ele tinha visto o suficiente do mundo para entender sua verdadeira natureza. Mas, por um tempo, tinha se deixado cegar pelas cores brilhantes da paz e da complacência. Criar paz e felicidade em um mundo assim era aceitar a própria morte.
Não havia paz para bestas que desejassem se tornar poderosas. Se quisessem paz, teriam que abandonar o caminho do poder e ir para uma área com tão pouca energia que nenhuma outra besta poderosa se interessaria em ficar ali.
Permanecer em um território útil para o cultivo exigia luta. Quem não lutasse, morreria.
O corpo de Silva tremia de raiva. O Ancião também havia enlouquecido? Aquilo era uma insanidade!
— Muito bem! Se querem viver nessa tortura, fiquem à vontade! A Tribo Areia e eu vamos embora! — Silva gritou ao deixar a Torre. Ninguém o impediu.
Shira sorriu. Seu rival havia partido! Isso era perfeito!
— Então eu lidero os dois acampamentos agora, certo? — Shira perguntou a Gravis.
Gravis sorriu e riu levemente, deixando Shira confusa. — Estou surpreso que você não veja como isso vai acabar. Afinal, você entende muito bem a ganância pelo poder — ele disse.
Shira estreitou os olhos. — Mas ele foi embora — retrucou. — Isso é um fato que não muda.
— Quantas bestas você acha que Silva vai conseguir convencer a sair com ele? — Gravis perguntou.
Shira refletiu um pouco sobre isso e não gostou da conclusão a que chegou.
— Não muitas — Gravis respondeu. — E, com o forte senso de responsabilidade dele, Silva não vai abandoná-las. Ele sabe que, se partir, estará condenando todos os seus companheiros de tribo a morrerem por suas mãos. A antiga Tribo Areia estará ansiosa para lutar e matar quantas bestas marinhas forem possíveis. Eles se consideram superiores às bestas do mar.
— Eles acreditam que não precisam do poder de Silva para erradicar o Acampamento do Mar. Na visão deles, o Acampamento do Mar é apenas um porco gordo pronto para ser abatido e devorado. Eles conhecem Silva e talvez até prefiram que ele vá embora. Afinal, sem ele, ninguém os impediria de matar o outro acampamento. Sem um líder, poderiam fazer o que quisessem, desde que seguissem minhas regras.
— Silva sabe que, sem ele, o Acampamento da Terra será exterminado, e ele não vai abandoná-los.
Shira ficou ainda mais furiosa ao ouvir isso. Sentia como se Gravis tivesse controle total da situação, e isso a irritava profundamente. Era como se ele a manipulasse para agir exatamente como queria, como se suas garras invisíveis estivessem em volta de sua garganta, forçando-a a obedecê-lo.
Bufando, Shira deixou a Torre, tomada pela raiva. Sentia-se extremamente frustrada e sabia que, se continuasse no topo da Torre, poderia cometer um erro. Precisava esfriar a cabeça para planejar seu próximo passo.
— Você é aterrorizante — Morn disse ao lado. — Você é honesto com todos e revela seus planos. Mesmo assim, todos são forçados a seguir o que você quer.
Gravis balançou a cabeça levemente, e o sorriso desapareceu, sendo substituído por uma expressão séria. — Eu não estou manipulando ninguém — ele respondeu. — É assim que o mundo funciona. Agora todos enxergam a verdade do mundo. Eu abri os olhos de vocês para a realidade e, assim, permiti que tomassem uma decisão mais informada.
— Eu dei a vocês o máximo de informação possível sobre o mundo e a total liberdade para escolher. Se pensarem bem, há apenas uma regra em toda a tribo: a regra sobre as lutas entre si. Fora isso, todos podem fazer o que quiserem.
Os olhos de Gravis se estreitaram. — Este mundo foi feito para criar o maior número possível de bestas poderosas. É por isso que não crio regras adicionais. A verdade do mundo é o caminho mais eficaz para o poder, e agora vocês sabem disso.
Gravis se levantou e deslizou até a beira da Torre, observando o crepúsculo que se aproximava. — Silva não pode partir porque os caminhos do mundo matarão todos os seus companheiros.
— Shira não pode partir porque sabe que, se se juntar a outra tribo, mais cedo ou mais tarde, eles serão consumidos por nós, incluindo ela.
— Você não pode partir porque agora entende o mundo.
— Enquanto quiserem se tornar mais fortes e compreenderem a verdade do mundo, decidirão ficar. Vocês sabem que outras mentalidades irão declinar, enquanto a nossa se tornará mais poderosa.
Agora, as nuvens abaixo deles brilhavam com um tom avermelhado à medida que o sol começava a desaparecer no horizonte.
— Vocês são livres para escolher qualquer caminho — disse Gravis.
O sol estava quase sumindo.
— Mas, se quiserem se tornar poderosos…
O sol desapareceu, e a escuridão engoliu o mundo.
— Vocês não têm escolha.