Gravis passou os cem anos seguintes tentando compreender o Inferno. Assim que começou, notou a diferença. Inferno era fogo, mas ao mesmo tempo não era. Ainda mais surpreendente foi perceber que sua compreensão do fogo de nível médio quase não o ajudou a entender o fogo de alto nível. Era como se fossem compostos por coisas completamente diferentes.
Por fora, pareciam quase idênticos, mas internamente, as Leis e conceitos eram completamente diferentes. Na verdade, a compreensão de Gravis sobre o Raio de Punição o ajudou mais a entender o Inferno do que o próprio elemento fogo comum, o que era quase inacreditável para ele.
Essa era provavelmente uma das razões pelas quais tão poucas bestas haviam conseguido compreender os equivalentes de nível três de seus elementos. A única coisa que os ajudava era sua afinidade, mas todas as outras Leis de Fogo eram basicamente inúteis ao se deparar com essa Lei.
De fato, esta era uma Lei completamente desvinculada das outras. Compreender outras Leis ajudava apenas minimamente, a menos que fossem Leis Elementais do mesmo nível.
Por todas essas razões, Gravis tentou compreender a Lei do Inferno, mas falhou. Com apenas a ajuda do Raio de Punição, entender essa Lei era simplesmente difícil demais.
— Será que as outras versões superiores das Leis também são tão difíceis de compreender? — Gravis pensou. — Será que entender a Composição do corpo não ajuda a entender as Leis de Composição Corporal de nível superior? Isso não pode estar certo. Afinal, as Leis básicas dos mundos médios são necessárias para compreender as variantes de nível superior. Deve haver alguma utilidade.
Quando o século terminou, a Matriz de Virtualização parou de funcionar, e Gravis a retirou. Após suspirar com amargura, ele foi até a ‘sala de estar’ do apartamento.
Yersi e Orthar logo se juntaram a ele, e começaram a conversar.
Yersi não teve problemas em compreender sua Lei de nível um. Afinal, já havia compreendido várias Leis desse nível antes. Ela até alugou uma segunda Matriz e compreendeu outra Lei. Depois disso, apenas esperou pelos outros.
Orthar, assim como Gravis, falhou em compreender sua Lei-alvo.
— Isso é ineficiente — disse Orthar.
— O que quer dizer? — perguntou Gravis.
— Eu já tenho a Lei perfeita para o meu Avatar — respondeu Orthar. — A próxima variante melhor seria uma Lei de nível quatro baseada nesta Lei de nível três, mas tenho certeza de que não terei fundos suficientes. Gravis, você provavelmente não trabalhará novamente, já que tem Pedras Imortais suficientes para alcançar seus objetivos. Com isso, minha fonte de renda será severamente comprometida.
— E qual é o seu plano? — perguntou Gravis.
— Tornar-me um Imortal primeiro. Como Imortal, meu estado mental deve se elevar a um novo nível, tornando mais fácil compreender Leis. Preciso aproveitar ao máximo meus fundos limitados, usando-os da forma mais eficiente possível — explicou Orthar.
Gravis coçou o queixo. — Faz sentido — disse. — Certo, vá em frente.
— Orthar vai se tornar um Imortal? Eu preciso ver isso! — disse Yersi, animada.
Orthar e Yersi não eram muito próximos. Suas mentalidades eram incompatíveis, mas toleravam a presença um do outro por causa de Gravis. Assim que Gravis partisse para o mundo superior, Orthar e Yersi provavelmente nunca mais entrariam em contato.
Às vezes, as pessoas simplesmente não se gostam. Isso acontece.
CRRRR!
O corpo de Orthar começou a inchar e a brilhar com uma luz intensa.
Por que as bestas queriam viver em ambientes ricos em Energia?
Havia duas razões para isso.
A primeira era que a Energia estimulava suas mentes, tornando mais fácil compreender Leis. Com mais Energia, as Leis apareciam mais claras e brilhantes em suas mentes.
A segunda era que as bestas também absorviam lentamente a Energia. Essa absorção não era tão rápida quanto a dos humanos, mas existia. Isso os empurrava lentamente para frente em seus Reinos, mesmo sem comida.
Com a densidade insana de Energia nessa cidade, Orthar já estava pronto para se tornar um Imortal há muito tempo, mas decidiu se preparar antes.
Gravis também sentia que já tinha feito algum progresso para o próximo nível. No entanto, em comparação a Orthar, Gravis havia avançado apenas cerca de 5%. Se não consumisse outra besta ou Pedras Imortais, precisaria de quase 4.000 anos para alcançar o Reino de Circulação Menor Intermediário.
A transformação de Orthar levou vários segundos, mas, quando terminou, ele revelou seu corpo humano.
Ao vê-lo, os olhos de Gravis quase saltaram.
Orthar tinha o corpo de um jovem com cabelos brancos. Gravis teria pensado que Orthar preferiria cabelos pretos, mas aparentemente não era o caso. Além disso, havia algo muito peculiar na aparência de Orthar.
Ele tinha sete olhos dispostos em círculo.
Assim que viu Orthar, o Céu do Mundo intermediário imediatamente veio à mente de Gravis. Exceto pelos traços masculinos em Orthar, que claramente indicavam seu gênero, ele se parecia exatamente com o Céu do Mundo intermediário!
Além disso, essa era a forma humana de uma besta! Toda forma humana de uma besta parecia humana. Não tinham caudas, garras, escamas ou qualquer outra característica incomum.
No entanto, Orthar tinha sete olhos.
Isso definitivamente não era normal. Pelo que Gravis sabia, Orthar era o única besta com uma forma humana tão estranha.
— Orthar? — chamou Gravis.
Orthar olhou para suas mãos com uma expressão neutra. Até suas expressões lembravam as do Céu do Mundo intermediário. Quando Gravis viu Orthar olhando para a própria mão, lembrou-se do Céu olhando para o Grande Lago.
Então, Orthar olhou para Gravis, e Gravis teve um flashback da primeira vez que o Céu olhou para ele.
Parecia idêntico!
— Sim? — respondeu Orthar.
Essa foi a primeira vez que Gravis ouviu a voz real de Orthar. Bestas sempre falavam com suas mentes, não com suas bocas. No entanto, quando Orthar falou, a imagem do Céu foi imediatamente quebrada.
A voz de Orthar era muito mais profunda que a do Céu. Além disso, as emoções por trás da voz eram diferentes. O Céu soava como alguém que já havia visto tudo e estava cansado da vida. Era distante, como se nada no mundo tivesse algo a ver com ele.
Por outro lado, a voz de Orthar soava fria. Era como uma voz humana criada por uma Formação de Matrizes.
Ao ouvir a voz de Orthar, a imagem do Céu foi destruída. Suas aparências podiam ser quase idênticas, mas suas personalidades eram claramente distintas.
— Você se parece exatamente com o Céu do Mundo intermediário — disse Gravis.
Orthar desviou o olhar. — Lógico — respondeu. — Minha forma de besta já era muito parecida com o Céu, como você me disse. Portanto, minha forma humana provavelmente também seria semelhante.
Yersi olhava maravilhada para a aparência de Orthar, enquanto Gravis fazia uma careta. — Mas é uma forma humana? — perguntou. — Nunca vi um humano com sete olhos. Nem sei se isso é possível.
Orthar não se surpreendeu com essas palavras. — Tudo tem suas razões — disse. — Não tenho dados suficientes para chegar a uma conclusão, o que torna a especulação inútil.
Gravis não conseguiu aceitar completamente essas palavras, mas Orthar continuou. — Meu plano mudou, Gravis — disse, olhando para ele.
— Tem algo a ver com sua forma humana? — perguntou Gravis.
Orthar assentiu. — O mundo parece diferente — disse. — Coisas que antes não percebia agora são claras diante dos meus olhos. As Leis fazem sentido, são um todo.
— O que você quer dizer, Orthar? — perguntou Gravis.
Orthar olhou para o céu artificial do apartamento. — As coisas estão começando a fazer sentido. Finalmente entendo as perguntas que sempre tive antes. Eu sou eu, mas não sou o único eu.
— O que está acontecendo, Orthar!? Do que você está falando!? — perguntou Gravis, nervoso.
Orthar se virou para Gravis, e seus olhos pareciam diferentes. Gravis não sabia por quê, mas sentiu como se alguma confusão ou conflito oculto dentro de Orthar tivesse desaparecido. Era como se ele tivesse mudado completamente.
— Não posso te contar, Gravis — disse Orthar. — Você pode ficar com minha parte do dinheiro. Não preciso mais dele.
Gravis sentiu um aperto no estômago. Essas palavras soavam sombrias demais!
— Nós nos veremos novamente, Gravis — disse Orthar.
SHING!
E Orthar desapareceu, teleportando-se.
Gravis imediatamente estendeu seu Sentido Espiritual, mas não conseguiu encontrar Orthar em lugar nenhum.
Ele simplesmente desapareceu!
— Pai! — chamou Gravis. — O que está acontecendo!?
— Isso é importante? — respondeu o Opositor.
— Meu companheiro mais próximo acabou de ir embora! Como isso não seria importante!? — exclamou Gravis.
— Orthar ainda está vivo, e ele ainda é ele mesmo. Você não precisa se preocupar com ele. Isso faz parte do plano do Velho Bastardo, e enquanto você não morrer, inevitavelmente o verá novamente — disse o Opositor.
— Sim, obrigado, mas o que está acontecendo? — perguntou Gravis, agora mais calmo. O fato de seu pai ter dito que nada estava errado com Orthar o acalmou, mas o envolvimento do Céu mais elevado o deixou nervoso novamente.
— Orthar ainda é seu amigo? — perguntou o Opositor.
— Claro que é! — respondeu Gravis, como se fosse uma pergunta absurda.
— Então respeite os limites do seu amigo — disse o Opositor. — Se ele quisesse te contar, ele teria contado. Você se sente confortável em me usar para espionar seu amigo?
O corpo de Gravis tremeu de frustração.
Mas, alguns segundos depois, ele suspirou e se acalmou.
— Não, não me sinto — respondeu Gravis.
— Então não pergunte — disse o Opositor. — Enquanto você ainda o considera seu amigo, confie nele. Quando chegar a hora, ele mesmo te contará.
Gravis realmente não gostava dessa situação, mas seu pai estava certo. Se Orthar quisesse contar, ele teria contado.
Ainda assim, Gravis sentiu uma sensação de perda e abandono. Um amigo sair assim, sem mais nem menos, não era fácil de aceitar.
— Orthar, o que está acontecendo? — disse Gravis em voz baixa, mais para si mesmo do que para Orthar.
Seu melhor amigo havia desaparecido assim, de repente.