Vamos recapitular! Eu, Rudeus, peguei meu dinheiro e comprei uma garrafa de molho shoyu. Adiante!
No dia seguinte, fomos à periferia da Segunda Cidade de Irelil, montamos um círculo de teletransporte e uma pedra de comunicação. Nós, então, nos direcionamos à vila na qual Ruijerd havia sido avistado.
A vila ficava a meio dia de jornada de Irelil, situada perto da Ravina do Dragão da Terra no Reino Biheiril. Conhecida como a Vila Ravina do Dragão da Terra, ou às vezes como a Vila da Floresta Sem Retorno, mas o nome oficial do reino para ela era Vila Marson. Ainda que estivesse em documentos e outras coisas oficiais, a maior parte das pessoas não conhecia o nome “Marson”. Acho que vou chamá-la de Vila Ravina do Dragão da Terra mesmo.
Não havia muita coisa acontecendo por lá. Nada de especial era produzido, nem tinha nenhum ponto turístico. Derrubaram árvores para plantar vegetais no solo fértil ao redor da floresta. Diferente de Vila Buena, em Fittoa, as pessoas não tinham se reunido para viver lá por algum motivo em específico. Elas viviam há muito tempo ali, e se integraram ao Reino Biheiril. A nação não veio primeiro, mas sim a população. É tipo isso.
Um local sombrio, deserto, com casas espaçadas entre si e sem sinal de vida. O que se esperava encontrar era isso, entretanto o que vi me surpreendeu. Quando chegamos, a vila era tão repleta de vivacidade que tive de verificar três vezes se aquele remoto e desolado lugar era o qual tínhamos nos proposto a ir.
Bem óbvio só de olhar para a multidão reunida na entrada do vilarejo que eles não eram habitantes locais. Vestiam armaduras e espadas em seus cintos. Aventureiros? Não… aventureiros não tinham aquele ar perigoso pairando sobre. Esses eram mercenários, ou talvez caçadores de recompensas.
— Sándor, você acha que todo mundo está tentando sair na frente?
Após seu trabalho na taverna ontem, além de como ele performou durante nossa jornada, decidi que poderia confiar nele. Até agora, não estava completamente certo de sua utilidade. Hoje posso ver porquê Orsted tinha o colocado junto a mim. Eu queria a opinião dele em todos os passos que tomássemos em relação a esse tipo de assunto.
Dohga, em contrapartida, não era muito útil, não. Ele não estava ativamente nos impedindo de prosseguir, mas… Eu sentia que ele conseguia se manter no mesmo ritmo que nós por muito pouco, mas também, quem sou eu para ficar julgando alguém? Ele provavelmente se mostraria útil de uma forma ou de outra.
— Não. Eu diria que eles estão examinando a área. Qualquer informação que for possível de ser obtida te dá uma vantagem na largada.
— Mas alguns deles provavelmente querem chegar ao objetivo antes dos outros começarem, certo?
— Talvez, mas não muitos. O reino está liderando essa caçada, então mesmo que eles cheguem antes e matem os demônios, é possível que não sejam pagos.
Passar pelo processo da forma correta era necessário. Você se juntava ao grupo de caça, ia à floresta junto dos cavaleiros do reino ou quem quer que eles estivessem enviando, descobria a real natureza dos demônios, matava-os, e então afirmava que tudo estava bem. Só depois de tudo isso, você tinha uma chance de receber a recompensa. Se começasse junto de todo mundo, o fato de conseguir a recompensa especial ou não era uma questão de sorte. Esses caras estavam aqui examinando as coisas para tirar a sorte da equação. Quando chegasse a hora certa, eles dariam o bote e apanhariam o prêmio.
— Não tem nada a ver conosco, então.
— Concordo plenamente.
Sorrindo, Sándor foi em direção à vila. Lá, encontramos um prédio que parecia uma hospedaria e uma praça lotada com mais pessoas do que ela suportaria. Supus que todos estavam ansiosos para ir.
Ter muitas pessoas ao redor era conveniente para nós. Nos misturaríamos à multidão e veríamos o que podíamos descobrir.
Tão logo esse pensamento passou pela minha mente e alguém gritou:
— Saiam!
Uma ordem de despejo vindo do nada! É claro que não estava falando comigo. A voz veio de uma esquina da praça. Alguns dos que vieram examinar a cena saíram sorrateiramente, a contragosto. Pude ver uma mulher idosa com uma bengala gritando com eles.
— Saiam e voltem de onde vieram! Nenhum demônio vai aparecer! Ele protege o Povo da Floresta! Qualquer um que pretende ferir o Povo da Floresta pode ir embora!
Ela cambaleava para a frente, apoiando-se na bengala, mas quando se viu próxima à multidão, começou a acertá-la com ela. De onde eu estava, podia ouvir o estalo das bengaladas.
— Velha idiota…!
— Ei, calma. Se você causar problemas, os ogros…
O homem que ela tinha acertado cuspiu. Ele estava furioso, prestes a empunhar sua espada, mas foi contido por seu aliado e juntos foram embora da praça.
A velha não os perseguiu. Gritando, ela golpeava o resto dos homens lá. Todos recuaram, distanciando-se dela, e então se dispersaram.
O que estava acontecendo? Depois de expulsar todos os presentes, a idosa… ah, droga, ela estava olhando para nós!
A vovó foi à nossa direção, berrando:
— Voltem de onde vocês vieram!
A bengala dela bateu na minha armadura e fez um som metálico. Não provocou dano algum. É isso aí, cavalheiros: com a armadura completa Padrões Asura de Qualidade, você está protegido até mesmo de ataques ferozes de velhinhas!
— Você não deve perturbar a floresta! — Ela continuou a esmurrar a minha armadura.
— Calma aí, vovó.
— Não há nenhum demônio! Depois de tudo que ele fez pelo Povo da Floresta! Depois dele ter vindo buscar ajuda, você vai matá-lo? Brutos! — Ela estava em um estado de tamanha fúria que nem estava me ouvindo mais.
Mas uma frase me chamou a atenção. Povo da Floresta. Esse era um termo novo. Eu queria saber mais sobre ele.
— Quem é o Povo da Floresta?
— Quando o povo da floresta vai embora, os demônios aparecem!
Isso significava que o povo da floresta, quem quer que sejam, mantinham os demônios sob controle?
— Os demônios e o Povo da Floresta são duas coisas diferentes, então?
— É claro que sim! Não os coloque na mesma frase!
— Deixa ela pra lá, Cray, — Sándor intercedeu, tentando amenizar a situação. — Pode ser que ela nem esteja perfeitamente sã. — Ele tinha um ponto. Pessoas perfeitamente sãs não vão na direção de estranhos e começam a bater neles com uma bengala. Eu ainda queria ouvir o que ela tinha a dizer, entretanto.
— Eu estou tão sã quanto vocês, e o Povo da Floresta é real! Quando eu era jovem, me perdi nas profundezas da floresta e eles me salvaram! E muito, muito antes disso, salvaram meu bisavô também!
“Quando eu era jovem” deve significar pelo menos uns vinte, talvez trinta anos atrás. Essa senhora parecia ter pouco mais de sessenta anos. Se ela realmente tivesse essa idade, a história sobre o bisavô dela aconteceu cerca de um século antes disso.
Ruijerd e eu só tínhamos nos separado há dez anos. Será que ele não tem nada a ver com isso?
“Mas… oh.”
— O Povo da Floresta não é formado por demônios! Por que vocês não conseguem entender isso? Por que vocês querem matá-los? Tolos! Tolos, vão para casa! Tolos… Tolos, todos vocês… — Depois de bater a bengalinha dela contra minha armadura por um tempo, a respiração da idosa começou a falhar e ela cedeu em direção ao chão.
— Por que você não nos diz o que realmente está acontecendo? — perguntei.
Ruijerd pode não estar aqui, mas há uma outra possibilidade.
— Um dos membros do Povo da Floresta pode ser um amigo meu.
Talvez na floresta encontraríamos outro sobrevivente da Tribo Superd que estava procurando por Ruijerd.
A velhinha tinha sido completamente tomada em sua fúria, mas uma vez que se acalmou um pouco, conversou conosco. Pelo que nos contou, não era claro se o demônio em questão era Ruijerd ou algum outro Superd, entretanto eu tinha uma suposição de como eventos no Reino Biheiril levaram a isso.
Desde antes dessa senhora nascer, uma raça conhecida como o Povo da Floresta vivia na Floresta Sem Retorno. Era raro que eles se aventurassem mundo afora, mas muito, muito de vez em quando, um aldeão se perdia na floresta ou entrava em conflito com um monstro e ficava à beira da morte, então eles apareciam e ajudavam. Nenhum dos aldeões, incluindo a velha mulher, sabiam o que eles eram. Só tinham um conto folclórico como suposta prova de sua existência.
Há muito, muito tempo, pouco depois do fim da guerra com o Deus Demônio, demônios invisíveis vagavam pela Floresta Sem Retorno. Eles vinham para a vila ao pôr-do-sol, roubavam as crianças e os animais e os devoravam. Os aldeões queriam impedir isso, mas o que podiam fazer contra um inimigo invisível? Seus dias eram repletos de medo. Até o Povo da Floresta aparecer. Eles tinham uma proposta aos camponeses.
— Em troca de permitir que vivamos na floresta, tomaremos conta dos demônios, mas vocês não devem jamais contar a ninguém sobre nossa existência.
Os habitantes da vila concordaram e o Povo da Floresta se embrenhou nas profundezas da floresta. Como eles espantaram os demônios, os camponeses não sabem, mas nenhuma criança ou animal foi raptado depois dessa data. Até hoje, o Povo da Floresta continuava a proteger os aldeões.
Desde muito pequenas, as crianças da vila eram ensinadas a serem gratas ao Povo da Floresta e a nunca contarem sobre eles a ninguém.
Terminando sua história, a senhora disse:
— É impensável que o Povo da Floresta perturbasse a mesma.
Eu não sabia se nada do que ela havia nos contado era verdadeiro. A maior parte dos contos folclóricos eram só contos, mesmo.
Vamos admitir, hipoteticamente, que o Povo da Floresta era os Superd. Eles tinham um terceiro olho em suas testas, um tipo de Olho Demoníaco que os permitia sentir coisas vivas. Monstros que não podiam ser vistos a olho nu não eram problema algum para eles. Sabiamente ocultando sua existência, os Superd viveram em harmonia com os camponeses. Há seis meses então, teriam sido atingidos pela tragédia. Uma praga, ou um acidente. Talvez uma grande horda de demônios invisíveis havia aparecido, provavelmente uma quantidade grande demais para que eles conseguissem vencê-los. Após todos esses anos sem aparições em público, os Superd vieram à vila para comprar remédios. Ninguém se lembrava do exato mercador que tinha comercializado com eles, mas a história havia se espalhado. Algo suspeito saiu da floresta em plena luz do dia. Tenho certeza de que os camponeses estariam felizes em acomodá-los. Se a história da busca por ajuda for verdadeira, claro. De alguma forma, a história teria sido extremamente modificada em relação ao que aconteceu de fato, até se tornar naquela que ouvimos na taverna ontem.
Os demônios saíram da floresta. Eles devem ser espantados.
Como pode a história ter sido tão alterada? Falávamos sobre eventos de um ano atrás, então suspeitar de Geese parecia precipitado, mas… Eu não ficaria surpreso se ele estivesse envolvido de alguma forma.
O que importava era minha certeza de que havia Superds no interior da floresta. Ao mesmo tempo, novas dúvidas surgiram. Por que eu não sabia disso? Procurava por Ruijerd. Todo mundo sabia disso. Todo mundo. Incluindo, por exemplo, Orsted com sua visão sobrenatural. Se havia Superds lá por tanto tempo assim, então por quê? Por que eu não sabia sobre eles?
A Floresta Sem Retorno era silenciosa. Florestas nesse mundo eram geralmente repletas de monstros. Isso dependia da concentração de magia, mas durante um dia na floresta, você encontraria ao menos um. Especialmente Entes. Eles estavam por todo lugar nesse mundo e eram comuns de modo particular em florestas. Tenho para mim que elas devem ser como ninhos de Entes, considerando a quantidade deles por lá. Porém, não havia nenhum sinal deles nessa floresta. Estava realmente silenciosa.
Permanecia pacífica e taciturna. Eu podia perceber que havia pássaros e pequenos animais por lá, mas isso era tudo. Sombria, como andar por um pesadelo.
— Isso é assustador. — A floresta estava deixando Sándor desconfortável também.
— Sim.
Dohga estava quieto, mas não parecia perturbado. Ele sequer estava olhando ao redor.
Andamos por um tempo em silêncio, nos direcionando às profundezas da floresta. Percebi cada vez menos animais conforme progredimos. Havia insetos e pássaros, porém não mais pequenos mamíferos.
Andamos mais um pouco. As árvores ao nosso redor eram vastas agora, com suas densas copas bloqueando o céu. Na escuridão, fui tomado pela louca ideia de que éramos as únicas coisas vivas lá. Apenas o ocasional piado de uma ave me tirava desse transe.
Comecei a me perguntar se naquele exato momento, demônios invisíveis estavam nos seguindo. Eu me virei para olhar por cima do ombro. Toda vez que isso acontecia, encontrava com o olhar inocente de Dohga e olhava para a frente de novo. “Só minha imaginação”, dizia para mim mesmo.
— Ei, olhem! — Meus olhos pousaram sobre um monólito de pedra ao lado da estrada. Era um monumento aos Sete Grandes Poderes. Há muito tempo, eu não entenderia nenhuma das marcações nesse monumento… reconhecia basicamente todas agora. Como de costume, não houve mudança nos rankings, embora houvesse um novo Deus da Espada, a marcação não tinha mudado.
— Não esperava ver uma dessas por aqui.
— Não é tão incomum. Monumentos aos Sete Grandes Poderes só aparecem em locais em que a energia mágica é forte o suficiente.
— Ah, é… esqueci que eles eram implementos mágicos.
Impressionante que ele soubesse disso. Não existia muita gente sabendo que esse tipo de implemento mágico só poderia ser estabelecido em lugares com uma concentração alta o bastante de energia mágica. Não era um segredo altamente protegido, nem nada disso; só era um conhecimento um pouco específico.
— Logo vai escurecer. O que me dizem de acampar aqui?
— Boa ideia! Certo. Dohga, lenha.
— Uhum.
Acampamos pela noite próximo ao monumento. Só pra garantir, fiz um abrigo usando Fortaleza de Terra.
No dia seguinte, nos embrenhamos mais adiante na floresta silenciosa.
Ao longo do caminho, Sándor disse com ar de uma constatação repentina:
— Esse lugar me lembra as Montanhas Wyrm Vermelha.
— Como assim?
— Os outros animais se mantêm longe por conta do medo dos dragões.
Para as pessoas, monstros podem parecer que apenas atacam a esmo a tudo que se move, todavia, são mais inteligentes do que você imagina. Sabem que não devem chegar perto de territórios de bestas mais fortes que eles.
A Ravina do Dragão da Terra ficava nas profundezas da floresta. Mal precisa dizer que os Dragões da Terra eram extremamente poderosos. Era natural que animais selvagens evitassem um local tão perigoso.
— Você já foi às Montanhas Wyrm Vermelha, Sándor?
— Apenas até o sopé. Assim como aqui, quanto mais próximo se chegava, menos animais era possível ver.
Dragões da Terra faziam seus ninhos em vales de precipícios. Como regra, eles não se aventuravam para fora do vale. Tampouco voavam. Usavam magia da terra para cavar túneis. Eles eram amigáveis com outros dragões e não atacavam as pessoas contanto que elas não ultrapassassem os limites de seus territórios. Também tinham uma peculiaridade: não davam muita bola para ataques vindo de cima, mas tornavam-se excessivamente agressivos para qualquer um que viesse por baixo.
Orsted me contou que Dragões da Terra e Wyrms Vermelhas eram inimigos naturais. Devido aos seus habitats completamente diferentes, entretanto, seria difícil as duas espécies se encontrarem.
Essa era a criatura a qual estávamos indo em direção nesse exato momento, mas eu não estava preocupado. Contanto que não pisássemos no chão do vale, estaríamos bem.
— Oh!
Enquanto conversávamos, a paisagem se abriu à nossa frente. O chão em que pisávamos tornava-se de repente um enorme desfiladeiro no meio da floresta, tão profundo que eu não conseguia ver o final. O outro lado do vale estava a uns quatrocentos ou quinhentos metros de distância deste. Como estar no topo de uma montanha.
Eu não sabia muito sobre vales, mas a escala deste me fazia pensar no Grand Canyon.
— Imagino que esta seja a Ravina do Dragão da Terra.
— Creio que sim. O que você quer fazer? Chegamos aqui sãos e salvos…
— Hmmm. — Conforme pensava, concentrei energia mágica no meu olho esquerdo. Agora que a vista estava menos impedida, podia usar o Olho da Visão Distante. Ainda estava aprendendo a usá-lo, então não sabia dizer o quão longe estávamos. Primeiro, examinei o chão do vale, podia vê-lo com clareza coberto em musgo e fungos, todos brilhando em tons de azul e branco. Havia também um tipo de lagarto com uma concha parecendo um pedregulho gigantesco cambaleando devagar.
Assumi que era um Dragão da Terra. Bem mais para uma Grande Tartaruga do que para um dragão. Talvez com aquela concha, conseguisse enfrentar uma Wyrm Vermelha. Ele podia não se importar com qualquer coisa que viesse por cima dele. Foquei e vi que havia muitos outros Dragões da Terra agarrados à parede da ravina. Meio nojento.
Usei o Olho Demoníaco para observar as redondezas. Até onde conseguia ver, não havia nada à nossa direita. Em dado momento, o abismo e a floresta obstruíram meu campo de visão. No mapa, a Ravina do Dragão da Terra era perfeitamente reta, mas agora que estávamos aqui, eu podia ver sua curvatura. O mapa estava errado.
Então olhei para a esquerda. Também não conseguia ver nada dessa la… “Espera um minuto!”.
— Aquilo é uma ponte suspensa — disse.
Uma ponte passava pelo abismo em um ponto no qual o vale se estreitava.
— Certamente é! — Sándor concordou. — Vamos atravessar, então?
— Vamos ver o que encontraremos.
Levaria sete dias até que o “traficante de informações” voltasse até nós. Considerando o tempo da viagem de volta, conseguiríamos continuar a nos embrenhar pela floresta por mais um ou dois dias.
Decisão feita, começamos a jornada contornando à beira do penhasco.
A ponte parecia prestes a colapsar. Basicamente formada por duas grossas vinhas esticadas de um lado ao outro em um ponto estreito do desfiladeiro, com tábuas de madeira apoiadas entre elas.
Parecia bastante… artesanal. Não confiava muito na sua resistência.
Ainda assim, achei que suportaria um adulto sozinho carregando alguns suprimentos.
— Devemos atravessar?
Se eu tentasse passar por ela na Armadura Mágica, ia cair. Não posso fazer algo tão estúpido quanto cair em um local no qual me foi dito que eu estaria bem, a não ser que caísse.
— Não gosto da aparência dessa ponte.
— Você quer voltar, então?
— Vamos usar uma outra ponte — eu disse, indo em direção à beira do vale. Se a ponte fosse instável demais para atravessarmos, eu construiria uma. A magia fluiu da minha mão para o chão, invocando a terra. Adaptei Lança de Terra para essa missão.
“Forte o bastante para me suportar sem qualquer tipo de problema”. Foquei nesse pensamento, imaginando uma lança grande o suficiente para alcançar o outro lado.
— Uau — Sándor suspirou.
Lancei a magia e a Lança de Terra se materializou, estendendo-se em silêncio e empalando o lado oposto do vale sem produzir som. Criei outras duas lanças. Para garantir, espacei-as longe o bastante uma da outra para que duas pessoas conseguissem ultrapassar uma à outra. Então apoiei tábuas em cima dessas, feitas da mesma terra. Elas eram rígidas, estendendo-se até o longínquo outro lado.
Terminei reforçando a fundação da ponte e a parte inferior com magia da terra.
Não havia corrimão… mas tudo bem, íamos conseguir passar.
— Incrível! — disse Sándor, verificando meu trabalho. — Eu tinha ouvido histórias, mas nada como isso.
Me deixei desfrutar dos elogios por um momento, mas ainda não era hora de relaxar. Eu não sabia nada sobre construção de pontes. Não precisava fazer várias réplicas melhoradas ou algo do tipo antes de pisar nela, mas se parecesse que talvez fosse cair devido ao peso da Armadura Mágica, teria de refazê-la.
— Vamos arranjar uma corda.
Amarrei a corda a uma árvore próxima, então pisei na ponte, como um teste. Eu teria sido o rei dos idiotas se tivesse caído, mas ela me segurou. Adicionando reforços a pontos que pareciam estruturalmente fracos conforme progredia, fui de pouquinho em pouquinho caminhando pela ponte.
A corda acabou ao longo do caminho. Juntei à que Sándor carregava e cheguei ao outro lado com essa gambiarra.
Cada uma tinha uns cinquenta metros de comprimento, então considerando que consegui atravessar por muito pouco com duas cordas, a ponte devia ter cerca de cem metros. Até mesmo lá, onde a ravina tinha se estreitado bastante, ainda era um longo caminho.
— Beleza. — Fixei a uma árvore, então sinalizei ao outro lado da ravina.
Sándor e Dohga começaram a caminhada em uma passada tranquila, segurando a corda. Ambos ao mesmo tempo. Não estavam preocupados de que a ponte talvez caísse? Talvez confiassem em mim. Se caíssem, eu teria que correr para ajudá-los. Apesar das minhas preocupações, ambos chegaram deste lado a salvo.
— Vamos indo então, podemos? — disse Sándor. — É melhor ficarmos em guarda daqui em diante. — Espiamos em direção às profundezas da floresta. Era escuro aqui dentre as árvores e pude sentir algo que até agora não tinha sentido: aqui havia monstros.
Não tínhamos andado cem metros até sermos emboscados. Eu ouvi primeiro o farfalhar das folhas roçando umas com as outras. Havia uma brisa, então não passou pela minha cabeça que poderia ter um monstro por perto. Parecia que algo longínquo estava chegando perto, algo tão longínquo que assumi que estávamos seguros. No momento seguinte, o que ouvi estava bem do lado do meu ouvido.
— Huwh… Huwh… — Uma umidade quente e rançosa escorreu pelo meu nariz. Algo estava agarrando-se ao tronco da árvore ao meu lado. Tão logo percebi e a árvore se dobrou e os galhos craquelaram. Um segundo depois, algo pesado caiu bem atrás de mim.
Dei meia volta e vi Dohga deitado no chão. Não vi nada além disso. A cabeça de Dohga estava estremecendo incontrolavelmente e suas mãos agarravam o ar como se quisesse retirar de si o que quer que estivesse movendo sua cabeça.
“Tem alguma coisa aqui”. Não usei magia, apenas dei um soco no que quer que estivesse em cima de Dohga com toda a força que consegui reunir. O soco sobrenaturalmente fortificado da armadura mágica lançou o agressor voando. Senti carne e ossos quebrarem. A coisa bateu em um troco de árvore com um esparramamento de sangue vermelho. A cor do sangue revelou sua forma.
Era uma besta de quatro pernas. Não conseguia observar nenhuma característica distinguível, mas tinha quatro pernas. Por instinto, atirei um Canhão de Pedra para finalizá-la. Praticamente no mesmo momento, algo acertou minhas costas. Me virei, pronto para atirar de volta com magia.
— Dohga! Levante-se!
Era Sándor. Ele se posicionou de modo a proteger meu ponto cego.
— …Uh-huh! — Dohga se levantou e veio se posicionar logo à minha frente, retirando seu machado de suas costas.
Gente, qual é! Não consigo ver nada!
— O inimigo é invisível, números desconhecidos! Dohga, seus olhos não valem de nada aqui, use seus ouvidos! Apenas lide com o inimigo na sua frente! Mestre Rudeus, use magia! Feitiços de dano em área, para atingir todos! — Sándor bradou, listando instruções. Ele pensava rápido. Suponho que ele era o capitão de uma ordem de cavaleiros, afinal. Fiz como ordenado e concentrei magia nas minhas mãos.
Vamos de magia de fogo! Não, espere, isso era uma floresta. Seria o dobro do trabalho para apagar o incêndio. Vou usar magia de água:
— Nova Congelante!
— …Oof! — Uma fração de segundo antes de lançar o feitiço, Dohga atacou.
A lâmina de um enorme machado cortou a densa floresta, partindo troncos de madeira conforme ia adiante. Não atingiu seu objetivo. Através de uma nuvem de farpas, senti algo passar por Dohga e vir na minha direção.
A Armadura Mágica era pesada e dura. As presas e garras de um monstro não deixariam marca nela. Decidido, me preparei para lançar meu feitiço…
— Mestre Rudeus! — Sándor se chocou contra mim. Não tive nem tempo de pensar “Mas que diabos?” antes da lança passar por mim. Parecia estar suspensa no meio do ar. Então percebi que estava pregando algo transparente ao chão. A lança era branca pura, da cor do calcário. Como um osso de um animal.
Havia algo evocativo nela.
Então um homem se ajoelhou ao chão para apanhar a lança de volta. Ele tinha cabelos verdes e uma pele tão pálida que parecia estar doente. Vestia uma roupa típica que lembrava um poncho.
É, sem dúvidas. Só de ver as costas dele, eu sabia: eu o reconheceria em qualquer lugar!
— Ruijerd! — chamei, ficando de pé e estendendo meus braços. Ele pegou a lança e então virou-se para mim.
— Hm?
Houve uma pausa.
— Huh?
Eu não o conhecia. Ele era bonito e lembrava um pouco Ruijerd, mas não era ele. O Ruijerd que eu conhecia era mais… Tipo, tinha alguma coisa sobre a mandíbula dele…
— Me desculpe, me confundi — disse.
Merda. Eu previ que poderia haver outros Superd por aqui… mas esse não é o Superd que pedi!
Ah, droga, eu gritei e celebrei o nome de Ruijerd. Cara, meu rosto está todo vermelho.
— …Você conhece Ruijerd? — O desconhecido Superd perguntou, curioso.
Ah, certo. Ele é um Superd, então ele conhece Ruijerd. Além disso, não importa que ele não seja Ruijerd. Tipo… com todos os problemas que o Reino Biheril está sofrendo recentemente, o fato de esse ser um outro Superd significa… absolutamente nada. Né? É.
— Huh? Ah, sim. Ele é um aliado… não, um amigo. Eu devo algo a ele.
— Se você está aqui por ele, siga-me. Te levarei até ele. — O homem se virou para ir embora.
— Hm… Só um momento! — chamei por ele, atordoado. — Ele está aqui, então?
O Superd acenou com a cabeça, como se dissesse que era óbvio.
— Ele está.