Gravis respirou fundo para se acalmar. Um de seus amigos, Silva, já estava morto há muitos anos. Gravis sempre esperou que Silva pudesse viver em paz. Claro, isso era só otimismo de suas emoções. Desde o começo, Gravis sabia que Silva já era poderoso demais para escapar do ciclo de batalhas do mundo.
Uma Besta Espiritual no oceano poderia ter vivido em paz sem problemas. Fora do continente, as batalhas eram apenas entre bestas individuais, sem organizações envolvidas. Se Silva tivesse decidido viver no oceano, ele provavelmente ainda estaria vivo.
— Ele não foi decisivo o suficiente em sua escolha — disse Gravis, com tristeza na voz.
— Correto — Orthar disse. — Ele não estava disposto a seguir totalmente o caminho do poder, mas também não o abandonou. Bestas terrestres podem viver no vasto oceano sem problemas, e ele deveria ter ido para lá. No entanto, decidiu viver em terra. Meu palpite é que ele tinha arrependimentos em relação ao seu caminho rumo ao poder.
Gravis assentiu. — Acho que sim. Foi sua própria indecisão que o matou, o que é muito lamentável — disse Gravis com um sorriso amargo. — Porque, agora, não tenho ninguém para culpar por sua morte, a não ser ele mesmo.
Gravis respirou fundo novamente. — Então, todos os membros da Tribo do Rio, exceto você e eu, estão mortos, hein? — perguntou Gravis.
— Não totalmente — Orthar disse.
— Oh? — Gravis perguntou. — Quem ainda está vivo?
— Liza — Orthar respondeu.
Gravis se lembrou da hiena que quase havia matado Orthar. — Liza? Ela ainda está viva?
— De acordo com meus espiões, ela se tornou uma Rainha e serve em uma linha de defesa — Orthar disse. — No entanto, seu potencial é muito fraco. Sua Força de Combate se tornou bastante mediana, e ela terá grande dificuldade em se tornar mais poderosa. A expectativa é que ela não consiga se tornar uma Rainha de nível cinco.
Gravis suspirou novamente. — Nem todos chegam ao topo, não é? — perguntou Gravis.
— Naturalmente — Orthar respondeu.
Então, o silêncio reinou por alguns minutos enquanto Gravis pensava sobre sua antiga Tribo do Rio. De milhares de membros, apenas três ainda estavam vivos.
Ainda assim, isso já era incrível. O caminho para o poder supremo era perigoso, e dois membros de uma Tribo insignificante nas bordas do continente haviam se tornado poderosos o suficiente para disputar com Imperadores. Essa proporção já era assustadora.
Orthar e Gravis conversaram por mais algumas horas, e o clima se recuperou. Gravis havia perdido muitos amigos e companheiros em sua jornada. Isso não era novidade para ele. Ainda doía quando ouvia sobre a morte de um companheiro, mas ele havia se acostumado.
— E agora, o que você planeja fazer, Orthar? — Gravis perguntou.
— Permanecerei em seu Anel da Vida até que a Supremo da Luz deixe este mundo. Depois, continuarei meu caminho. No entanto, desenvolvi uma ideia durante nossa conversa, algo que não tenho certeza se devo compartilhar — Orthar disse.
— Oh? Algo de que você não tem certeza? — Gravis perguntou com um sorriso. — Preciso ouvir isso.
Orthar permaneceu em silêncio por alguns segundos, o que surpreendeu Gravis. Aparentemente, Orthar levava essa ideia muito a sério.
— Gravis — Orthar disse lentamente. — As bestas são muito simples. Desde que te conheci, percebi a engenhosidade e a visão de longo alcance que os humanos podem ter. Não vi essa mentalidade em nenhuma besta, mas sinto que me encaixaria melhor em uma sociedade humana.
Gravis piscou algumas vezes, confuso. — O que você quer dizer? — perguntou.
— Gravis — Orthar disse lentamente, olhando nos olhos de Gravis. — Quando você retornar ao seu mundo natal, pode me levar com você?
Gravis ficou surpreso. Orthar queria retornar com ele ao seu mundo natal? Aquilo veio do nada!
Gravis pensou seriamente na proposta. — Não é impossível — disse Gravis. — O problema é que viver no mundo mais alto é muitas vezes mais perigoso para você do que permanecer em um mundo natural.
— Sinceramente, não sei muito sobre a relação entre humanos e bestas no meu mundo. Bestas em corpos humanos podem ter estado por toda parte na cidade, mas também é possível que houvesse apenas humanos. Afinal, eu era fraco demais para sentir o poder de um Imortal ou mais.
— Não sei o que aconteceria. Pode ser que você não tenha permissão para viver na sociedade humana e seja forçado a viver na natureza. Mas também é possível que não haja diferença entre humanos e bestas na sociedade.
— Além disso, as batalhas entre Imortais e Deuses produzem ondas de choque que podem ser sentidas a milhares de quilômetros. E os humanos têm Sorte Cármica, enquanto as bestas não têm. Não posso contar isso a nenhum humano, pois destruiria sua Sorte Cármica, mas posso te contar, já que você é uma besta. Afinal, você não tem Sorte Cármica para começar — disse Gravis.
O conceito de Sorte Cármica não havia sido relevante neste mundo. Afinal, nenhum ser aqui tinha Sorte Cármica. Ainda assim, Gravis não havia esquecido o impacto enorme que a Sorte Cármica teve quando estava no mundo inferior. Só porque o conceito não havia sido relevante aqui, isso não significava que não voltaria a ser importante quando houvesse contato com outros humanos novamente.
Gravis explicou a Orthar o conceito de Sorte Cármica e como isso poderia resultar em sua morte contra um humano que, normalmente, ele venceria. Um golpe perdido ou uma interferência externa aleatória poderiam fazer toda a diferença entre a vida e a morte.
Orthar permaneceu em silêncio enquanto reavaliava sua escolha. Ele não sabia sobre o conceito de Sorte Cármica. Para se tornar mais poderoso, era essencial para Orthar se refinar. No entanto, não se podia simplesmente escolher livremente o oponente.
Se um humano decidisse atacar Orthar, ele não teria escolha a não ser lutar. O conceito de Sorte Cármica era inerentemente injusto, e, se Orthar quisesse se refinar de forma justa contra seres que também não tinham Sorte Cármica, ele precisaria se manter longe da sociedade humana.
Nesse caso, não haveria diferença entre aqui e lá. Em ambos os casos, Orthar só teria contato com bestas, o que derrotaria todo o propósito de querer ver a sociedade humana.
Mas então, algo aconteceu que chocou Gravis profundamente. Ele nunca esperou que algo assim acontecesse.
Gravis olhou para Orthar enquanto um de seus sentidos, que não usava há mais de cem anos, foi despertado.
Nos olhos de Gravis, o corpo de Orthar emanava uma sensação específica. Gravis conhecia essa sensação.
Era a sensação de quando a Sorte Cármica de alguém mudava!
Neste momento, bem em frente a Gravis, Orthar recebeu Sorte Cármica do Céu!
Os olhos de Gravis se estreitaram. “Qual é o seu plano, Céu?”, pensou Gravis. “Por que está dando Sorte Cármica a Orthar agora?”
Gravis rapidamente chegou a uma conclusão que fazia sentido. “Este Céu intermediário não quebra as regras. Isso significa que essa Sorte Cármica não vem deste Céu intermediário, mas do Céu mais elevado.”
“Meu pai e eu já percebemos que o Céu mais elevado quer que o máximo possível dos meus amigos cheguem ao mundo mais alto. Não temos certeza se o Céu mais elevado quer usá-los como reféns mais tarde ou se realmente deseja me recompensar.”
Gravis se levantou e olhou para o céu de seu Anel da Vida. Orthar estava confuso com a mudança repentina de expressão e emoções de Gravis. Essas emoções não faziam sentido para Orthar e aparentemente surgiram do nada.
— É isso? — perguntou Gravis. — Quer me mostrar que Orthar também pode se refinar contra humanos no mundo mais alto? Está disposto a sacrificar as vantagens inerentes que os humanos têm sobre ele para se assegurar ainda mais contra mim?
Gravis olhou para Orthar. — Céu, não tenho certeza do seu objetivo, mas se é me fazer aceitar o status quo e parar de buscar poder supremo, isso não vai funcionar. Se esse é o seu objetivo, você não vai conseguir.
Gravis continuou olhando para o confuso Orthar. Ainda assim, a Sorte Cármica de Orthar não diminuiu nem um pouco.
— Esse não é o seu objetivo, hein? — perguntou Gravis. — Tudo bem, então estou bem com isso. Mesmo que queira tomar mais reféns contra mim no futuro, em troca do futuro de um dos meus amigos, estou disposto a correr o risco.
Gravis respirou fundo. — Duvido que queira me prejudicar ao me enganar agora. Isso é algo que o Céu inferior idiota teria feito, não você. Simplesmente não vale a pena. Além disso, você também sabe que não conseguiria esconder isso diante do meu pai.
— Então, espero que cumpra sua palavra, Céu mais elevado — disse Gravis.
— Gravis, o que está acontecendo? — perguntou Orthar.
Gravis virou-se para Orthar. — O Céu mais elevado lhe concedeu Sorte Cármica. Eu já te contei sobre meu conflito com o Céu mais elevado. Ou ele quer me recompensar pelo que fez a Stella, ou quer que você se torne poderoso para que possa usar sua vida para me deter.
— Está disposto a me acompanhar ao meu mundo de origem, sabendo dessas possibilidades e perigos? — perguntou Gravis.
Orthar não hesitou nem por um instante. — Refinar-se é sempre perigoso, assim como o desconhecido. Não vejo diferença no perigo entre ficar aqui ou te seguir ao seu mundo de origem.
Gravis assentiu. Em seguida, sorriu.
— Então, estou feliz em tê-lo a bordo! — disse Gravis. — Parece que nossos caminhos se separarão apenas por um curto período até que eu deixe este mundo. Tente se tornar o mais poderoso possível durante esse tempo.
Então, Gravis deu um sorriso de canto. — E eu tenho exatamente o que vai te ajudar — ele disse.
— Ah? — Orthar disse com interesse.
Whooop!
De repente, uma pequena gosma verde apareceu na frente de Orthar. — Este é o OMC. Ao observá-lo, você pode compreender uma tonelada sobre as Leis da Vida. De agora até o dia em que o Supremo da Luz deixar este mundo, você deve observá-lo.
— Quanto mais Leis conseguir compreender, melhor — disse Gravis.
Nesse momento, Orthar sentiu como se estivessem de volta à Tribo do Rio, com Gravis como líder. Orthar não era uma besta emotiva, mas não pôde evitar pensar no passado.
— Eu farei isso — disse Orthar.
Gravis assentiu. — Ótimo, vou deixá-lo com isso.
Então, Gravis olhou para o horizonte de seu Anel da Vida novamente. — Enquanto isso, também vou me concentrar em aprender o máximo de novas Leis possível nos próximos 50 anos. Avisarei quando o Supremo da Luz deixar este mundo.
— Gravis — disse Orthar, com um pouco de incerteza. — Isso parece estranho como uma besta, mas se vou viver entre humanos no futuro, preciso me acostumar. Então, deixe-me tentar isso.
Gravis ergueu uma sobrancelha. — O quê?
— Gravis — disse Orthar.
— Obrigado.