Sentei-me na sala de reuniões dos escritórios da Orsted Corporation, bem em frente ao próprio Orsted. Sentados ao meu lado estavam Eris, Roxy, Sylphie e Zanoba. Roxy ficou encarregada de registrar os autos.
— E isso resume tudo — falei. No meu relatório, resumi todas as nossas descobertas. Primeiro, Geese e o Deus do Norte Kalman III. Orsted ficou de bom humor quando contei a ele que os encontramos no Reino de Biheiril. Na verdade, ele não disse nada, mas senti que queria dizer: “Muito bem!” Esse bom humor impulsionou o resto do meu relatório.
No entanto, quando eu falei:
— Encontramos Ruijerd —, seu rosto se transformou em uma tempestade. — Hum, se foi algo que eu disse… — acrescentei. Eu não conseguia descobrir se estava com raiva ou não. Ele estava olhando para mim. As vibrações eram tão ruins que estremeci. Controlei-me rapidamente, mas não consegui me livrar totalmente da ansiedade, pois não tinha ideia do motivo do desânimo de Orsted.
Após uma longa pausa, ele falou:
— O Deus Ogro também está no Reino Biheiril.
O Deus Ogro vivia na Ilha Ogre, no leste do reino.
— Você disse que o Deus Ogro poderia facilmente se voltar contra nós, certo?
Eu não tinha esquecido, estava apenas checando.
— Em um dos ciclos anteriores, o Deus Ogro daquela geração tornou-se um apóstolo.
Hum. Talvez isso significasse que a localização de Geese era uma armadilha… Também era possível que ele estivesse tentando recrutar o Deus Ogro. Eu não obteria respostas para esse tipo de pergunta em uma sala de reuniões. Teria que ir lá e descobrir. Como já estávamos em reunião, decidi que deveria aproveitar o tempo para alinhar nosso futuro curso de ação.
— Com tudo isso em mente — falei —, gostaria de discutir nossa estratégia daqui para frente.
— Tudo bem.
— Temos todas as peças que precisamos por enquanto. Não acho que possamos mais evitar ou adiar a ida ao Reino de Biheiril — declarei, iniciando minha apresentação estratégica. — Não posso dizer com certeza que esta não seja a armadilha de Geese e, por extensão, do Deus-Homem, mas com Geese constantemente nos escapando, quem sabe quando teremos outra chance de pegá-lo? Pode não haver uma oportunidade melhor. Embora seja uma pena não termos conseguido localizar o antigo Deus da Espada Gall Falion ou o segundo Deus do Norte, eu ainda gostaria de ir para o Reino Biheiril. O que você acha?
— Não tenho objeções — respondeu Orsted.
Atofe já estaria agindo com base na informação do paradeiro de Geese, independentemente do que eu fizesse. Eu não perguntei como ela planejava chegar ao Reino Biheiril, mas ela demoraria um pouco para chegar lá. Um ou dois meses, talvez mais. Eu precisava chegar ao Reino Biheiril não apenas para encontrá-la, mas também para garantir que os habitantes locais tivessem tempo de se preparar para sua chegada.
— Tenho quatro objetivos —, continuei. — Encontrar Geese e derrotá-lo. Encontrar o Deus do Norte Kalman Terceiro e o recrutar. Encontrar Ruijerd e recrutá-lo. Encontrar o Deus Ogro e recrutá-lo ou eliminá-lo. Eu cuidarei disso… er, nessa ordem. Tudo bem, senhor?
— …Acho que sim.
Se dependesse de mim, teria ido ver Ruijerd o mais rápido possível, mas suponho que o Deus do Norte teria que vir primeiro. Quanto ao Deus Ogro, talvez fosse mais fácil simplesmente colocá-lo no caminho de Atofe enquanto ela atravessava o oceano. Provavelmente aconteceria de qualquer maneira se eu os deixasse sozinhos. Eu nem sabia como entrar em contato com ela, agora que pensei nisso. Configurei uma pedra de comunicação em Fort Necross como meio de comunicação, mas era isso. Talvez não houvesse problema em adiar a preocupação com isso até depois que Atofe aparecesse. Talvez eu não tenha escolha de qualquer maneira. Seria um verdadeiro incômodo não conseguir contatá-la havendo uma emergência…
— Parecendo que as forças de Geese superam as nossas, pedirei reforços.
Meu inimigo me esperava no Reino Biheiril. Pode ser uma armadilha. Se aparecêssemos e as forças de Geese estivessem todas lá, porém o próprio homem tivesse desaparecido, eu seria tomado como um tolo. Era uma daquelas coisas que aconteceria ocasionalmente, mas que poderia prejudicar a confiança que todos aqueles países depositaram em nós.
— Não acho que será tarde demais para pedir reforços se eu esperar até encontrá-lo — falei.
Eu verificaria primeiro: Inimigo? Presente. Batalha? Irá acontecer. Chamaria, então, meus aliados. Dessa forma era mais seguro.
Se acabássemos repetindo muitas vezes o mesmo processo: encontramos Geese, meus aliados se reúnem, Geese escapa, todos vão para casa. Meus aliados eventualmente parariam de aparecer. Tudo isso teria sido em vão.
— Gostaria de criar círculos de teletransporte para quando precisar convocar meus aliados.
O Reino Biheiril era apenas uma nação menor, mas ainda tinha três grandes cidades. A capital de Biheiril, as cidades Irelil e Heirulil.
— Vou colocar um nas proximidades de cada uma das cidades. — Olhei para Roxy. — Não há muitas pessoas que conseguem desenhar círculos mágicos com precisão, mas minha magnífica professora, com sua incrível visão, elaborou uma série de pergaminhos de círculos de teletransporte exatamente para esse propósito. Uma salva de palmas, por favor. — Uma ovação estrondosa irrompeu. Chuva de confetes caíram sobre o palco onde Roxy estava com o microfone na mão. Quando ela acenou para seus fãs, reunidos no salão vindos de todo o mundo, muitos deles desmaiaram. Ao menos foi assim que aconteceu no meu cérebro.
— Estou enviando pessoas às cercanias do Reino Biheiril para vigiar as estradas principais. Usaremos o Bando Mercenário Ruato em Sharia.
Linia e Pursena fariam isso, com Aisha ajudando.
— Depois de bloquear possíveis rotas de fuga, vou caçar Geese. Então, assim que o encontrar, pedirei reforços. Nós vamos derrotá-lo!
O principal era confirmar que ele estava lá. Depois disso, seria apenas uma questão de impedi-lo de fugir até que nossas forças chegassem. Felizmente, o Reino Biheiril era cercado por florestas, montanhas, oceanos e não compartilhava fronteiras com muitos outros países. Quando Kishirika usou o Olho do Demônio para encontrar Geese, ela também sentiu o Deus-Homem. Isso significava que o Deus-Homem provavelmente também a sentiu, então era possível que Geese já tivesse fugido. Como ele havia dito em sua carta, ele poderia até fugir pelas florestas desde que tivesse companhia. Bloquear as estradas principais era principalmente para meu próprio conforto.
— Entendo — disse Orsted. — Então quem cuidará dos círculos mágicos?
— Devíamos dividir a tarefa. Uma pessoa para cada círculo.
— Isso não é muito arriscado? — Sylphie objetou. — Quero dizer, eles irão atrás de você, certo Rudy?
— Sim. — Respondi com um aceno de cabeça.
Supondo no momento que a carta de Geese fosse confiável, ele disse que estava atrás de mim. Não era difícil me imaginar caindo direto nas garras de uma armadilha se eu fosse sozinho, ou ele poderia brincar de dividir e conquistar.
— Graças ao bracelete de Sr. Orsted, posso evitar a vigilância do Deus-Homem. Geese e o Deus-Homem não conseguem me detectar, Sr. Orsted, ou qualquer pessoa próxima de nós. Geese provavelmente recorrerá a métodos analógicos para tentar me localizar: a simples coleta de informações. É por isso que vou me disfarçar e colocar o círculo mágico no lugar rapidamente antes que ele me pegue.
Armadilha ou não, era melhor eu não anunciar minha presença, daí um disfarce. Seria apenas uma questão de tempo até que fosse exposto se Geese me procurasse, mas poderia pelo menos evitar ser cercado e levado embora no momento em que chegasse ao país. Desde que a sorte estivesse do meu lado e as coisas corressem bem, eu seria aquele a triunfar sobre Geese.
Se não houvesse armadilha, isso significava que nem Geese nem o Deus-Homem previam que seriam vistos pelo Olho Demoníaco de Kishirika. Se isso não fizesse parte do plano deles, Geese provavelmente fugiria, a menos que seus negócios no Reino Biheiril não pudessem esperar. Ele poderia ficar até o último momento possível para tentar terminar o que quer que fosse antes de eu chegar. Se ele se disfarçasse para me atrasar em encontrá-lo, ganharia algum tempo antes de ter que fugir. Não haveria nenhuma desvantagem.
— Pode valer a pena encenar uma distração se você quiser ficar escondido, Rudy — sugeriu Roxy.
Uma distração, em outras palavras, eu os faria pensar que suspeitei de uma armadilha e decidi não ir para o Reino Biheiril. Eles ficariam confusos se colocassem a isca e pegassem apenas gente sem importância em vez do peixe grande que esperavam.
— Uma distração? Você tem um plano específico em mente?
Roxy assentiu.
— Eu tenho. Por que não enviar um de nós para o Santuário da Espada? A Rainha Ariel disse que enviaria reforços sempre que você precisasse deles. Isso incluiria Ghislaine e Isolde, certo? Essas duas conhecem bem as pessoas do Santuário e devem ser capazes de se defender em uma luta. O atual Deus da Espada não serve ao Deus-Homem, se o que você nos disse estiver correto. Acho que encontrar alguém lá que possa nos ajudar e trazê-los de volta poderia funcionar. Rei da Espada Nina, por exemplo.
Nina. Eris tentou pessoalmente trazê-la para o nosso lado. Ela não era uma substituta para o Deus da Espada, mas como poderia enfrentar Eris de igual para igual, seria uma vantagem. Ela parecia realmente absorta em alguma coisa quando a visitamos pela última vez. Era difícil dizer se viria.
— Oh! Ok, eu vou então. — Uma mão se ergueu, a de Sylphie. Eu confiaria a ela lidar com essas negociações. Era uma conhecida, por assim dizer, de Nina, Isolde e Ghislaine. Além disso, se Sylphie fosse, por si só serviria como uma distração. Já teve o bebê, então não havia muito valor em matá-la, mas ela ainda poderia ser um alvo. O Deus-Homem sabia muito bem quem eu mais queria manter seguro. Se minhas esposas se separassem, seria mais difícil descobrir minha localização. Só uma coisa me preocupava.
— Você está preocupada com o perigo? — perguntei.
— É um risco. — Reconheceu Roxy. — Mas como sabemos onde Geese está, acho que deve ser mínimo.
Ela tinha razão. Certamente, depois de se dar ao trabalho de recrutar seus aliados, Geese não estaria disposto a deixá-los serem apanhados um por um. Poderíamos presumir que eles estavam onde quer que ele estivesse.
A menos que… fosse isso que eles queriam que eu pensasse.
— O Deus-Homem sabe o que você tem de mais precioso, Rudy. Se formos, isso servirá como distração — disse Roxy, como se tivesse lido minha mente.
Espere um segundo. Isso não tornou meu plano meio insano? Eu iria estabelecer círculos de teletransporte no Reino Biheiril e depois convocar minhas forças. Chegar a cada um desses locais levaria meio dia, senão um dia inteiro, tornando mais fácil me pegar? Parecia o início de uma guerra. Era a parte da história na qual os aliados divididos começam a ser eliminados? Desde que cheguei a este mundo, aprendi que as coisas não acontecem como nas ”light novels”. Não gostava do rumo que as coisas estavam tomando.
— Na verdade, estou começando a repensar isso… — Recuei. — Talvez esta estratégia tenha sido um erro…
— Oh, Rudy. — Roxy suspirou. Ela percebeu que eu havia perdido a coragem. — Ouça, quando os aventureiros entram em um labirinto, eles planejam isso para evitar sofrerem baixas. Cada um faz o melhor que pode e isso aumenta a probabilidade de voltarem vivos para casa. Até agora, tudo o que pudemos contribuir foi ficar em casa e cuidar das crianças. Sylphie e eu certamente não nos comparamos a você e Eris em uma briga. Agora, acho que usar-nos em campo aumentará a probabilidade de todos voltarem vivos para casa.
Probabilidade…? Ela estava certa, era tudo probabilidade. Nada é cem por cento certo. Mesmo quando você tenta se manter seguro e protegido acontecem coisas que você não esperava. Os planos podem falhar devido a circunstâncias com as quais você nunca sonhou.
— Eu sei que você quer nos manter trancadas em casa, Rudy. — Roxy continuou —, mas se você perder, não importa o quão firmemente você nos mantenha longe, vai acabar para todos nós. Sim, cada escolha traz riscos, mas sejamos corajosos e então poderemos rir disso juntos quando tudo isso acabar.
Como eu poderia ser feliz novamente se perdesse alguma delas? Se eu voltasse do Reino Biheiril e descobrisse que Roxy, Sylphie ou Eris haviam partido, eu seria capaz de rir então? Nem em sonho.
— Rudy, agora somos todos pais. Temos que pensar no futuro.
Eu vi o rosto de Paul em minha mente. Se Paul ainda estivesse vivo, o que teria feito naquele momento? Quando ele entrou no Labirinto de Teletransporte, levou-me junto. Quando o incidente do deslocamento aconteceu… bem, ele perdeu o controle. Melhor tirar isso da cabeça.
Antes, quando morávamos em Buena, ele nunca me trancava em casa. Acho que tentou me proteger, mas também me deixou vagar por uma vila onde não era preciso ir muito longe para correr perigo. Zenith, quando não estava grávida, trabalhava no centro de cura local. Mesmo depois que ela engravidou, tive a sensação de que saía de casa com bastante frequência quando estava estável. Paul não era um pai perfeito. Ele também não tinha inimigos que o quisessem morto. No entanto, eu ainda estava vivo hoje, então talvez dizer “não” a tudo fosse um sinal de que estava ficando superprotetor. Por outro lado, esta era uma situação totalmente diferente…
— Sim, Roxy está certa. — Sylphie concordou. — Vamos correr o risco, contanto que alguém sobreviva para cuidar das crianças depois que nossos inimigos forem derrotados, nós sobreviveremos.
— Apoiado! — Eris disse depois de um instante. Eu não sabia se realmente estava acompanhando a conversa até então, mas ela concordou com Sylphie.
Zanoba e Orsted permaneceram em silêncio enquanto discutíamos sobre família, mas eu tinha certeza de que eles se pronunciariam se alguma parte da conversa lhes parecesse ultrajante.
— Certo, vamos com isso então — falei. — Alguma objeção?
Nenhuma. Tínhamos nosso plano.
Eu esconderia minha verdadeira identidade e depois nos separaríamos para procurar Geese. Assim que o pegássemos, cortaríamos suas rotas de fuga para impedi-lo de fugir, esperaríamos por nossos reforços e então o eliminaríamos.
— Tudo bem então. Próximo assunto…
Nós elaboramos os detalhes do plano.
Após a discussão, decidimos nos dividir nas seguintes equipes:
∙ Equipe Parar Geese Escapando Para um País Vizinho: Aisha, Linia, Pursena e o resto da Companhia Mercenária;
∙ Equipe Criar uma Distração Tirando Nina do Santuário da Espada: Sylphie (Ghislaine, Isolde);
∙ Equipe Cidade Capital: Zanoba, Julie, Ginger;
∙ Equipe Segunda Cidade: Rudeus;
∙ Equipe Terceira Cidade: Eris, Roxy.
Cada um de nós montaria um círculo de teletransporte e depois seguiria em busca de Geese e do Deus do Norte. Sylphie seguiria o plano que discutimos. Zanoba se concentraria em obter informações. Eris e Roxy cuidariam do Deus Ogro. Eu tinha certeza de que Aisha me deixaria orgulhoso liderando a equipe encarregada de bloquear as rotas de fuga de Geese.
Minha própria tarefa envolveria Ruijerd.
Ouvi dizer que ele e o Deus Ogro compartilhavam uma longa história. Depois, existia o Terceiro Deus do Norte Kalman, que partiu para o Reino Biheiril com um timing perfeito.
O vínculo entre Ruijerd e eu era profundo.
Não tinha escolha a não ser dividir minhas forças, já que não tinha ideia do que Geese estava tramando. Seria melhor manter a comunicação entre todos nós e deixar o plano permanecer flexível. Aqueles de nós que iriam para o Reino Biheiril partiriam imediatamente. Quanto mais tempo ficássemos aqui sentados, maior seria a probabilidade de Geese encobrir os seus rastros. Já havia caçado Kishirika para que ela o localizasse. Eu não passaria por isso de novo.
Sylphie partiria um pouco mais tarde. Ariel disse que me enviaria reforços imediatamente, mas ela tinha suas próprias coisas para cuidar. Ghislaine e Isolde não chegariam logo no instante seguinte ao nosso chamado.
Julie, Ginger, Linia, Pursena e os mercenários tinham seus próprios trabalhos. Eu os estava afastando de seus lares, mas esse confronto decidiria tudo. Tinha que ser feito, não importava o custo.
Isso era uma oportunidade ou uma armadilha? Talvez fosse pensamento positivo, mas eu iria agir como se fosse a primeira opção.
Contei o plano para Ariel e Cliff pela pedra de comunicação. A resposta dela veio imediatamente, dizendo: “Estou enviando reforços com toda a velocidade possível”, mas ainda não havia nada de Cliff. Ao contrário de Ariel, que mantinha sua pedra em seus aposentos, toda a comunicação com ele passava pela filial de Millis do Grupo Mercenário. Atrasos eram esperados.
— Alguma pergunta? — perguntei, olhando em volta. Ninguém levantou a mão.
Fiquei um pouco preocupado com Zanoba. Com base nas informações que tínhamos, eu estava priorizando a terceira cidade pela proximidade com a Ilha Ogre e a segunda cidade por estar perto do local onde Ruijerd foi avistado. A capital tinha mais gente; poderia facilmente ser o mais perigoso. Ginger era uma agente de inteligência talentosa e Zanoba um guerreiro formidável, mas era fraco para lançar magia.
— Tenha cuidado, Zanoba — falei.
— Estarei em guarda, mas, da minha parte, estou mais preocupado com a Loja.
— Ah, agora que você mencionou…
Em teoria, a loja e a fábrica poderiam funcionar sem patrão, mas sem a presença de Zanoba e Julie, quem sabe o que aconteceria se algo importante desse errado?
— Eu queria deixar Julie para trás… — falei.
— Ha ha ha! Prometi a ela que nunca mais nos separaremos.
Julie realmente amava Zanoba. Eu tive que me perguntar como Zanoba se sentia, talvez fosse mútuo. Não poderia exatamente fazer uma pergunta tão pessoal. Zanoba tinha esse jeito quando se tratava de mulheres, como se as mantivesse à distância.
Se eles tivessem um filho, nunca o deixaria ouvir o fim da história. Seu lolicon imundo, você! No entanto, não era minha função como alguém de fora, fazer um comentário antes que algo acontecesse.
— Eris, você está bem?
— …Sim. — Eris não parecia feliz. Acho que ela queria ir comigo. Infelizmente, se ela fizesse isso, não haveria ninguém para proteger Roxy. Além disso, quando Eris e eu estávamos juntos, nos destacávamos. Eris não era feita para operações secretas.
É por isso que a coloquei com Roxy, a segunda mais notável. Elas seriam o Time Distração.
— Eu não gosto disso, você indo sozinho — disse Eris.
Justo. Eu também estava preocupado comigo. Não tinha certeza se conseguiria evitar perfeitamente a atenção de Geese e coletar informações. Ele era um mestre da inteligência. A menos que eu jogasse com cuidado, me pegaria no momento em que soubesse que havia alguém procurando por Ruijerd e pelo Deus do Norte Kalman. Se isso acontecesse, iria embora antes que eu pudesse alcançá-lo.
Além disso, nada de bom resultou quando trabalhei sozinho.
— Tenho algo planejado — disse a ela. — Você vai ver.
Talvez eu devesse ter encontrado mais alguns caras que pudessem ajudar com a inteligência nos últimos seis meses. Ah bem, retrospectiva e tudo, não valia a pena ficar pensando nisso.
— E você, senhor Orsted? Se possível, eu agradeceria se pudesse ficar aqui e administrar as pedras de comunicação, protegendo minha família, esse tipo de coisa…
Após uma pausa, Orsted disse:
— Muito bem.
— Muito obrigado.
Orsted ficaria cuidando da casa, então. Ele se destacaria demais para ser um bom espião. Eu poderia precisar dele em algum momento, mas ainda assim era infinitamente preferível que ele ficasse aqui até a batalha começar para quando pudesse se juntar à luta. Ainda havia aquela coisa com a magia dele, então eu não poderia esperar que ele travasse uma batalha ou algo assim. Era mais um trunfo final, quero dizer, era para isso que seu seguidor, ou seja, eu servia: permitir que ele conservasse sua energia mágica. Se Orsted se juntasse à luta neste momento, isso significava que já havíamos perdido.
Orsted permaneceu em silêncio. Tive a sensação de que ele queria dizer algo, mas não consegui ler sua expressão através do capacete. Talvez ele estivesse preocupado. Caramba, estávamos prestes a iniciar uma grande jogada estratégica. Provavelmente estava nervoso como todos nós.
Finalmente, ele me disse:
— Rudeus, mantenha esse anel. Por precaução.
— Que anel?
— O anel do Deus da Morte.
Olhei para minha mão. Ali, no meu dedo, estava o anel de caveira. Meu presente do Deus da Morte era algo arrepiante de se ver. Por alguma razão, mesmo depois de me encontrar com Kishirika, eu não o tirei.
— Posso perguntar porquê?
— Apenas precaução. Você só precisa usá-lo para que seja eficaz.
— …Tudo bem, eu irei. — Não entendi, mas a vida é assim. Tudo que eu tinha que fazer para funcionar era usá-lo. Tudo faria sentido quando chegasse a hora. Pelo menos, essa era minha esperança.
— Também há algo que eu queria apo… — Orsted começou, mas então alguém disse: — Com licença —, e ele fechou a boca novamente.
Quem era aquela? Que funcionária tola ousa interromper o chefe quando ele está falando?
Olhei em volta, mas ninguém havia falado. Ninguém sequer levantou a mão.
Era a voz de uma mulher. Quem disse isso?
— Presidente…
Ela me chamou de “Presidente”, o que só poderia significar… Hein? Ela nem estava no quarto.
— Temos visitantes! — disse a voz, com um pouco mais de urgência.
Aha, está vindo pela porta! Mistério resolvido. É a Pequena Senhorita Elfa da recepção… Qual é mesmo o nome dela?
— Desculpe, vou ver o que é — falei. Eu disse a ela para não nos perturbar enquanto estivéssemos em nossa reunião. Pode ser uma emergência.
— …Uau!
Quando entrei no saguão, a primeira coisa que meus olhos registraram foi dourado. Ouro da cabeça aos pés. Um cara com armadura dourada estava brilhando diante de mim.
— O qu-?!
— Ei. — A pepita de ouro humanoide levantou a mão.
Aquela voz. Aquele gesto. A visão de uma certa pessoa veio à mente. Cavaleiros de Ouro. Eu ouvi dizer que a Armadura do Deus Lutador era dourada. Antigamente, Badigadi, como apóstolo, lutou contra Laplace em uma armadura dourada.
Tudo clicou. Eles estavam aqui para me atacar!
Geese foi uma isca o tempo todo! O Deus-Homem reparou a Armadura do Deus Lutador e enviou uma guarda avançada para me pegar!
— Estes senhores dizem que vieram aqui por meio de um círculo de teletransporte por ordem da Rainha Ariel — disse a garota elfa.
…eeeeeeee não é isso que está acontecendo…
Agora que dei uma olhada melhor e levei em conta a penumbra, a armadura era mais ocre e opaca.
— Fico feliz em ver você — falei.
O homem tirou o capacete. Por baixo, ele tinha cabelos pretos, relativamente raros neste mundo. Parecia ter cerca de cinquenta anos. Linhas profundas seccionavam seu rosto e comportava-se como um guerreiro veterano. Eu já encontrei esse cara uma vez, no palácio Asura, fora dos aposentos de Ariel.
— Já faz um tempo — falei. Da última vez, se bem me lembro, ele fez um discurso digno de um adolescente edgy¹ e depois se recusou a me dizer seu nome. Eu sabia qual era, no entanto. O outro homem que estava com ele, Sylvester, me contou.
— Bom te ver. Terei o prazer de ouvir seu nome desta vez? — perguntei.
Ele soltou uma gargalhada parecendo implicar que agora não era o momento certo, mas ele iria me agradar.
— Eu sou Sándor von Grandeur, cavaleiro a serviço da Rainha Ariel.
— É um prazer, muito obrigado. Eu sou Rudeus Greyrat. — Ele se curvou para mim, então eu me curvei de volta. Pensando bem, nunca tinha ouvido falar da família Grandeur. Tinha esquecido de perguntar a Orsted sobre eles da última vez. Sándor não parecia tão importante.
— Estou aqui por ordem urgente e ultrassecreta de Sua Majestade — disse Sándor. Ele estendeu a caixa que carregava debaixo do braço.
Urgente? Isso devia significar que ele tinha acabado de pegá-los. Eu só enviei a Ariel os detalhes do plano durante a reunião. Aquela mulher agiu rápido.
— Obrigado — falei. — O que é isso?
— Existe um instrumento mágico dentro que pode mudar sua aparência. Sua Majestade disse que você precisaria disso.
Ora, ora. Existia um dispositivo assim no Reino Asura, não existia? Mas mesmo assim, era impressionante que ela o entregasse prontamente. Talvez ela já tivesse suspeitado que eu precisaria dele e o deixasse pronto para uso.
— Por favor, confirme o conteúdo —, Sándor solicitou.
— OK. — Abri a caixa e, com certeza, havia um conjunto de aneis combinando: um vermelho e um verde. O usuário do anel verde assumiria a aparência do usuário do anel vermelho. Com isso, eu poderia parecer um aldeão totalmente comum.
— Além disso, esta é a insígnia real de Asura — disse ele, estendendo outra caixa. — Sua Majestade lhe dá permissão para usá-la caso se encontre em apuros, junto com o nome dela.
Peguei a caixa e abri para encontrar uma medalha. Trazia o brasão da família real de Asura. Ariel deve tê-lo feito a pouco tempo. Parecia novo, e escrever cartas para mim todas as vezes devia ser um pé no saco. Eu devia a Ariel mais um favor agora.
— Também temos instruções para ajudá-lo, Mestre Rudeus.
Para me ajudar? Eles deviam estar preenchendo até o reforço chegar lá. Naturalmente, Ariel não poderia simplesmente mandar embora um Rei da Espada e um Imperador da Água sem aviso prévio, então ela nos enviou alguns cavaleiros sem nada melhor para fazer. Não era justo com ele chamar isso de “preenchimento”. Ele se sairia bem como reforço por mérito próprio. E esta era Ariel. Eu sabia que ela não me enviaria um amador incapaz de realizar operações ultrassecretas.
— Espere. — Eu interrompi, percebendo o que ele tinha dito. — Nós?
— De fato. Vamos, digam olá! — chamou Sándor, gesticulando com a cabeça.
Era como se uma seção da parede tivesse ganhado vida. Em um canto do saguão, parecendo parte da mobília, havia uma enorme armadura. De alguma forma eu não tinha notado isso, embora nunca tivesse estado lá antes. Não tinha muita presença.
Uma vez que você percebesse, contudo, não poderia ignorá-lo. Ele era uma figura corpulenta em uma armadura cinza e tinha um enorme machado de batalha amarrado nas costas.
— Eu sou, uh, Dohga. — Ele grunhiu.
— Me… prazer. Eu sou Rudeus Greyrat.
Dohga. Eu já conheci esse cara uma vez também. Ele estava guardando os aposentos de Ariel e não era exatamente… a faca mais afiada da gaveta, digamos.
Ele era um cavaleiro e não apenas um cara do machado. Embora seu nome e seu físico fossem durões, havia inocência em seu rosto. Eu o li como o tipo forte, gentil e silencioso. Ele estava talvez na casa dos vinte anos, ou ainda era um adolescente.
Sándor, em sua armadura ocre, tinha uma coisa de raposa prateada. Ele próprio era bastante largo, porém perto de Dohga, parecia um junco. Eles pareciam duas partes de uma equipe de batalha de chefões.
— Bem, seu desejo é nossa ordem. Posso fazer tudo o que você precisar.
— Hum, certo… — Agora que eles estavam aqui, o que diabos eu faria com eles? A opção sensata seria colocá-los no time mercenário? Talvez eu pudesse colocá-los com Zanoba. Eu não conseguia ver todos eles se dando bem.
— …Sándor, você é um lutador?
— Claro. Fui classificado como o mais forte dos Cavaleiros Reais de Asura.
O mais forte, né? Imaginei que Ghislaine e Isolde provavelmente não contavam como membros da ordem dos cavaleiros.
Para ser honesto, ele não parecia capaz de resistir em uma briga, mas era genial, e pelo que vi dele no palácio Asuran, bastante engraçado. Eu provavelmente gostaria dele como amigo.
— Provavelmente estaremos lutando contra os Grandes Poderes. Você acha que pode lidar com isso?
— Sem dúvida! Estou preparado para morrer desde que me comprometi a servir a Rainha Ariel.
Hmmm. Certo, tudo bem. Pelo que eu sabia, Ariel o havia enviado porque ele era descartável. Eu o colocaria com Zanoba. mas espere! Isso era um pouco estranho, certo? Eu literalmente acabei de enviar essa mensagem para Ariel. Ela trabalhava rápido, mas tão rápido? O momento era perfeito demais. E se o Deus-Homem…
— Você! — disse uma voz. Virei-me e encontrei Orsted atrás de mim.
Sándor fez uma reverência.
— Bom dia, Deus Dragão Orsted. É um prazer vê-lo. Estou muito feliz em notar que sua maldição está mais sob controle do que a Rainha Ariel indicou.
Eu olhei para a Garota Elfa. Ela estava com os braços cruzados sobre o tronco, olhando para Orsted com uma expressão de fervorosa emoção. O que era isso? Não poderia ser a primeira vez que o via, certamente. Ele estava com o capacete, mas talvez a maldição a estivesse afetando menos do que esperava.
Isso não importava. Eu estava focado em Sándor.
— Você serve Ariel agora? — Orsted disse.
— Sirvo. Eu tenho a certificação aqui. — Ele tirou um pedaço de papel do bolso para mostrar a Orsted.
De fato, dizia: “Eu nomeio Sándor von Grandeur como Capitão dos Cavaleiros Dourados Asuran.” Tinha a assinatura da própria Ariel, bem como o brasão de Asura. Ele trouxe isso com ele. Algo sobre isso parecia vago, mas provavelmente era algo que eu carregava de minhas suspeitas anteriores sobre ele.
— Vocês dois irão com Rudeus. Geese não conhece seus rostos.
— Seguiremos suas ordens.
— Está bem para você, Rudeus?
— Huh? Ah, hum, claro. — Apenas com isso, Orsted apareceu e a decisão foi tomada por mim. Se esse era o comando de Orsted, imaginei que seguiríamos em frente… — Espere, na verdade, isso não funciona para mim. Podemos nos acalmar um pouco? Não podemos decidir assim. Quem é esse cara? Você parece conhecê-lo, Sr. Orsted.
— Sim, eu o conheço… — Orsted ficou em silêncio. Olhei para Sándor e vi que ele estava com um dedo nos lábios.
— Se ele não sabe, talvez seja melhor continuar assim? — sugeriu ele. — Neste momento, sou o cavaleiro da Rainha Ariel. De agora em diante, serei servo do Mestre Rudeus.
Parecia que Sándor era famoso. Quem ele poderia ser? Não parecia alguém importante. Na verdade, meio que tinha uma aura de pau mandado. Que pessoas famosas Orsted conheceria? Talvez estivesse relacionado ao Clã Dragão, Imperador Dragão Sagrado Shirad ou Rei Dragão Abissal Maxwell, mas não tinha o cabelo prateado. Talvez pudesse ter tingido.
— Você tem certeza disso? — perguntei a Orsted.
— Irá atendê-lo bem. Eu mesmo fiquei preocupado em mandá-lo sozinho, e ele é adequado para a tarefa. É improvável que seja um apóstolo e espero que seja bom em coletar informações.
Orsted parecia confiante. Eu tinha que confiar nele. Ariel não nomearia algum esquisito para ser capitão de seus cavaleiros apenas por causa de suas conexões, então ele certamente tinha algumas habilidades de luta.
— Não vou decepcionar você — disse Sándor.
Vamos pensar: “Orsted disse que ele é bom em coleta de informações, então talvez essa seja sua especialidade.”
Orsted agiu como se fosse certo o que ele sabia sobre Sándor e ele parecia considerar que Orsted o conhecia. Estava confirmado. Eu estava nervoso por trabalhar sozinho. Por outro lado, também ficava nervoso por trabalhar com pessoas que não conhecia. Com Orsted atestando-o, não havia necessidade de ser cauteloso, certo? E a própria Ariel o enviou.
Orsted decidiu enviar esse cara, logo significava que ele tinha que ser bom no que fazia e uma escolha segura. Foi assim que ele deve ter julgado. No mínimo, Ariel confiava nele o suficiente para deixá-lo usar os círculos de teletransporte. Isso tinha que contar para alguma coisa.
Talvez eu devesse confiar na avaliação que Orsted e Ariel fizeram dele.
— Tudo bem — falei. — Por favor, venha participar da reunião, mas temo que já esteja terminando.
— Muito bem — respondeu Sándor.
Vou recapitular toda a estratégia com os dois, depois verei o que Ariel tem a dizer sobre eles, pensei, conduzindo os dois cavaleiros misteriosos para a sala de reuniões.
Obrigado pelo capítulo. S2
muito obrigado pelo capítulo!