As coisas nunca são tão simples.
Imagine que a criança “A” sofra bullying da criança “B”. Certo, você dá uma surra na criança “B” e a criança “A” está segura agora, correto? Bem, na maioria das vezes não é assim que funciona. Enquanto todos encaram a criança “A” como alvo fácil, sempre irão tirar vantagem. No fim, surgem as crianças “C” e “D” para tomar o lugar do primeiro valentão.
Então! Como fazer a criança “B” parar? Primeiro: por que a criança “B” intimida a “A”? Esse tipo de gente sequer precisa de um motivo? Aconteceu alguma coisa envolvendo a criança “A” que acarretou nesse bullying? Pode acontecer. Assumi que esse tenha sido o caso na minha vida passada, pelo menos.
Talvez o caso do Reino do Rei Dragão fosse uma história similar. Benedikte podia estar sofrendo bullying pelo azar de ter sangue de demônio correndo em suas veias. Se esse fosse o problema, eu não iria me conter e daria uma surra na criança “B”.
Mas e se houvesse mais do que isso? E se tiver alguma coisa externa que “A” fez e perturbou a criança “B”, que acabou retaliando? Se fosse isso, a criança “B” poderia parar caso esse fator externo fosse removido. Isso, bem como elucidar os problemas que vem ao praticar bullying com a criança “A”, deveria ser o suficiente para que deixem isso tudo de lado. Com alguma sorte, a criança “B” seria esperta o bastante para se dar conta disto.
A questão agora era: qual poderia ser essa coisa externa? Para descobrir, nosso intrépido herói desbravou as entranhas das mais temíveis florestas… Na verdade, não; eu apenas bati perna até o salão de treinos e procurei por alguém que conhecesse as políticas do reino de trás para frente. Randolph disse que eu encontraria um homem chamado Shagall que me daria o que eu queria.
Como você pode esperar, Orsted também me contou sobre esse sujeito. Um dos maiorais em todo o Reino do Rei Dragão: Shagall Gargantus, o Supremo General do Reino do Rei Dragão. Tinha um quarto de sangue élfico, e isso rendeu-lhe uma fala áspera, mas ele era decisivo e um homem de ação.
Reino: Shagall Gargantis, o Paramount Geral1. do Reino do Rei Dragão. Ele era um quarto elfo e tinha uma maneira caracteristicamente áspera de falar, mas era decisivo e um homem de ação. Ele também tinha uma alcunha: o Generalíssimo.
Também foi ele quem recrutou Randolph, o Deus da Morte. A princípio, ele não estava muito interessado, mas Shagall o visitou inúmeras vezes e ofereceu tudo quanto é favor para persuadi-lo a assumir um posto. O sujeito claramente tinha um bom olho para talentos.
As chances de que ele fosse o discípulo do Deus–Homem eram baixas por agora, mas se o Reino do Rei Dragão apresentasse risco de ruir, elas subiriam aos céus. Ele parecia ser um patriota.
— Eles são bem energéticos.
— Claro que são — respondi, olhando por sobre o salão de treino com a carta de apresentação escrita por Randolph firme em minha mão.
Alguém que parecia ser um recepcionista me disse que sem uma hora marcada, eu teria de esperar até terminarem com os treinos. Zanoba também estava comigo, aliás, mas Eris não. A encarreguei de cuidar de Aisha e Julie.
Os salões de treino possuíam formatos ovais e seus tamanhos eram próximos aos de campos de baseball, bem como eram rodeados por bancadas, como coliseus.
Dando seu suor e sangue, soldados em times de seis lutavam uns contra os outros; suas estratégias dirigidas pelas ordens de seus líderes. O próprio Shagall estava sentado em um ponto onde ele poderia ver a cena toda. Ele assistiu à partida absorto, ordenando a alguns subalternos a tomar notas. Ele organizava estas práticas com intuito de tornar seus oficiais mais competentes. Não tinha certeza se isso era porque oficiais eram mais capazes de comandar exércitos, mas eles não eram combatentes notórios por si só. Quem sabe. Talvez houvesse alguma coisa ali que eles poderiam usar.
Os soldados rastejavam pelo campo de treino, buscando por seus inimigos conforme transpassavam vários obstáculos. Eles utilizavam sinais de mão para se comunicar com seus aliados, então cercavam o inimigo, usavam de fintas para encurralá-los e os obliteravam em seguida.
— Aha, eles estão encenando a Batalha de Zecharia — apontou Zanoba.
— Como você sabe? — perguntei.
— Estudei sobre isso. Aquele homem ali é o flanco direito. Aquele é um pelotão de magos de água que, sem o conhecimento do inimigo, foram substituídos por magos de fogo. Todas as contramedidas do inimigo foram inutilizadas e obtiveram uma vitória esmagadora. Uma estratégia de dissuasão.
— Uau… — Agora que Zanoba apontou isso, eu tinha visto o cara do flanco direito trocar de lugar com o guarda da retaguarda fora do campo de visão do oponente, então ele se dirigiu ao flanco esquerdo. O guarda então se encontrou com os soldados inimigos, fulminando o flanco direito com magia… Apenas para ser facilmente neutralizado com um feitiço. O ataque subsequente o mandou ao chão.
Eles estavam lutando com espadas e magia reais, mas aparentavam possuir um conjunto de círculos mágicos similares aqueles usados na Universidade da Magia, já que suas feridas eram curadas em segundos. Também deveria haver alguma regra sobre ser eliminado quando te derrubassem, já que ele deixou o campo logo depois. Depois dele, outro tombou, então mais um, até que o general, cercado por três oponente, se rendeu.
— Acho que terminaram — comentei. A equipe que derrotou o general oponente urrou seu grito de vitória, e eu me levantei, pronto para encontrar Shagall.
— Acho que há mais por vir — interviu Zanoba.
Assim que comecei a andar, outro grupo entrou em campo. Voltei meus olhos a Shagall, que não dava sinal de que sairia do lugar. Os recém-chegados começaram a organizar suas formações, dividindo–se em vários times. Não havia nenhum chaveamento para conferir, então não tinha ideia de quantas rodadas ainda estavam por vir. Isso poderia durar o dia todo.
O que eu faço agora? A ideia de ficar esperando não era desagradável, mas não queria desperdiçar tempo. Não havia algum jeito de conseguir marcar um horário? A carta de Randolph não me fez ter um resultado melhor que aquele que eu teria de mãos vazias.
Sequer tinha certeza se tinha permissão de assistir a esta prática. Talvez fossem uma espécie de segredo nacional ou coisa parecida. Ninguém estava me perseguindo, então assumi que estava tudo bem, mas ainda assim…
— Ei, esse lugar está ocupado? — Alguém perguntou ao meu lado. Quando olhei, vi um homem que parecia estar chegando em seus quarenta anos com cabelo louro-escuro e uma barba desleixada. Ele tinha o ar de alguém que passou por maus bocados no passado, mas que estava se esforçando para mostrar que tinha conseguido se reerguer. Havia algo familiar nele, mas não sabia apontar o que era.
Orstepedia estava recheada de informação, mas ele não apresentava qualquer foto. Precisava de nomes para descobrir quem era quem. Esse cara estava no palácio do Reino do Rei Dragão, então já dava para adivinhar que se tratava de um nobre ou membro da realeza. No mínimo, seria um cavaleiro. Não havia chances de a família real vagar por aí sem uma escolta, mesmo que dentro do palácio, então… era entre nobre ou cavaleiro. Sem espada a tiracolo, então o que sobra é nobre. Também não havia guardas ou serviçais, então não deveria ser alguém particularmente importante.
— Sinta–se à vontade — respondi. — Não sou o dono do banco. — Decidi conversar um pouco antes de perguntar o nome dele. Se fosse um nobre importante, poderia acabar o ofendendo por minha falta de reverência.
— Então me juntarei a você — respondeu o homem. Ele se sentou, passando a observar o campo de treino. — É um bom exercício, não acha?
— Certamente, mas admito que não o entendo muito bem.
— Essa é a assinatura dos treinamentos do Reino do Rei Dragão.
— Podia jurar que todos os países usavam batalhas simuladas — apontei. Não queria baixar a bola dele, mas havia algo similar no Reino Asura. Este era um pouco maior em escala e ligeiramente mais complexo, bem como as configurações de xadrez na qual os oficiais comandantes encaixavam os soldados.
— Você acha? — disse o homem.
— Há algo que vocês façam que mais ninguém faz?
— Claro que sim. Tome aquele homem que atua como o general do Exército Ocidental como exemplo. Ele é o filho mais velho de um nobre provinciano. Sob circunstâncias normais, alguém de seu rank sequer poderia sonhar e ascender a tamanho status, e mesmo que o fizesse, só poderia defender suas próprias terras com suas próprias tropas.
— Hmm. E cá está ele, atuando como general.
— Todos os oficiais assumem cada cargo em turnos.
Rotação, entendi. É a mesma filosofia de colocar alguém para fazer algo que normalmente não faz. Dessa forma, eles poderiam aprender os fundamentos e como cumprir com seus deveres de forma eficiente. Fazia sentindo para mim. Entender como uma posição funciona em teoria é bem diferente de assumi-la na realidade.
— Compreendo. Isso deve permitir com que todos encontrem uma função ideal para si.
— Precisamente — concordou ele.
— Não somente isso — continuei. — Isso também serve para desenterrar talentos como ele. — O Exército Ocidental estava dominando o Oriental diante de nossos olhos. O filho mais velho de um nobre provinciano era um baita comandante. Essa não era minha especialidade, mas podia dizer que suas ordens eram precisas e ele não deixou aberturas. Seu estilo era centrado e metodológico; sem ataques surpresas ou movimentos não ortodoxos.
— De fato. Neste país, cargos não são dados com base na posição social.
— Oh? — Então até os provincianos tinham chances de se tornarem generais? Ter todo esse trabalho de trazer talentos à tona e não usá-los seria um incomensurável desperdício de tempo, para dizer o mínimo. Era natural que fizessem uso dele. Infelizmente, muitas sociedades feudais careciam dessa mentalidade.
— Aposto que o Reino Asura não faz isso, faz? — indagou o homem prontamente.
— Duvido muito — concordei educadamente. — Não sou especialista nisso.
Há algum tempo, Ariel me fez assistir o exército Asurano conduzir uma batalha simulada. Luke se sentou atrás de mim e ficou me explicando o que acontecia aqui e acolá. No fim, todas as designações do Reino Asura eram determinadas pela posição social em meio a nobreza. Um Boreas Greyrat, por exemplo, seria posto no topo da cadeia de comando imediatamente.
Essas posições foram baseadas nos arranjos da cadeia de comando durante a Guerra de Laplace, e vem sendo passadas adiante desde então. Como seria de se esperar, as formações que empregavam refletiam os métodos daqueles tempos, permanecendo inalteráveis até os tempos atuais.
Tão pomposos e carnavalescos quanto eram, ainda lhes faltava qualquer valor prático. Esse estado deplorável se estabeleceu, segundo Luke, graças ao Reino Asura não ter engajado em nenhum conflito em larga escala desde a Guerra de Laplace.
Enquanto isso, o Reino do Rei Dragão podia atribuir seus cargos de comando aos indivíduos mais capacitados para tal. Alguns eram melhores usando as alas, alguns eram excelentes em assaltos. Certos comandantes eram excepcionais em confrontos diretos, já outros utilizavam ataques mágicos com precisão cirúrgica. Eles compreendem onde suas forças se encontram, o que os deixa satisfeitos com seus papéis.
Isso era verdade. Não se poderia dizer isto do Reino Asura. Luke me disse que queria melhorar esse cenário, mas tradições como essas tomam muito tempo para mudar. Independente do quão ineficientes elas possam ser, sempre haverá pessoas que dirão: “Se não está quebrado, não tem porquê consertar”.
— Está aqui para estudar nossa metodologia? — perguntou o homem.
Havia um brilho afiado em seu olhar. Parecia que ele estava atrás de algo. Toda essa conversa era sobre isso? Ele suspeitou que eu fosse um espião? Estava estupidamente claro que eu não era do Reino do Rei Dragão, então não poderia culpa-lo. Além disso, fiz várias comparações com Asura sem sequer pensar.
— Não, o sobrinho do meu amigo é daqui — respondi, apontando para Zanoba, que cumprimentou com um aceno de cabeça.
— Me chamo Zanoba — disse ele.
— Ah, eu deveria ter dito antes — exclamou o homem. — Meu nome é Vio Pompadour.
Pompadour, huh? Já tinha escutado esse nome de Orsted.
Os Pompadour eram uma das casas nobres do Reino do Rei Dragão, uma linhagem notória de guerreiros que marcavam presença até mesmo no Épico do Deus do Norte. Também eram íntimos da família real, se minha memória não estivesse falhando. Tinha razoável certeza de que a avó do rei havia sido uma Pompadour.
Ufa, essa passou perto. Ele é basicamente da realeza. Ainda bem que não disse nada rude.
Outro detalhe sobre os Pompadours era que a chance de serem discípulos do Deus–Homem estava no rank C; o mais baixo dentre os medianos.
— Um lorde da casa Pompadour! Por favor, perdoe minha ignorância.
— Não se incomode — respondeu ele, apaziguando. — Qual era o seu nome, aliás?
— Minhas mais sinceras desculpas. Me chamo Rudeus Greyrat. Sou o representante do Deus–Dragão Orsted, segundo colocado dentre os Sete Poderes.
— O Deus–Dragão! Encontrei um figurão, então. E você, senhor Zanoba, também não seria um seguidor do Deus–Dragão? — perguntou ele.
Zanoba concordou:
— De fato. Porém, não sou muito relevante.
— Apesar de dizer isso, ele é muito poderoso.
— Receio que força seja tudo que eu tenha a oferecer.
Não me referia a força física, bobão.
A Loja Zanoba cresceu bastante. Havia franquias ao redor de todo o mundo agora. E dinheiro é poder, como dizem. Não era exagero.
— Dois indivíduos tão estimáveis… — Vio ponderou em voz alta. — O que os traz até o Reino do Rei Dragão?
— Hmm, bem… — comecei.
Hmmm. Era uma situação difícil de se explicar para alguém que não estava envolvido. Esse cara poderia ser um dos potenciais assassinos do Pax Junior. Era melhor não comentar muito sobre.
— O sobrinho dele estava em uma situação complicada, sabe, então nós viemos até aqui para ajudá-lo.
— É mesmo?
— Então viemos aqui para descobrir se há algum problema político em evidência e se poderíamos resolvê-lo de alguma forma. Achamos que deveríamos nos atualizar, e para tal, nos disseram para vir até aqui e falar com o General Shagall…
— Vocês têm conexões com General Shagall? Esse seu sobrinho deve ser alguém bem importante — pontuou Vio.
— Não, não, o general apenas tem muitos amigos — respondi.
Generalíssimo Shagall era conhecido como um dos responsáveis por tornar o Reino do Rei Dragão na poderosa nação que era hoje.
Segundo Orsted, ele reunia talentos de castas menos afortunadas e os usava para estabelecer sua prosperidade e dominância militar. Esta metodologia de treino que estavam performando provavelmente também era de sua autoria. O cara era popular, e tinha conexões por toda parte. Seu círculo social era tão amplo que ninguém poderia dizer até onde poderia chegar, então quando confirmei que eu e Zanoba possuíamos laços com ele, não deveria soar como grande coisa.
— Infelizmente, General Shagall é muito atarefado, então tomamos a liberdade de esperar por ele aqui — expliquei.
— Compreendo. — Vio parecia pensativo por um momento, mas no final acabou aceitando a explicação. — O sobrinho de um amigo não seria diferente de um estranho aos olhos da maioria. É admirável que tenha vindo em seu auxílio.
Ele não usou muitas palavras, mas o tom cético que ele vinha usando fora substituído por um bem caloroso. Essa conversão tinha sido bem repentina… mas talvez ele tenha ficado satisfeito por descobrir o que os estranhos estavam fazendo aqui.
— Acho que devo avisá-los: creio que General Shagall dará prosseguimento aos treinos até o pôr do sol.
— Não diga. — Olhei para o céu. O sol estava voltado ao sul, então provavelmente levaria algo em torno de mais cinco horas de simulações à frente.
— Que acha de tirar suas dúvidas comigo? — sugeriu Vio. — Posso não parecer, mas sou bem conhecedor dos assuntos do meu país. Há coisas em que não posso me aprofundar, mas posso elucidar sobre a situação atual, se for de alguma ajuda.
— Não tem problema? — perguntei. Precisávamos descobrir mais sobre estado atual da nação. E as informações não precisavam vir de Shagall. E claro, um membro da Casa Pompadour teria muito o que dizer. Também gostaria de saber qual era a visão de Shagall sobre, mas ficar sentado até poder falar com ele seria perda de tempo.
— Tenho certeza de que nosso encontro era predestinado. Porém, se formos conversar, este lugar não seria… Bem, poderíamos nos acomodar em algum onde possamos discutir mais livremente?
E assim, partimos para saber o que Vio tinha a dizer.
Acabou que Vio era um discípulo do Deus–Homem. Nós o seguimos sem notar que estávamos caindo em sua armadilha. Foi terrível…
Não, na verdade não foi nada demais! Ele nos levou de carruagem até um restaurante um pouco além dos limites do palácio. Era bem elegante.
Tentei manter a guarda alta, mas mesmo eu precisava admitir que parecia muito óbvio para ser uma armadilha.
Vio falou muito. Durante a viagem nos contou sobre lugares de tirar o fôlego, coisas para se ver perto do palácio que mereciam uma visita. Então, passou a discorrer sobre o design do palácio, depois, sobre a rua na qual estávamos. Ele era conhecedor, tal como se esperaria de um guia turístico. Fiquei impressionado.
Isso continuou durante nossa refeição, onde ele exibiu seu riquíssimo conhecimento gastronômico. O restaurante servia pratos tradicionais do Reino do Rei Dragão, preparados um chef espetacular. A moda do momento do Reino do Rei Dragão era a inovação culinária, então apesar de não ter conseguido um cargo como cozinheiro do palácio, ele era a melhor opção caso desejasse um prato tradicional. O primeiro prato era isto, o segundo era aquilo e lá vai fumaça…
Sinceramente, eu não era um gourmet para seguir a linha de raciocínio de Vio. Ainda assim, seu orgulho e apreço pelo tópico era evidente. Pude sentir a intensidade do amor que nutria por seu país; seu patriotismo. Isso não era ótimo?
Nada que ele disse durante seu extenso monólogo tinha relação com o que eu queria saber. Trágico.
— O que você achou da afamada culinária do Reino do Rei Dragão? — Ele perguntou.
— Estava muito bom. Não tinha dado muito crédito até o momento, admito. Da última vez em que estive aqui, não fiquei muito satisfeito com o que comi.
Ele riu.
— Nem todos os chefes são iguais em habilidade. Você acaba dando azar uma hora ou outra.
Já este lugar? É maravilhoso. A culinária do Reino do Rei Dragão girava em torno de frutas e vegetais. Era simples e certamente nutritivo. Minha impressão sobre esse tipo de “comida saudável” era a de que era sem graça, mas esta estava impecável. Demonstra o quanto bons ingredientes podem se transformar nas mãos de um chef habilidoso.
— Há algo mais que você queira perguntar? — questionou Vio, satisfeito por ter nos contado tudo que sabia sobre sua cultura.
— Agora que mencionou… Poderia, bem, nos contar sobre como anda a política?
— O que exatamente você gostaria de saber?
— Não os segredos nacionais ou coisa assim. Coisas como rumores aleatórios e fofocas são o suficiente.
— Muito bem. Vejamos… Primeiramente, o Reino do Rei Dragão vem enfrentando algumas turbulências no momento. Começou quando o antigo rei faleceu.
Nossa, direto em um tópico sensível.
O velho rei havia sido um discípulo do Deus–Homem. Por isso Orsted o matou.
— Sim, ouvi falar sobre. Que ele descanse em paz. — Eu, um seguidor de Orsted, disse sem nem mesmo titubear.
— Após isso, um dos nossos estados vassalos foi invadido não por uma, mas por três nações combinadas em uma coalisão. Aparentemente, o ataque foi orquestrado na zona de conflito ao norte. Não eram Estados poderosos, mas três de uma vez se mostrou uma grande dor de cabeça. Como contramedida, o Reino enviou reforços ao estado vassalo… mas, veja você, esses países invasores tem se comportado de forma estranha depois do embate.
— De que maneira?
— Não estão recuando. Após a chegada dos reforços, o inimigo foi derrotado em batalha e então empurrado até as fronteiras, mas agora estão contra atacando com tudo. Houve tentativas de negociação por trás das cenas, mas ignoram todos os enviados que chegaram até eles.
— Talvez pensem que a invasão seja um sucesso desde que consigam ao menos um pouco de terra de tudo isso — sugeri.
— Considerando a diferença de poder no Reino do Rei Dragão com os demais, deveria ser óbvio que era um resultado impossível. Mesmo que estejamos atarefados com nossos próprios problemas, ainda seria…
Quando você pensa sobre, mesmo que esses três países invadam um estado vassalo do Reino do Rei Dragão e ocupem uma porção de seus domínios, o Reino, que é aquele que realmente é o figurão disso tudo, dificilmente deixaria essa questão de lado. Eles se juntariam à guerra ao leste, e dependendo das circunstâncias, era perfeitamente possível que erradicassem os invasores todos de uma vez.
— Todos os três? — questionei.
— Todos os três.
Certo, isso é estranho.
Se fosse um simples caso de atacar o Reino do Rei Dragão quando estivesse enfraquecido, seria compreensível, mas qual a razão de continuarem quando o Reino do Rei Dragão já tinha se reestruturado? Se fosse esse o resultado que desejavam, poderiam ter invadido a qualquer momento sem esperar por uma abertura nas defesas do Reino. E eram três países de uma só vez…
— Algo está errado — concordei.
— Certamente. Também há possibilidade de que Shirone se junte a eles em busca de sua independência. Talvez conquistem um dos nossos estados vassalos.
— Certo.
Entre os estados vassalos do Reino do Rei Dragão, constavam o Reino de Shirone, o Reino de Sanakia e o Reino de Kikka, bem como algumas outras nações menores. Seus territórios eram pequenos e sua influência limitada; o tipo de país que se submete a um reino maior e ainda mal consegue evitar o molesto de outras nações. Era perfeitamente shagpossível que um desses desaparecesse. Caso Shirone enviasse suas tropas à força de ataque enquanto outras três nações agiam, seria um massacre. Testemunhei como certas pessoas se dividiram entre matar Pax ou tentar usá-lo como moeda de troca para evitar uma invasão de Shirone.
— Deixando isso de lado… — Vio então começou a nos contar todo tipo de coisa sobre a política no Reino do Rei Dragão. Um ministro tinha uma família, vai e vem, um filho de um nobre, pipipi, pópópó, casamento político e por aí vai. A maioria não era nada demais, nem parecia ter relação com Pax Junior. Entretanto, sempre havia chance de eu estar errado, então escutei tudo atentamente.
— Nossa, olha que horas são — exaltou–se Vio. Olhei pela janela para descobrir que o sol havia se posto.
— Receio que eu tenha outro compromisso depois deste, então terei de me despedir de você agora — disse ele.
— Muito obrigado por me dar seu tempo — respondi.
— Não há de quê, o prazer foi meu. Não é todo dia que tenho a chance de me gabar sobre meu país. Me diverti profundamente — terminou Vio, então se despediu mais uma vez e partiu.
Voltamos ao campo de treino, mas Shagall já havia ido embora. Perdemos a hora. Não havendo mais o que pudesse ser feito, retornamos aos nossos quartos. Lá, encontrei Eris e as demais. Nós cinco nos sentamos na mesa e compartilhamos o que descobrimos.
— Pelo que ouvi, as ordens dos Cavaleiros de Millis parecem ter influência por estas partes — informou Aisha.
Ela nos contou sobre como muitos dos cavaleiros da ordem estavam na cidade, trajando suas armaduras azuladas e com a insígnia de Millis embotada nelas. Quando Aisha investigou, ficou sabendo sobre suas atitudes tirânicas. Eles se recusavam a pagar por suas refeições, engajam em brigas contra aventureiros e fomentavam querelas contra as guildas. Ainda assim, parecia haver algum tipo de acordo entre os cavaleiros e os guardas do Reino do Rei Dragão, pois eles nunca intervinham.
Isso gerou tensão entre os cidadãos.
Devo dizer que se houvessem mais deles, nossas chances de vender estatuetas de Ruijerd seriam muito baixas. Essa ordem era notória por odiar demônios, afinal. Havia também um mal-estar provocado pelo aumento dos bens importados e impostos.
— Encontrei um edifício que acho que pode funcionar como uma base de operações para o Bando Mercenário — continuou Aisha. — O que você acha? Posso seguir em frente e fundar a base no lugar?
— Por agora, vamos estabelecer o círculo de teletransporte e nossas comunicações; procedimento padrão.
Agora tinha uma melhor noção do cenário em que o Reino do Rei Dragão estava. Depois, repassei tudo para Orsted e tentei descobrir quem estava por trás de tudo. Não soava como uma maquinação do Deus–Homem, e este futuro havia sido alterado por conta da minha intervenção, então não poderia esperar que Orsted soubesse algo sobre isso… mas ei, tinha que manter meu chefe neste loop.
— Como deseja proceder, Mestre? — perguntou Zanoba. — Caso possível, alegremente levaria Lady Benedikte e o pequeno príncipe destas terras.
— Bom… não acho que isso funcionaria — respondi. Não poderia lidar com os cavaleiros de Millis. E tinha uma pequena teoria sobre o que poderia estar acontecendo com os três países invasores.
— Você acha? Então aceito seu julgamento.
Provavelmente é a palavra-chave, ok?
Nota:
[1] Uma espécie de autoridade maior após a família real.
Nãooooooo. Precisamos dr mais capítulos!!!