O Acampamento da Terra esperou um dia inteiro, mas nada aconteceu. Nenhum ataque veio, e Silva teve que admitir que havia cometido um erro. Não deveria ter confiado no general negro daquela forma.
O que estava acontecendo? Desde que Shira apareceu, ele vinha sendo continuamente suprimido por ela. A Tribo Rio existia há apenas uma semana, mas, nesse curto tempo, Shira já havia aumentado o poder de seu acampamento para cerca do dobro do Acampamento da Terra.
Silva estava profundamente frustrado por isso. Nunca tinha sido suprimido dessa maneira, e a sensação era horrível. Tinha certeza de que Shira não era mais inteligente do que ele. Na verdade, julgando por algumas ações dela, ela parecia até menos competente.
Então, por que estava sendo tão dominado? Ele a superou quando ela tentou encontrar inimigos no Acampamento da Terra para aumentar seu poder, mas assim que uma força externa se envolveu, ela o golpeou duramente. Para Silva, o mundo parecia escuro e opressor agora.
Depois de muito tempo, finalmente tomou sua decisão.
— Dez bestas do Acampamento da Terra ficarão de guarda na fronteira. O restante pode se dispersar. Chamarei vocês quando chegar a hora da batalha — Silva disse.
Shira apenas riu alto, mas Silva não deu atenção a ela. Havia algo que ele precisava fazer, e Shira poderia esperar. Assim, Silva voltou para a Torre. Precisava falar com alguém.
Ele subiu rapidamente a Torre e entrou no buraco que conectava o topo ao Abismo. Quando chegou ao nível do solo, respirou fundo e abriu a porta. Silva sabia que Gravis podia sentir sua presença, e Gravis também havia dito que eles podiam entrar quando quisessem.
Silva viu Gravis sentado no meio da caverna, aparentemente sem fazer nada. Ninguém, exceto Orthar, sabia o que Gravis fazia o dia todo. Aos olhos dos outros, parecia que Gravis não fazia nada, mas eles eram espertos o suficiente para saber que não era tão simples assim.
— Eu esperava que você viesse mais tarde — Gravis disse ao abrir os olhos e olhar para Silva — mas entendo que, após o golpe pesado que Shira lhe deu, você quis vir mais cedo.
Silva ficou um pouco surpreso. Como Gravis sabia o que havia acontecido? Seus sentidos não deveriam alcançar tão longe, e ele sempre ficava em sua caverna. Gravis começava a se tornar mais misterioso aos olhos de Silva.
— Se você esperava por mim, provavelmente já sabe por que estou aqui? — Silva perguntou.
— Sim — respondeu Gravis. — Você quer saber por que Shira tem sido tão bem-sucedida em suprimi-lo, mesmo tendo mais união no seu acampamento e sendo tão inteligente quanto ela. Aos seus olhos, isso não faz sentido.
Silva estreitou os olhos. Gravis estava absolutamente certo. — Sim. Não consigo encontrar a resposta sozinho, e estou interessado no que você pensa sobre essa situação.
— Já expliquei a todos porque dei a Shira uma posição tão poderosa — disse Gravis. — O motivo é pressão. Sem pressão, é difícil ver suas próprias falhas com clareza. Somente quando a situação está escapando do seu controle é que você começa a refletir de verdade sobre si mesmo.
Gravis se levantou e usou seu Espírito para criar doze estátuas de pedra. Duas delas tinham a aparência de Shira e Silva, enquanto o restante era um pouco menor. Metade das estátuas restantes representava bestas marinhas, enquanto a outra metade representava bestas terrestres. As bestas estavam posicionadas atrás de seus respectivos comandantes, como se estivessem se enfrentando.
Silva ficou impressionado com os poderes estranhos de Gravis. Algo assim não era possível para Lordes.
— Você e Shira são estrategistas brilhantes e capazes. No entanto, vocês têm forças e fraquezas diferentes. No geral, pode-se dizer que suas forças e fraquezas têm um peso semelhante, tornando vocês praticamente iguais.
Silva olhou para Gravis com seriedade. — E quais são essas forças e fraquezas? — perguntou.
— Sua força de combate é semelhante, e sua inteligência também é. Então, tudo depende de como vocês utilizam suas forças e fraquezas — disse Gravis, enquanto caminhava entre as estátuas que representavam Shira e Silva.
— Shira está disposta a sacrificar seus recursos pelo bem maior, que, no caso dela, representa o aumento de seu próprio poder. Isso permite que ela faça isso…
BANG! BANG! BANG!
Três estátuas explodiram. Uma delas era uma besta marinha, enquanto as outras duas eram bestas terrestres. — Ela sacrifica uma parte de seus recursos para eliminar duas partes dos seus. Você não tem essa força, pois não quer ver mortes sem sentido.
Gravis viu que Silva queria dizer algo, mas levantou a mão para impedi-lo de falar. — Sei que isso vai contra o bem maior da Tribo. Também sei que a moralidade está do seu lado. Ao não sacrificar seus recursos, você mantém a lealdade e a confiança deles. Isso, obviamente, é algo bom.
Silva parecia mais calmo enquanto ouvia Gravis. Agora estava pronto para ouvir o que ele tinha a dizer. Silva havia rejeitado o conceito em que a Tribo Rio se baseava por uma semana inteira, acreditando que seu próprio caminho era melhor.
No entanto, seu pensamento havia mudado. Havia uma diferença entre argumentar sobre possibilidades e realmente ver os resultados. Silva já havia percebido que, se seu caminho fosse melhor, ele não estaria sendo tão suprimido. Agora, estava pronto para ouvir Gravis.
— Essa lealdade no seu acampamento aumenta a força de combate. Se lutarmos contra inimigos externos, seu Acampamento da Terra seria superior ao Acampamento do Mar, desde que tenham uma quantidade semelhante de recursos. No entanto, essa lealdade e trabalho em equipe não serão eficazes enquanto lutarem dentro da Tribo Rio.
— Então, Shira pode fazer isso de novo…
BANG! BANG! BANG!
Outra besta marinha e duas bestas terrestres foram destruídas. Agora, restava apenas uma besta terrestre atrás de Silva, enquanto havia três bestas marinhas atrás de Shira. — Se chegar a esse ponto…
CRRRR!
As três bestas marinhas cercaram Silva e a última besta terrestre. — Shira pode encerrar o jogo, e você perde. Com apenas esse punhado de recursos restantes, a lealdade aumentada não salvará você nem seu acampamento. Então, nesse cenário, como você e Shira usaram suas forças? — perguntou Gravis.
Silva olhou para as figuras com os olhos estreitos. Obviamente, não estava feliz. — Shira usou sua vantagem de sacrificar seus recursos para vencer o jogo. No entanto, essa representação da realidade é injusta. Eu não tive a chance de usar minha vantagem.
CLAP!
Gravis bateu uma vez. — E exatamente esse é o problema — disse Gravis. — Você diz que é uma representação injusta da realidade, mas não é exatamente assim que a realidade se apresenta? Você tem apenas cerca de 65 a 70 bestas, enquanto Shira tem mais de 100. No momento, você tem três figuras, enquanto Shira tem cinco. Você diz que é injusto, mas representa bem a realidade.
Silva franziu a testa, mas permaneceu em silêncio por um tempo enquanto observava as estátuas. Constatou que elas realmente representavam a realidade atual. Será que Gravis estava certo?
— E quanto às nossas fraquezas? — Silva perguntou.
Gravis caminhou até a estátua de Shira e se apoiou nela. — Antes de toda essa invasão começar, o que Shira fez? — perguntou.
— Ela tentou alcançar o nível de Lorde o mais rápido possível — respondeu Silva.
Gravis assentiu. — Exatamente. Mas por que você não fez o mesmo? — perguntou.
— Porque, se Shira não for a besta mais poderosa em seu acampamento, ela será implacavelmente suprimida por seus próprios subordinados. Eu não tenho esse… problema… — disse Silva, enquanto sua voz diminuía. Então, ele caiu em reflexão.
Gravis apenas sorriu. — Exatamente. A fraqueza dela é que consegue aumentar o poder do acampamento mais rápido que você. Mas, o preço é que ela precisa permanecer a besta mais poderosa do acampamento. Você não consegue ganhar poder tão rápido devido à sua natureza gentil. Por outro lado, não precisa temer uma rebelião.
— O caminho de Shira é arriscado, enquanto o seu é estável. Ela usa uma abordagem de alto risco e alta recompensa, enquanto você opta por uma abordagem de baixo risco e baixa recompensa. Em um lugar seguro, sua abordagem traria mais resultados. Mas, em um lugar perigoso, a abordagem de Shira é a única que lhe dá uma chance de sobreviver.
Silva refletiu sobre as palavras de Gravis por um momento. — E já que a Tribo Rio é um lugar perigoso, a abordagem dela é mais eficaz que a minha — disse ele.
Gravis suspirou e balançou a cabeça. — Você ainda não entendeu, não é?
Silva franziu a testa. — O que você quer dizer?
— O lugar ao qual me refiro não é a Tribo Rio, mas este mundo — Gravis disse. — Em um mundo pacífico, com regras justas de combate, sua abordagem seria melhor. No entanto, você não está vivendo em um mundo tão pacífico.
Gravis se afastou da estátua de Shira. — Por que Orthar e Morn aceitaram minha filosofia para a Tribo Rio com tanto entusiasmo? Porque é uma boa representação deste mundo.
— Lembre-se da Tribo Areia. Você foi continuamente suprimido até conseguir manter apenas um território nas bordas do continente. Por que isso aconteceu? Os métodos dos seus inimigos foram injustos? Seus inimigos foram mais cruéis que você? Talvez eles tenham se unido para lutar contra você.
— Você despreza essas táticas e se orgulha de não ser tão impiedoso quanto eles. Mas, quando é suprimido assim, você e seu acampamento acabam mortos. O que você pensará então? Ficará feliz e sem arrependimentos, ou pensará no que poderia ter feito melhor?
Gravis deu uma pequena risada. — Talvez ainda se orgulhe de sua filosofia quando a morte chegar. Mas, do ponto de vista de um observador, eles verão apenas uma besta mais forte matando uma mais fraca. Você pode até sentir orgulho. Mas seu cadáver será chutado sem piedade pelos pés do inimigo e depois devorado.
Gravis olhou para a estátua representando Silva.
— Não vejo nenhum orgulho nisso.