Gravis não levou muito tempo para contar sua história. Mesmo contando em detalhes, ele não tinha passado por tantas coisas extraordinárias como Orthar. Quando comparava sua história à de Orthar, Gravis sentia que a sua parecia entediante.
Ele apenas havia enfrentado algumas batalhas, tido filhos e, no restante do tempo, focado em compreender Leis. Sua história não tinha intrigas políticas ou planos grandiosos que se estendiam por muitos anos. Faltava toda a emoção de ver um plano de longa data dar certo.
— Se eu estivesse na sua posição, eu já teria morrido há muito tempo — disse Orthar.
Gravis ficou um pouco surpreso ao ouvir isso. — Por quê? Não houve momentos em que precisei usar grandes esquemas para garantir minha sobrevivência, enquanto você teve que confiar constantemente no seu planejamento para sobreviver.
— Isso é por causa do seu poder, Gravis — Orthar disse. — Você não precisa de intrigas e esquemas para sobreviver. Se eu estivesse no seu lugar, a primeira batalha depois de nos separarmos teria resultado na minha morte. Todo o meu planejamento teria se tornado irrelevante e sem sentido quando dois Lordes, dois níveis acima de mim, fossem ordenados por seu Rei a me matar.
Gravis refletiu sobre as palavras de Orthar e rapidamente percebeu que ele talvez estivesse certo. Orthar teria morrido na posição de Gravis. — Tudo bem, talvez seja verdade — disse Gravis — mas eu também teria dificuldades na sua posição, Orthar.
— Não acho — Orthar respondeu, surpreendendo Gravis novamente.
— Mas eu não consigo fazer esquemas como você por causa da minha afinidade com o elemento raio — disse Gravis.
— Isso não importa — Orthar respondeu. — Você não precisa confiar em esquemas se tiver poder suficiente. Se você tivesse encontrado a associação em meu lugar, não teria precisado de intrigas. Você poderia simplesmente entrar e matar todos eles, tornando-se facilmente um Lorde de nível cinco. Eu não tinha esse poder, por isso precisei recorrer a esquemas.
— E quanto aos Reis que te perseguiram? Mesmo meu poder não seria suficiente para lutar contra um Rei de nível três sendo apenas um Lorde de nível cinco — disse Gravis.
— Irrelevante — Orthar disse. — Só porque você não usa esquemas, não significa que você seja burro. Você é inteligente, Gravis. Se eu fosse capaz de ver o perigo se aproximando, você também teria sido capaz de perceber e agir de acordo.
— Não se esqueça de que você conseguiu sobreviver por anos enquanto o ser mais poderoso do seu mundo inferior queria te matar. Intrigas ajudam pouco contra um ser onisciente que conhece exatamente seu poder e localização — Orthar disse.
As palavras de Orthar faziam sentido para Gravis, mas seus sentimentos discordavam. Tudo aquilo parecia incrível ao ser dito em voz alta, mas, para ele, essas coisas pareciam naturais. Claro, Gravis tendia a confiar mais na lógica do que nas emoções.
— Acho que você está certo, Orthar — disse Gravis com um suspiro. — Mesmo que minha história possa não parecer tão emocionante quanto a sua, meu caminho não esteve livre de perigos.
Depois disso, Orthar e Gravis conversaram por mais algumas horas sobre o que viveram e o que aprenderam. Curiosamente, Gravis não aprendeu quase nada. Era como se ele já soubesse cada conceito que Orthar lhe contava. Isso parecia extremamente estranho para Gravis.
Gravis nunca havia executado grandes esquemas, mas todos os planos cuidadosos que Orthar descrevia pareciam lógicos para ele.
— Sabe por que te contei todos esses planos em detalhes, Gravis? — Orthar perguntou.
Gravis coçou a nuca, confuso. — Você não quer apenas compartilhar suas experiências com alguém? — perguntou.
— Irrelevante — disse Orthar diretamente. — Alívio emocional momentâneo não contribui para meu objetivo. Tinha um propósito específico em mente.
— Certo — disse Gravis, meio incerto. — Então, por que você me contou?
— Para fazer você perceber que foi todo o seu conhecimento que me permitiu alcançar minha posição atual — Orthar disse.
— Espere um segundo — Gravis respondeu. — Você é você, e aprendeu muitos conceitos por conta própria. Você não é apenas um acessório meu.
— Será? — Orthar perguntou, mas obviamente não fez a pergunta com seriedade. — Você aprendeu algum conceito novo enquanto eu te contava minhas experiências? Algum desenvolvimento te surpreendeu?
Gravis permaneceu em silêncio por alguns segundos. — Sinceramente, não — disse Gravis.
— Esse era meu objetivo ao contar minhas experiências — disse Orthar. — Meus planos estão além da compreensão de quase todas as bestas neste mundo. Qualquer besta que ouvisse minha história ficaria chocada e intrigada pelos conceitos avançados apresentados. Mas tudo parece natural para você.
— Meu objetivo ao contar minhas experiências era confirmar algo e, se isso fosse verdade, mostrar a você — Orthar disse.
— O que você descobriu? — Gravis perguntou, genuinamente curioso.
— Sua inteligência e sabedoria são assustadoras, Gravis — Orthar disse. — Quando eu era uma Besta Espiritual, sentia como se suas palavras constantemente abrissem um novo mundo para mim. Mesmo agora, quando você explicou as relações entre diferentes Leis, senti como se meus olhos se abrissem.
Gravis se sentiu um pouco desconfortável com os elogios de Orthar.
— Não tenho certeza se seu vasto conhecimento sobre seres e guerra é algo comum entre humanos ou não, mas esse conhecimento humano é muito poderoso neste mundo. Contudo, isso não é o que eu queria confirmar, pois já sabia disso — Orthar disse.
— Então, me conte — disse Gravis, interessado.
— Eu queria confirmar se você percebeu o poder do conhecimento que possui — Orthar disse.
Gravis ficou um pouco surpreso, não porque não esperava isso, mas porque era evidente que seu conhecimento era poderoso. — Eu sei disso — disse Gravis.
— Mas você não percebe a verdadeira extensão — Orthar disse. — Você precisa entender o efeito completo que seu conhecimento tem sobre o mundo. Sem você, o Imperador do Inferno ainda seria o Rei Vermelho. Sem você, eu teria morrido. Sem você, Ferris morreria como um Imperador de nível um. Sem você, o Grande Ancião do Império do Orgulho Gélido levaria muito mais tempo para se tornar mais poderoso.
— Cada besta que tem contato prolongado com você tem seu destino significativamente alterado, e o aspecto mais assustador disso é que o Reino da besta não importa — Orthar disse.
— Acho que você está exagerando — disse Gravis. — Ferris acumulou mais de 3.000 anos de experiência. Você sempre foi inteligente desde que nos conhecemos, o que foi o principal motivo pelo qual te escolhi como guia naquela época. Não foi apenas meu contato com as bestas que as fez ganhar poder.
— Isso é verdade até certo ponto, Gravis — Orthar respondeu — mas a parte mais difícil é sempre o último passo. A acumulação pode levá-lo até o limite, mas não pode fazê-lo ultrapassar. Dar o último passo para compreender uma nova Lei é sempre o mais difícil. Seu conhecimento permite que as bestas deem esse passo.
Gravis queria negar a afirmação de Orthar, mas simplesmente não conseguia encontrar um argumento. Isso o fez hesitar por quase um minuto completo enquanto refletia sobre o que Orthar havia dito. Era verdade? Gravis realmente tinha tal efeito?
— Minhas palavras realmente têm tanto impacto no mundo? — Gravis perguntou.
— Você, dando um comentário casual, resultou na morte de três Supremos — Orthar disse sem rodeios.
Gravis não podia contestar isso.
— Por que você quer que eu perceba isso? — Gravis perguntou, finalmente aceitando as palavras de Orthar.
— Recompensa — Orthar disse. — Você salvou minha vida três vezes e abriu meus olhos para o verdadeiro funcionamento do mundo. Fazer você perceber o poder que possui é apenas uma pequena forma de retribuição.
Gravis riu um pouco. — Só isso? — perguntou.
— Só isso — Orthar respondeu. — Você é o único ser que considero um companheiro, Gravis. Não tenho experiência com companheiros, mas retribuir a ajuda do seu companheiro com a sua própria ajuda é algo natural, não é?
Gravis riu mais um pouco. Orthar realmente não tinha experiência com isso. No entanto, quando ouviu Orthar se referir a ele como seu único companheiro, Gravis lembrou-se de algo.
— Você sabe o que aconteceu com Silva? — Gravis perguntou. Ele ainda se lembrava da víbora que havia sido o Comandante do acampamento das bestas terrestres na Tribo do Rio. Perguntava-se como ele estava.
— Silva criou uma Tribo pacífica nas bordas do continente. Após cerca de 50 anos, um Reino notou a força de combate excepcional dessa Tribo e recrutou os membros à força.
— Silva e sua Tribo morreram nas linhas de frente da guerra entre bestas terrestres e marinhas. Seu sonho de viver em paz morreu com ele.