Em nosso oitavo dia no Continente Begaritt, descemos da plataforma rochosa e nos dirigimos para Bazaar.
Do nosso ponto de vista, a cidade parecia com uma rosquinha. O grande lago redondo no meio dela era cercado por um anel de “glacê” branco – tendas e prédios – com uma pequena área verde nos arredores. Pensando bem, fazia algum tempo que eu não comia nada doce.
— Finalmente chegamos — suspirou Elinalise. — Foi uma bela caminhada, devo dizer.
— Sim, verdade. Parece que cobrimos bastante terreno na última semana.
— Suponho que os monstros fizeram que parecesse mais longe do que é.
O solo nesta área não era apenas arenoso. Havia solo de verdade, embora a cor marrom-avermelhada sugerisse que não era particularmente rico, e as planícies estivessem pontilhadas com pedras de tamanho considerável e algumas plantas desgrenhadas. Isso, na verdade, me fazia lembrar do Continente Demônio. Pelo menos era mais fácil de seguir em frente. E a temperatura local era muito menos extrema. Havia uma grande diferença de clima se comparado com o deserto do outro lado da plataforma rochosa.
Quando chegamos aos arredores de Bazaar, já estava de noite e os morcegos começavam a voar pelo céu. Eles não tentaram nos atacar, e não havia nenhuma súcubo os acompanhando. Eram simples morcegos comuns. Ainda assim, podiam haver outros monstros à espreita, talvez por estarmos perto da cidade. Ficamos em alerta ao nos aproximar.
Quando estávamos chegando perto, ouvimos um grito agudo de algum lugar próximo. Reconhecendo o chamado de um Grifo, nós dois ficamos instantaneamente tensos.
— Está vindo em nossa direção?
— Não, acho que não. Eles estão lutando lá, vê?
Elinalise estava olhando para algo à frente, mas eu não conseguia entender para o que estava olhando.
— O que é?
— Não sei dizer.
Avançamos com cautela em direção à cidade. Logo, avistei um pequeno grupo de pessoas lutando com um bando de Grifos. Havia quatro humanos e cinco monstros. Bem, havia seis humanos, mas dois deles estavam jogados imóveis no chão. Dos quatro sobreviventes, um estava agachado e segurando a cabeça, e não lutando.
Em outras palavras, eram três contra cinco. Os humanos em menor número estavam se defendendo dos Grifos com enormes espadas. Era um grupo bem coordenado, mas estava óbvio que tinham começado a ficar cansados.
— Elinalise, devemos ajudá-los?
Ela deu de ombros de forma evasiva.
— Vou deixar isso com você.
— Vamos lá.
Abandoná-los provavelmente deixaria um gosto ruim na minha boca. Não vi qualquer razão para não correr ao resgate.
— Muito bem. Me dê cobertura!
— Certo!
Elinalise já estava correndo para frente. Quando ela se aproximou, disparei uma onda de choque contra um Grifo que estava atualmente no ar.
Meu feitiço acertou em cheio – o monstro estava focado nos inimigos à frente. A explosão não foi suficiente para matá-lo de imediato, mas fez que caísse no chão, espalhando penas em todas as direções. Elinalise saltou sobre a fera caída e cravou sua espada no pescoço dela.
Disparei mais feitiços de vento, um atrás do outro. Meu segundo alvo caiu com um único disparo, mas o terceiro conseguiu escapar do meu feitiço. Neste momento as criaturas já estavam cientes dos meus ataques, mas também tinham guerreiros armados diante deles, e Elinalise estava bloqueando o caminho até mim. Eu estava livre para lançar quantos feitiços quisesse, sem qualquer medo de retaliação. Era como atirar em peixes em um barril.
— Kyeeeaaah!
Depois de matar quatro dos monstros, o último deles tentou fugir. No fim, disparei um Canhão de Pedra pelas costas dele. Deixar uma besta ferida escapar em desespero não era boa ideia.
Com a batalha acabada, Elinalise e eu embainhamos nossas armas e nos aproximamos do grupo de guerreiros.
— A-Acabou?!
O homem que estava agachado e tremendo finalmente ergueu o rosto. Depois de olhar pela área, todo nervoso, ele sorriu com óbvio alívio. Os guerreiros que lutaram contra os Grifos se viraram e se aproximaram dele.
Ficando de pé, o homem logo começou a gritar com todos.
— O que vocês estão esperando? Você! Vá lá e comece a procurar!
O guerreiro ao qual ele se dirigiu balançou a cabeça e saiu correndo de imediato.
— Minha nossa, que desastre — murmurou o homem. — Afinal, o que diabos um bando de Grifos estava fazendo aqui?
Balançando a cabeça, ele se virou e se aproximou de nós com os outros dois guerreiros ao seu lado.
— A ajuda de vocês foi muito bem-vinda, viajantes. Permita-me expressar a minha gratidão.
O homem usava um turbante e um robe vermelho por baixo de uma túnica amarela. Havia um pequeno ponto vermelho bem no meio da sua testa. Seu bigode era longo e fino, mas isso não o fazia parecer especialmente imponente. Ele me parecia ser do tipo tímido – a imagem escarrada de um comerciante estereotipado do deserto. Mas, que seja.
— Bem, parecia que vocês estavam com problemas — falei. — Não poderíamos simplesmente abandonar vocês.
— A maioria das pessoas com certeza abandonariam.
O homem estava falando na Língua do Deus Lutador, então respondi na mesma moeda. Ele, por sorte, parecia estar entendendo muito bem. Esse era um bom sinal.
— Que as bênçãos do vento agraciem vocês e os seus.
Com essas palavras finais, o homem prontamente se virou e caminhou de volta na direção de seus companheiros caídos. Parece que não é do tipo expressivo.
— …
Os outros dois membros de seu grupo eram lutadores usando uma armadura vermelha e uma roupa grossa parecida com uma saia na cintura. Estavam mais bem equipados do que os guerreiros comuns do Continente Central. As armas em seus quadris eram espadas grandes e curvas, cujas lâminas grossas tinham mais de um metro de comprimento. Eu, na verdade, já tinha visto muitas cimitarras parecidas no Continente Demônio. Deviam ser bem eficazes contra monstros maiores.
Ainda assim, armas e armaduras tão pesadas não eram adequadas para lutar contra monstros tão ágeis quanto Grifos. Talvez fosse por essa razão que estavam sofrendo na batalha.
— Não vejo magos por estas bandas com muita frequência.
O primeiro a falar foi um homem com um tapa-olho no olho esquerdo e uma tatuagem cobrindo o rosto. Ele tinha quase um metro e oitenta de altura, provavelmente uns quarenta anos e era com certeza um veterano experiente.
— Ei, Chefe. Aquela garota é uma Súcubo? — O outro guerreiro era, na verdade, uma guerreira de pele morena clara que estava olhando para Elinalise. Eu não conseguia ver muito de seu corpo por baixo da armadura, mas ela parecia bem musculosa. Imaginei que ela teria uns vinte e poucos anos.
— O que ela está dizendo, Rudeus? — perguntou Elinalise na Língua Humana, parecendo um pouco confusa. Ela não sabia falar a língua local.
— Ela está perguntando se você é uma Súcubo — falei, também na Língua Humana.
— Bem, suponho que sou. De certa forma.
— Nossa. E ainda admite isso.
— Dito isso, não tenho o hábito de espalhar odores ruins por onde passo.
— E eu continuo dizendo, acho o cheiro delas muito bom.
O homem enorme se virou para sua companheira e deu um golpe na cabeça dela.
— Não seja idiota! Que tipo de Súcubo viaja com um homem? Você ousa insultá-los depois de salvarem nossas vidas!
A mulher choramingou lamentavelmente em resposta.
— Aii! Mas, Chefe! Você disse que uma garota que aparece junto de morcegos vai ser sempre uma Súcubo!
Precisei me esforçar um pouco para entender o que ela estava dizendo. Será que era por seu sotaque ser muito forte? Eu conseguia entender as palavras, mas não era fácil.
— É exatamente por isso que te chamam de Cabeça Oca, criança.
O homem, por outro lado, falava com mais clareza. Eu não sabia se ele era mais fluente na Língua do Deus Lutador ou o quê, mas era muito mais fácil de entender.
Suspirando, ele se virou para Elinalise para se desculpar.
— Sinto muito, senhorita. Não queríamos ofender. A Carmelita aqui é meio burra, é só isso.
Elinalise olhou na minha direção, sem jeito. Ela não fazia ideia do que o homem estava dizendo.
— O que foi agora? — perguntou ela. — Ele está tentando dar em cima de mim ou algo assim?
— Não. Ele está se desculpando porque a mulher te chamou de Súcubo.
— Ah, é isso? Bem, diga que não fiquei nem um pouco ofendida.
Elinalise mostrou seu sorriso mais brilhante para o homenzarrão, fazendo-o corar um bocado.
— Ela diz que não se importa — acrescentei prestativamente.
— S-Sério? Ela não fala a nossa língua?
— Não. Mas posso servir de intérprete dela.
O homem estava agora abertamente olhando para Elinalise. Não era difícil imaginar o que ele poderia estar pensando, algo como: “Essa é uma boa mulher “. Ou talvez: “É uma pena que ela tenha tão pouco peito”. Elinalise não parecia se importar com a cobiça. Ela parecia, inclusive, meio orgulhosa por ser cobiçada. Acho que já estava acostumada a isso.
Desviando o olhar de Elinalise, o homem voltou a olhar para mim.
— Meu nome é Balibadom… Mais uma vez, agradeço pela ajuda, estranho.
— Sou Rudeus Greyrat e esta é Elinalise.
— Entendo. Bem, se precisar de alguma coisa…
— Ei! Qual é o problema de vocês dois? — gritou o homem bigodudo com quem tínhamos conversado antes, interrompendo o guerreiro no meio da frase. — Precisamos encontrar aquela carga agora!
— Opa, foi mal. Tenho que ir. Tenho certeza de que nosso empregador também irá recompensá-lo depois.
Balibadom e Carmelita correram para o chefe. Os três tiveram uma breve reunião, depois se dividiram em dois grupos e correram em direções diferentes. Partiram em um instante.
— O que, estão indo embora? Eu esperava um pouco mais de gratidão — disse Elinalise.
Eu podia entender como ela se sentia, mas não tínhamos entrado nisso por causa de alguma recompensa.
— Parece que também deixaram os feridos para trás… — Olhei para os lutadores caídos, pronto para lançar um ou dois feitiços de cura. — Ah. Estão mortos.
Pensando bem, os sobreviventes nem mesmo tentaram ajudá-los após a batalha. Provavelmente sabiam que já estavam mortos.
— Esta ainda era tão nova, coitadinha…
Um dos mortos era uma adolescente, talvez com dezoito anos. Havia um buraco aberto em sua testa, bem onde o bico afiado de um Grifo a acertou. Ela devia ter morrido na mesma hora.
— Será que deixar os mortos onde eles caem é uma tradição deste Continente?
— Nenhum aventureiro decente faria uma coisa dessas.
— Bem, aquelas pessoas não me pareciam aventureiras…
Já que o grupo deles sumiu, queimei os corpos com a minha magia e também a usei para enterrá-los. A maneira como os deixaram para trás parecia meio maldosa.
Aquele Balibadom tinha prometido que seríamos recompensados, mas não sabíamos nem o nome daquele cara de bigode. E como iriam nos encontrar se não sabiam quem éramos ? Esperavam que nós os localizássemos e exigíssemos um pagamento ou algo assim?
Bem, tanto faz… Não era como se eu tivesse alguma esperança de receber uma grande recompensa ou algo assim. Eu teria que me satisfazer por fazer uma boa ação.
— Bem, vamos indo.
— Então vamos lá.
Nós dois caminhamos em direção a Bazaar.
Quando chegamos à cidade propriamente dita, o sol já havia se posto. O lugar era surpreendentemente bem iluminado; havia grandes fogueiras por todos os cantos, do tipo que seria vista em um festival. O chão ao redor das fogueiras estava coberto por algum tipo de carpete. As pessoas sentavam-se em grupos ao redor delas, comendo e festejando alegremente com as outras. Isso meio que me lembrava de um grande piquenique para ver as flores de cerejeira.
E todos pareciam ter turbantes em suas cabeças. As cores e estampas em suas roupas eram bem diferentes umas das outras, mas a maioria delas me lembravam das roupas tribais que vi no Continente Demônio. Elinalise e eu estávamos totalmente deslocados no local. Não que isso importasse.
— Estou ficando com um pouco de fome, e você?
— É, suponho que sim.
Ver todos festejando ao nosso redor fez nossos estômagos começarem a roncar. Mesmo assim, precisávamos primeiro encontrar um lugar para ficar.
Enquanto eu procurava por uma pousada, porém, um homem se aproximou e nos chamou.
— Ei, vocês dois! Procurando comida? Posso encher as barrigas de vocês por apenas três Cinsha!
Pelo visto, seu grupo estava vendendo as porções excedentes de uma enorme refeição que tinham preparado. Decidimos aceitar a oferta. Afinal, não dava para pensar com o estômago vazio.
Assim que nos acomodamos no carpete, o homem que nos chamou estendeu a mão em expectativa.
— Vou ter que pedir o pagamento adiantado, gente. Já preparamos a comida, estão vendo?
Peguei três moedas de bronze e as entreguei.
Ele as examinou com desconfiança.
— O que diabos são essas coisas?
— Moedas de bronze do Reino Asura.
— Do reino o quê? Não tenho uso para essas coisas, parceiro.
Como eu temia, parecia que o dinheiro do Continente Central não seria aceito. Realmente fazia sentido. Eu planejava trocar o dinheiro em algum lugar, mas ainda não tínhamos conseguido a chance.
— E que tal assim?
Enquanto eu tentava pensar em meu próximo movimento, Elinalise deixou outra coisa cair na mão do homem. Era um pequeno anel dourado. Ele o ergueu e examinou de perto, então balançou a cabeça, satisfeito, e saiu para encontrar outro cliente.
— Em situações assim, é melhor apenas negociar — explicou Elinalise.
Esses eram os instintos de veterano mais uma vez em ação. Ela descobriu o movimento certo a fazer quase que instantaneamente.
— Fico feliz por ter você por perto, Elinalise. Você realmente sabe das coisas.
— Não precisa de tanta lisonja, querido.
Sentamos no carpete para esperar pela comida. Isso despertava algumas memórias muito antigas da minha vida anterior no Japão. Ultimamente, eu não tinha feito muito além de ficar sentado no chão.
— Aqui está, pessoal!
Não tínhamos feito um pedido nem nada assim, mas nossa comida chegou da mesma forma. O prato principal era uma sopa grossa de feijão branco com alguns pedaços de algo misterioso, mas tínhamos carne cozida no vapor servindo de acompanhamento. Havia também uma estranha fruta tropical com um gosto ligeiramente azedo, que cobriram com algum tipo de molho doce.
A sopa doce, a carne picante e a fruta azeda formavam uma combinação interessante. A refeição parecia um pouco carente de carboidratos, mas, quando comecei a comer, comecei a gostar bastante. A sopa estava particularmente boa. Os misteriosos pedaços brancos flutuando no caldo se revelaram ser arroz, e não carne. Então era um tipo de mingau de arroz?
Dentre todos os lugares, eu não esperava encontrar arroz logo ali. Não devia ter nenhum arrozal com este clima, então deviam ser cultivados em solo seco. Eu já tinha ouvido dizer que isso era possível, embora fosse um pouco mais difícil de fazer. Foi com certeza uma surpresa agradável, e acabei tomando toda a sopa bem rápido.
Com o passar dos anos, minha paixão por arroz só ficou mais forte. Colocar um pouco disso na barriga me fazia sentir invencível, como se estivesse pronto para enfrentar o mundo. Eu teria que consultar a possibilidade de cultivar arroz nos Territórios Nortenhos. Se ensinasse o básico do plantio para Aisha, ela talvez pudesse fazer um pequeno campo no nosso quintal…
Mas, bem, provavelmente não seria correto transformar minha irmãzinha em uma trabalhadora braçal, tudo em nome do meu próprio prazer.
— Oh? É a primeira vez que não te vejo reclamando da comida, Rudeus. Isso é incomum.
— Bem, estava melhor do que eu imaginei, sinceramente.
Acabei pedindo até para repetir. Nunca reclamei da comida de Sylphie nem nada assim, só para deixar claro… mas o arroz tinha, definitivamente, um lugar especial no meu coração. Se eu tivesse alguns ovos e molho de soja para servir de acompanhamento, estaria tudo perfeito.
Eu poderia sempre invadir um ninho de Garudas em busca de ovos, não? Afinal, eram basicamente galinhas gigantes. Só restava o molho de soja. Este continente talvez voltasse a me surpreender, comigo encontrando alguns à venda no mercado.
— Então vamos ver se conseguimos encontrar uma pousada.
Mas, claro, não estávamos de férias. Se tivéssemos um pouco de tempo após salvar Paul, eu talvez pudesse prosseguir com esse pequeno projeto paralelo. Mas ainda não era hora.
— Certo — disse Elinalise. — Acho melhor encontrarmos um guia amanhã.
A maioria dos comerciantes ao nosso redor já estava fechando a loja e voltando para casa. As fogueiras estavam sendo apagadas, uma a uma, e as pessoas pareciam estar se preparando para dormir. Me parecia meio cedo, mas não parecia que conseguiríamos contratar ninguém nesta noite.
Localizando o homem que nos vendeu a refeição, chamei por ele.
— Com licença! Há alguma pousada por aqui?
— Pousadas? Do que você está falando? Pode dormir onde quiser.
Interessante. Pelo visto, os visitantes de Bazaar que não levavam suas próprias barracas dormiam a céu aberto. Mas poderíamos sempre fazer um abrigo com a minha magia.
— Onde devemos ficar? — perguntou Elinalise.
— Parece que as pessoas estão se aglomerando mais perto da água.
— Então tá, vamos nos afastar um pouco da multidão.
Andamos por algum tempo, então encontramos um bom lugar aberto no meio do caminho entre duas tendas grandes. Havia guardas do lado de fora deles, então provavelmente não precisaríamos nos preocupar com ladrões.
Desta vez, fiz nosso abrigo um pouco grande. A criação demorou mais do que o normal, mas teríamos mais espaço para passar a noite. Assim que o sol nascesse, provavelmente ficaria quente bem rápido, então não usaríamos o abrigo por mais tempo do que isso.
— Phew. Bem, pelo menos chegamos aqui, certo?
— Até aqui, tudo bem.
Largando nossas bolsas no chão, nos permitimos soltar um suspiro de alívio.
— Ainda assim, estamos apenas na metade do caminho. Vamos nos certificar de que estamos alertas.
— O mais importante primeiro — concordou Elinalise. — Amanhã compraremos as provisões necessárias e encontraremos um guia.
Passamos alguns minutos examinando nossas prioridades. Primeiro de tudo, precisávamos trocar nosso dinheiro, comprar provisões, confirmar a rota para Rapan e contratar um guia. Também demoramos um pouco para fazer a manutenção do nosso equipamento. Elinalise limpou sua espada e escudo, e eu conferi se nosso equipamento de proteção tinha qualquer dano. Isso era só uma parte da nossa atual rotina diária.
Passados alguns minutos, terminamos e estendemos as peles que usávamos como cama. Mas, quando eu estava a ponto de me deitar, Elinalise se levantou.
— Então tá, vou sair um pouco.
O quê? Ela precisa ir em uma loja de conveniência ou algo assim?
— Uh… para fazer o quê?
Elinalise sorriu para a pergunta.
— Para pegar um homem.
Em outras palavras, ela iria zerar o medidor da sua maldição.
— Você ainda tem um pouco de tempo, não?
A maldição de Elinalise ganhava força a cada duas ou quatro semanas. O implemento mágico de Cliff mais do que dobrava esse prazo, então ele poderia suportar ao menos um mês entre seus encontros. Fazia apenas duas semanas desde nossa partida, e ela provavelmente estava começando a sofrer algum efeito, mas ainda não era algo urgente.
— Isso é verdade. Mas, de qualquer forma, vou contratar alguém, preciso aproveitar enquanto estivermos aqui.
— Certo…
Essa viagem duraria no mínimo três meses. Dada a nossa incerteza a respeito do que nos aguardava, quatro meses seria uma estimativa mais provável. Mesmo na melhor das hipóteses, Elinalise precisaria dormir com alguém por pelo menos uma vez ao longo desse período. Não tinha como contornar isso.
— Então tá bom. A gente se vê depois.
— Sim, volto uma hora dessas. Não precisa me esperar. Durma bem.
— Bem, tá bom… mas você não fala a língua local, fala?
— Isso não é problema. Esse tipo de coisa funciona do mesmo jeito em todos os lugares.
Com isso, Elinalise deixou o abrigo e caminhou para a cidade.
Na manhã seguinte, acordei bruscamente com gritos de “Ataque de formigas!” enquanto um exército de formigas falange marchava para a cidade.
E então acordei com tudo…
Pela primeira vez em um bom tempo, tive uma noite inteira de sono, e meus sonhos foram, a maioria, agradáveis. Lembrei de um que envolvia Aisha e Norn exigindo que eu as carregasse nos meus ombros. Quando levantei Norn e a coloquei neles, Aisha ficou de mau humor, e quando troquei elas de lugar, Norn começou a chorar. Mas, eventualmente, Sylphie apareceu e agarrou seu prêmio – meus ombros – para si mesma.
A repreendi gentilmente, explicando que todas deveriam se revezar, mas ela respondeu: “Que pena! Este lugar agora é meu! Ninguém mais pode usar!” Minhas pobres irmãs começaram a chorar sem parar, é claro. Quando apareceu pela primeira vez em meu sonho, Sylphie era uma mulher adulta, mas ela se transformou em sua versão de sete anos quando a coloquei em meus ombros.
Foi um ótimo sonho. Quando acordei e lembrei disso, me peguei sorrindo. Parecia que o dia seria bom.
Dando uma olhada no lugar, vi Elinalise dormindo profundamente, uma expressão satisfeita em seu rosto. Parecia que ela tinha se divertido na última noite. Era bom saber disso, embora eu me sentisse um pouco mal por Cliff.
Nas primeiras horas da manhã, Bazaar se transformava por completo. O silêncio da noite dava lugar a uma explosão animada criada pelo comércio. Os mercadores espalhavam suas mercadorias do lado de fora de suas tendas e gritavam para todos que passavam.
— Tenho melões grandes e suculentos bem aqui! Última chance, pessoal! Amanhã não terá mais nenhum!
— Garras de Grifo aqui! Trinta Cinsha para quem levar agora!
— Alguém tem tecido Nania? Tenho frutas Tokotsu para negociar!
Os vendedores gritavam seus preços, enquanto seus potenciais clientes gritavam de volta para as ofertas, sempre com a mesma intensidade. Alguns pagavam em dinheiro, mas muitos também recorriam ao escambo. A multidão do mercado parecia se estender até onde a vista alcançava. Aqui e ali, vi brigas ou discussões acontecendo, mas pareciam coisas comuns entre mercadores, e não algo realmente perigoso.
— Tenho garrafas de vidro de Vega! Não vou levar isso mais para o leste! Alguém precisa de algumas?!
Os produtos de vidro, em particular, pareciam ser o foco do comércio. Tive de presumir que era uma grande indústria regional. Um comerciante tinha prateleiras e mais prateleiras cheias de recipientes retangulares com símbolos intrincados esculpidos na superfície; pareciam com garrafas chiques de uísque. Alguns eram de cores vivas, mas eram todos notavelmente lisos e claros.
O Continente Central também tinha vidro, mas tendia a ser fino e só semitransparente. Eu tinha ouvido falar que as partes mais ricas de Asura tinham artesãos que faziam vidro de boa qualidade, mas essa região provavelmente produzia coisas de verdadeira qualidade.
Claro, mesmo este vidro não poderia ser comparado ao que eu tinha me acostumado no Japão, mas algumas de suas peças eram feitas à mão, com muito cuidado. Fiquei tentado a comprar uma lembrancinha.
— Rudeus, não viemos aqui para comprar presentes.
— É, eu sei.
Enquanto o mercado fervilhava ao nosso redor, Elinalise e eu começamos a trabalhar em nossa lista de tarefas da noite anterior. Primeiro de tudo, precisávamos de dinheiro. A moeda local parecia ser a Cinsha – algo desconhecido para mim, o que era meio excitante, de certa forma. No Continente Central, todos costumavam usar nomes simples como “moedas de ouro”.
Mas a moeda, em si, não era particularmente diferente das demais. Era só uma peça pequena e redonda de ouro, possuindo um desenho mal estampado na superfície. Na verdade, eu já tinha visto alguns desses antes, quando estava passando por Porto Leste com Eris.
Vendemos algumas das coisas que tínhamos conosco e conseguimos uma boa quantia dessa moeda local. Parecia que o escambo era muito comum na região, mas seria sempre bom ter algum dinheiro no bolso.
As coisas que tínhamos do Continente Central alcançavam preços muito bons. Para a minha surpresa, alguns cortes baratos de carne seca podiam ser vendidos por três vezes o que pagamos por eles. Poderíamos ser capazes de vendê-los ainda melhor se tivéssemos tentado. Senti que existia uma boa forma de ganhar dinheiro vendendo carne ali e comprando vidro para vender em Ranoa… mas tentar ganhar dinheiro com aquele teletransportador só resultaria em encrenca.
Por enquanto, garantimos cerca de 5.000 Cinsha para pagar nossas necessidades mais imediatas. Eu não tinha certeza de qual quantia nos seria necessária, mas nosso jantar na noite anterior tinha custado apenas 3 Cinsha. Provavelmente passaríamos algum tempo sem ter problemas.
Com nosso problema de dinheiro solucionado, começamos a reunir informações sobre Rapan. Pelo visto, era uma cidade importante, então não foi difícil. Conforme assegurado por Nanahoshi, seria uma jornada de cerca de um mês para o norte.
Perguntei sobre a estrada para lá, só para ter uma noção do que enfrentaríamos.
— Então, a rota usual é passar pela região de Nkots e tomar o caminho mais longo dando a volta pelo deserto, mas tem muitos bandidos nesse percurso, então não é seguro. Os comerciantes mais espertos estão atualmente atravessando o deserto Ucho. Pode seguir para o leste até chegar no marcador, então ir para o norte, para o oásis. De lá, deve seguir uma estrada sinuosa para o oeste por um tempo. Depois de ver as Montanhas Kara, mantenha-as à esquerda e siga para o norte até chegar ao próximo oásis. A partir daí, o deserto ao leste fica um pouco menos violento. É fácil seguir o caminho após isso, então segue para o noroeste e volta à estrada normal.
Conseguir uma resposta tão detalhada era bom, mas essas coisas não me significavam nada. Existiam muitas referências a lugares específicos que eu não conhecia, a maioria dos quais pareciam montanhas genéricas ou marcas no deserto. Entendi a mensagem básica de que existiam duas possíveis rotas, mas se tentássemos seguir alguma delas, provavelmente nos perderíamos.
— Existem mapas desta área à venda ou algo assim? — perguntei.
Os mapas nem sempre eram confiáveis, mas ajudavam. Normalmente, serviriam para ter ao menos uma noção geral de onde estava. Isso era bem reconfortante.
— Mapas? Quem diabos se importaria em fazer uma coisa dessas?
Não parecia que teríamos muita sorte nesta frente. Este continente ainda não havia se deparado com seu Ino Tadataka. Obviamente, precisávamos encontrar um guia confiável.
— Então tá bom. Sabe onde podemos encontrar alguém capaz de nos guiar até Rapan?
Presumi que isso não seria problema, mas…
— Tenho certeza de que algumas pessoas conhecem o caminho, mas você não vai encontrar nenhum guia procurando clientes por aqui. Esta cidade é como uma estação intermediária na estrada.
— Espera, sério?
— Sim. Digo, as pessoas normalmente querem viajar para centros comerciais maiores, certo?
— Ah, entendo…
Pensando bem nisso, até que fazia sentido. Por que não presumi que isso poderia se provar um problema?
Elinalise presumiu que encontraríamos um guia com bastante facilidade, mas sua experiência não se aplicava a este continente. Quando ela visitava uma terra desconhecida pela primeira vez, sempre partia para cidades fronteiriças que viviam cheias de viajantes comuns. Mas, desta vez, usamos um teletransportador para ir direto para o meio do continente. Essa diferença era complicada.
As coisas já não estavam correndo conforme planejado.
Ainda assim, não adiantava de nada entrar em pânico. A vida é uma caixinha de surpresas. Levamos apenas duas semanas para chegar onde estávamos, e essa viagem normalmente levaria um ano inteiro. O progresso foi impressionante, não importa como encarasse isso.
— O que você normalmente faria em uma situação assim, Elinalise?
— Seguir em frente pela rota mais curta possível. Mas, para ser sincera, já faz um tempo que cansei de viajar pelo deserto.
— Pois é, eu também.
— Então, o que acha?
— Hmm… Será que podemos acompanhar um comerciante que esteja indo para Rapan?
— Parece um bom plano. Vamos ver se conseguimos encontrar um.
Aisha tinha conseguido chegar rapidamente a Ranoa ao pegar carona em caravanas mercantes. Não existia uma razão para não adotarmos a mesma tática. E também não precisávamos nos apressar. A única coisa importante era chegar em segurança ao nosso destino.
— Senhor, você por acaso conhece algum comerciante que estará indo para Rapan?
Não haveria caravanas procurando ativamente por guardas, pela mesma razão pela qual não havia guias a serem encontrados. Mas Elinalise era uma aventureira de rank S e eu um mago de Água de nível Santo. Se oferecêssemos dinheiro e nossos serviços, poderíamos encontrar alguém disposto a nos levar junto.
Infelizmente, o homem disse que não existiam muitas pessoas por ali que iam para Rapan. A maioria dos mercadores viajantes estava a caminho de um lugar chamado Kinkara, ao leste.
Entretanto, existia algum tráfego para o norte. Rapan era famosa por seus labirintos, que produziam um constante fluxo de itens mágicos valiosos; se estocasse esses produtos, poderia vendê-los a preços elevados em outras cidades. Alguns comerciantes ganhavam a vida com isso. A maioria deles levava pedras mágicas e cristais do sudoeste para Rapan, onde vendiam suas posses e usavam o lucro para comprar itens mágicos.
— Mas não sei se tem alguém assim por aí agora — concluiu o homem. — Mas em alguns meses, com certeza teremos um monte.
Isso não foi muito reconfortante. Eu estava começando a achar que seria melhor pegar uma carona para aquela cidade ao leste. Estaríamos saindo do nosso caminho, mas ao menos chegaríamos a um centro comercial onde poderíamos encontrar um guia.
Mesmo assim, tentei perguntar pela cidade durante algum tempo. Quase todo mundo estava indo para Kinkara e, depois de uma ou duas horas, quase me conformei com isso.
Mas então, quando eu estava a ponto de desistir, tropeçamos em algo.
— Ah, Rapan? Então você vai querer se encontrar com Galban. Acho que ele armou uma barraca no lado oeste do rio. Vá procurar por ele.
Elinalise e eu saímos à procura deste Galban na mesma hora. Ele parecia fazer fortuna viajando entre Rapan e uma cidade chamada Tenorio, levando pedras mágicas para Rapan e, lá, comprando itens mágicos. As pessoas diziam que ele viajava em uma caravana de seis camelos, o que significava que estava fazendo um bom dinheiro.
Não precisamos perguntar muito para encontrar a barraca que estávamos procurando. Não era tão grande, mas tinha seis camelos amarrados na frente dela.
Ao nos aproximarmos, uma mulher de pele morena emergiu lá de dentro da tenda. Ela usava um peitoral e uma faixa parecida a uma saia ao redor da cintura. Não dava para ver os músculos sob seu equipamento, mas parecia ser bem forte.
Levei alguns segundos para perceber que era Carmelita, a mesma guerreira que encontramos anteriormente.
— Ei! Vocês são aquelas pessoas! De ontem!
Pelo visto, ela também lembrava de nós, embora parecesse surpresa em nos ver. Parecia que o homenzinho bigodudo que tínhamos salvado era o tal Galban. Ainda bem que decidimos ajudar.
Quando entramos em sua barraca, ele nos deu boas-vindas com um sorriso caloroso.
— Sinto muito por ontem, amigos! Ficamos surpresos ao ver que vocês já tinham partido quando voltamos!
Pelo visto, tinham saído correndo para encontrar seus camelos, que fugiram no meio de todo o caos – junto com a carga valiosa que carregavam. Depois voltaram ao local da batalha, só para descobrir que tínhamos enterrado os corpos de seus camaradas e sumido. Galban afirmou ter passado muito tempo tentando nos encontrar naquela noite.
Então podia ter explicado seu plano antes de sumir…
Ainda assim, isso talvez fosse bom senso neste lugar. A carga vinha em primeiro lugar e todo o resto poderia esperar.
— Deve ser pelo destino que você nos encontrou. Se importaria em se juntar à minha caravana como guarda-costas?
Ele, pelo que parecia, estava em busca de contratar novos guardas. Isso fazia sentido, já que tinha perdido alguns.
— Que tal 500 Cinsha para Rapan? O que acha?
A julgar pela forma como ele elogiava nossa elegante vitória sobre os Grifos, estava pensando nisso desde o começo. Eu parecia me lembrar dele se escondendo durante a batalha, mas, que seja. Era exatamente disso que eu precisava.
— Tudo bem, claro. Então iremos com você até Rapan.
— Ah, esplêndido! Isso é realmente maravilhoso. Eu estaria até mesmo disposto a assinar um contrato de exclusividade de longo prazo com vocês dois, caso estejam interessados. Nunca vi um mago do seu calibre! Afirmo que posso fazer isso valer a pena. Que tal 10.000 Cinsha por ano? Não, espera, Balibadom iria fazer uma confusão. Que tal 8.000? Eu poderia…
As ofertas estavam começando a ficar um pouco ambiciosas demais, então acabei precisando interromper.
— Sinto muito, mas precisamos resolver algo em Rapan. Mas vamos manter a oferta em mente.
Galban aceitou isso com bastante facilidade. Tínhamos encontrado nossa passagem para Rapan. Estava tudo de volta aos trilhos.
que continente maluco, nem 1/10 dessas coisas apareceram no anime
Muito foda o autor dando o sangue pra mascarar o fato de ter sido conveniente pra caralho acharem alguém pra levar eles pra Rapan SKAKKAKAKAKA
realmente
Excelente! Tudo indo muito bem. Realmente uma pena o Prota não ter dormido com a Lise, mas, pelo menos não estão perdendo tempo desnecessariamente com a maldição dela. Seria uma porcaria se eles gastassem tempo com algo que poderia ser resolvido rápido entre eles. Ainda mais numa situação única dessa em que o próprio Hitogami não encontrou solução sem arrependimento.
oxe, não lembro disso não,
mas também acho que ele deveria ter ficado em casa, achei FEIO demais ele casar com a roxy, eu acho que seria justo se no máximo ele ficasse com a Sylphie + Eris, achei desnecessário demais da parte do autor envolver o Rudy romanticamente com a Roxy
coloca como spoiler ai na tora
vei, porque vc acha uma pena o prota não ter dormido com a avó da esposa dele?
sério, essa seria uma situação extremamente bizarra
olha vc iria preferir que um amigo coma sua mulher ou um completo estranho. É uma decisão difícil