A mente de Morus se recuperou instantaneamente quando sua antiga personalidade retornou. Toda a reverência que sentia por Gravis desapareceu. Agora, ele podia enxergar Gravis pelo que realmente era.
Os mais de 700 anos como servo passaram diante de sua mente. Setecentos anos sem liberdade eram aterrorizantes para ele. Ele havia desperdiçado 700 anos sob o controle de outra pessoa!
Gravis já estava completamente preparado para a batalha inevitável. Toda besta libertada anteriormente de seu Anel da Vida havia desejado nada menos do que sua morte. Ser privado da própria vontade não era algo fácil de suportar.
Os olhos de Morus se estreitaram enquanto uma intenção assassina emanava dele. Ele olhou friamente para Gravis à distância.
Contudo, em vez de falar ou atacar, Morus permaneceu em silêncio por vários segundos, encarando Gravis com frieza.
Então, ele relaxou e olhou para Gravis de maneira neutra.
— Você não pensou bem nisso, Gravis — disse Morus friamente.
Gravis apenas sorriu de lado.
— Planejo isso há vários séculos, Morus — respondeu Gravis. — Sei que você tem uma grande chance de me matar, mas se não tivesse essa chance, eu não teria libertado você. Você deve saber que preciso de refino genuíno, já que me conhece muito bem a esta altura.
Morus bufou. — Não foi isso que quis dizer.
— Esclareça-me, então — disse Gravis calmamente.
— Estar sob a supressão e controle de alguém por tanto tempo realmente me faz odiar você. Mas eu conheço seu poder. Se eu o atacar por raiva, há uma possibilidade de morte sem nenhuma recompensa potencial. O que ganho com nossa luta? — questionou Morus.
Gravis arqueou uma sobrancelha. — Isso faz sentido, mas você está realmente disposto a ir embora assim?
Morus balançou a cabeça lentamente. — Essas são as duas possibilidades que você imaginou ao decidir me libertar, certo? Ou eu teria que lutar com você ou evitar uma luta com você.
— Que outra escolha você teria? — perguntou Gravis.
Morus sorriu de forma debochada e levantou a garra direita. — Você esqueceu de algo. Eu tenho um poço de raiva e ódio contra você guardado dentro de mim. No entanto, se eu lutar com você, posso muito bem morrer. Então, eu morreria cheio de arrependimentos?
Em seguida, ele ergueu a garra esquerda. — Mas se eu simplesmente fugir assim, nunca conseguirei me livrar desse ódio. Quero machucar você, mas talvez eu não tenha poder suficiente para fazê-lo, e também não posso simplesmente deixá-lo ir.
— Então — disse Morus com um sorriso — que método eu tenho para machucar você profundamente sem enfrentá-lo?
Inicialmente, Gravis não fazia ideia do que Morus queria dizer, mas então seus olhos se arregalaram de horror.
Gravis havia cometido um erro terrível!
Morus sabia quase tudo sobre ele. Isso significava que ele também conhecia a fraqueza de Gravis.
Morus percebeu a mudança na expressão de Gravis e sorriu. — Você é forte o suficiente para me resistir, mas e quanto à sua prole? — perguntou Morus com uma voz de superioridade. — E se eu simplesmente fosse até os territórios do sul e matasse seus filhos? O que você faria?
O interior de Gravis revirava enquanto sua mente se enchia de medo, pânico, raiva, ódio e impotência. Morus era mais rápido do que Gravis. Se Morus quisesse fugir, Gravis não teria como impedi-lo!
Além disso, as últimas notícias que ele tinha de Orthar sobre seus filhos eram de que eles eram Imperadores de nível um. Tornar-se Imperadores de nível dois já seria incrível em tão pouco tempo, mas eles não poderiam ser Imperadores de nível três. Além disso, Morus estava acima da média para um Imperador de nível três. Seus filhos não teriam chance contra ele.
Mesmo assim, Gravis apenas estreitou os olhos, olhando com intenção assassina para Morus. — Se você fizer isso, perderá sua vida, e sabe disso — disse Gravis. — Assim que eu vir você tentando fugir, procurarei o próximo Imperador de nível dois e me tornarei um Imperador. Nesse ponto, só restará a morte para você.
— E se eu já tiver aceitado minha morte? — questionou Morus. — Estive sob seu controle por 700 anos, e esse ódio é tão poderoso que quero resolvê-lo, mesmo que eu morra. Nem todos são racionais como você, Gravis. Às vezes, bestas fazem algo prejudicial a si mesmas por razões emocionais.
Gravis rangeu os dentes. Ele sabia que isso era uma possibilidade, mas tinha apostado no fato de que Morus ainda era racional. Afinal, Morus ainda estava conversando com ele.
— Então, por que não está fazendo isso, Morus? — perguntou Gravis friamente.
— Para mostrar a você que não está no controle, Gravis — respondeu Morus com um sorriso. — Você acredita estar no controle muito mais vezes do que realmente está. Essa é uma fraqueza sua. Você acredita estar seguro no coração do continente porque ninguém teria nada a ganhar lutando contra você.
Morus gesticulou ao redor. — Mas e as emoções? E se uma besta quiser fazer seu nome matando o lendário Gravis? Talvez haja um grupo fanático entre as bestas marinhas que ainda acredita que você faz parte do acampamento das bestas terrestres, mesmo tendo saído?
— Um Imperador de nível três é um desafio, mas dois são sua morte. Você pensa de maneira lógica e racional, mas nem todos pensam assim. Algumas bestas apenas seguem seus sentimentos, e se sentirem ameaçadas por sua mera existência, podem agir contra você.
— Ao permanecer tão abertamente no centro do mundo, você não está apostando na própria sorte? Está apostando que nenhuma besta tem interesse em matá-lo, mesmo que existam inúmeras bestas? Está dizendo que não há, pelo menos, um idiota entre milhões de bestas? Você é tão ingênuo assim? — perguntou Morus.
— E quanto ao seu passado? — continuou Morus. — Nem todos têm a mesma mentalidade daquele macaco branco do antigo Império do Orgulho Gélido. Ele tem a mentalidade sábia de considerar os benefícios de longo prazo ao tomar decisões. No entanto, às vezes, alguém não tem tempo para considerar os benefícios de longo prazo. Às vezes, é preciso buscar benefícios imediatos para sequer permanecer vivo.
— Você conta a todos sobre seu passado e seus poderes extraordinários e aposta no fato de que não quereriam arriscar lutar com você. Isso também não é confiar na sorte?
— No final — disse Morus lentamente, com um sorriso — você não está no controle, mas está confiando que todos os outros sejam tão racionais quanto você, o que é ingênuo.
Gravis odiava o que estava ouvindo, mas tinha que admitir que Morus estava certo. Pessoas e bestas frequentemente viam os outros de maneira semelhante a si mesmos. Pessoas enganosas viam traidores e intenções enganosas em todos ao redor, enquanto pessoas ingênuas viam apenas amizade e bondade ao seu redor.
Contudo, ainda existiam aqueles que eram apáticos e aqueles que não consideravam seus próprios ganhos. Gravis havia apostado demais no fato de que todos poderiam permanecer racionais em situações emocionais e estressantes.
— Por que está me dizendo isso, Morus? — perguntou Gravis friamente. — Você deve saber que suas palavras só me beneficiam, já que está destacando uma de minhas fraquezas. Se quisesse me machucar, teria agido imediatamente sem me dizer nada.
Morus riu das palavras de Gravis. — Está vendo isso? — disse Morus. — Mesmo agora, você acredita que sabe como eu penso. Você acredita que só porque estou ensinando algo a você agora, não quero machucá-lo. Para uma besta semelhante a você, isso pode ser verdade.
— Mas quanto ao motivo… — disse Morus, deixando a frase no ar com um sorriso.
— Eu só queria lhe dar esperança antes de destruí-la.
BANG!
E Morus disparou em direção ao sul com toda a velocidade.