Tendo matado a Cobra Capuz-Vermelho, nosso grupo voltou para a Guilda dos Aventureiros. Como sempre, nos encontramos com Jalil do lado de fora do prédio para trocar nossos cartões de tarefas. Também entregamos as presas e a pele da cobra e elaboramos nossas histórias para garantir que permanecessem consistentes.
Havia uma grande quantidade de coisas para carregar dessa vez, então, todos nós entramos na guilda, até mesmo Vizquel. No momento em que colocamos os pés lá dentro, Nokopara se aproximou de nós. Sério, parecia que o cara nunca saía do lugar… ou nos deixava em paz.
— E aí! Parece que vocês caçaram uma presa realmente interessante. Aquilo que estou vendo são escamas de uma Cobra Capuz-Vermelho? Hein?
Olhei para Jalil, levando-o a contar a história que havíamos elaborado com antecedência.
— S-sim, isso mesmo. Tivemos sorte e topamos com a coisa quando ela já estava bem fraca.
— Hmmm. Vocês dois derrubaram uma Capuz-Vermelho, hein…?
Nokopara olhou para Jalil com algo que parecia um sorriso condescendente em seu rosto de cavalo.
O que está acontecendo? Ele parece meio diferente hoje…
— N-nós encontramos os corpos dos caras dos Super Blazers antes de toparmos com aquilo. Devem ter a cansado antes de morrerem…
— O quê? Espera aí, você está dizendo que o Blaze morreu?
— Sim.
— Droga. Acho que é isso que acontece quando alguém se depara com uma Capuz-Vermelho… — disse Nokopara bufando desinteressado. — Mesmo assim… mesmo que estivesse enfraquecida, é difícil imaginar você e Vizquel derrubando um monstro daqueles…
— Bem, para ser sincero, ela não estava só enfraquecida. Estava quase morta. Digo, alguns poderiam até falar que a coisa já estava morta. Ainda respirava, sim, mas era basicamente um caso sem volta, sabe? — Jalil, começando a falar um pouco rápido demais, escolheu este momento para se afastar com pressa.
No entanto, Nokopara ainda não parecia satisfeito e voltou sua atenção para nós.
— Então! Hoje vocês encontraram mais algum animal perdido ou o quê?
— É. Mestre Jalil nos ensinou algumas técnicas excelentes. Hoje conseguimos mais um pouco de dinheiro para colocar no bolso.
— Hmmmm…
Algo nessa conversa parecia um pouco estranho. Tentei fugir e sair apressado como Jalil havia feito, mas assim que comecei a me mover, Nokopara pendurou o braço em volta dos meus ombros, de uma forma estranhamente íntima, e se inclinou para sussurrar ao meu ouvido:
— Então me diga, como exatamente você estava caçando animais do lado de fora da cidade?
Por apenas um instante, parei de me mover. Mas acho que consegui manter um rosto inexpressivo. Era uma atuação já planejada. Ele só nos viu saindo de Rikarisu. Eu poderia falar o que quisesse.
— Aconteceu de o animal ter fugido da cidade.
— Ah, sééééério? Então, e aí… — Desta vez, Nokopara agarrou Jalil firmemente pelos ombros. — Aquela Cobra Capuz-Vermelho também estava dentro da cidade?
Certo. Então ele também viu Jalil e Vizquel pela cidade. Em outras palavras, o quebra-cabeça estava montado.
— Hmm. Muuuuito estranho. Hoje em dia estão acontecendo muitas coisas estranhas.
Eu já tinha pensado um pouco neste cenário. Tínhamos algumas opções para lidar com isso. Poderíamos, por exemplo, jogar toda a culpa em Jalil. Se insistisse que ele estava nos forçando a fazer um trabalho perigoso e de rank alto contra nossa vontade, poderia me esquivar para sair da crise iminente.
Mas eu não seguiria esse caminho. Se o fizesse, Ruijerd poderia cortar os laços comigo para sempre. Afinal, era uma conduta inadequada para um guerreiro.
— Vamos lá gente. Por que simplesmente não confessam, hein?
— O quê, para ser exato? — perguntei. — Fizemos algo errado?
— Hein?
— Nós ajudamos com o trabalho do Caçador M, e o Caçador M ajudou com o nosso. Isso é algum problema? — Em vez de me limitar a mentiras e histórias falsas, optei por seguir com uma abordagem do tipo: “E daí?”. Li os regulamentos da guilda uma segunda vez há algum tempo, e definitivamente não havia nenhuma regra clara contra o que estávamos fazendo.
Claro, isso não significava que as pessoas ficariam bem com isso. Não se pode fazer o que bem entender apenas por não ser algo tecnicamente ilegal. Mas também não tinha certeza se havíamos ultrapassado a linha do comportamento inaceitável. Seria melhor insistir que não tínhamos feito nada de errado.
— Você está falando sério, garoto? Já pensou no que aconteceria se um monte de outros idiotas começarem a fazer essa merda também?
— Na verdade não. O que aconteceria?
— As tarefas começariam a ser vendidas pelo lance mais alto. Todo o maldito objetivo da guilda desapareceria!
Hm. Eu poderia insistir que não estávamos pagando um ao outro por nossas tarefas… mas isso provavelmente não funcionaria, certo? Bom… Acho que seria possível tecnicamente classificar isso como uma forma de “comprar ou vender tarefas da guilda”. Esse cara é mais inteligente do que parece.
Bem, se nossos métodos se tornassem mais comuns, provavelmente começaria a se ver algumas pessoas vendendo suas tarefas em busca de dinheiro fácil. Por exemplo, alguém poderia simplesmente aceitar todos os serviços de rank D disponíveis de uma vez e depois vendê-los aos poucos para os outros caras de rank D. O vendedor obteria um fluxo constante de dinheiro e, por fim, subiria no rank – tudo sem levantar um dedo.
É claro que, com essa abordagem, acabaria falhando em todos os trabalhos que não conseguisse vender.
— Por que você se importa, Nokopara? Não estamos causando nenhum problema, estamos?
— Tem certeza que quer usar esse tom comigo, garoto? Veja só, agora você está em uma pequena enrascada… Você também, Jalil, escute!
Nesse ponto, Nokopara me agarrou pela frente do meu robe e me levantou do chão.
Olhando para trás, balancei a cabeça para Eris e Ruijerd, cujos olhos estavam brilhando de raiva. Agora, precisava que ficassem calmos; essa conversa ainda não havia acabado.
— Hehehe… — Era difícil interpretar a expressão de Nokopara, com toda aquela coisa da cabeça de cavalo e tal. Mas tive a impressão definitiva de que ele estava olhando maliciosamente para mim. — Se você se preocupa com seu status de aventureiro, é melhor começar a me trazer duas moedas de ferro por mês.
Ah, nossa. Na verdade, isso é quase revigorante. Eu senti que foi a primeira vez que encontrei um desses tipos desde que reencarnei neste mundo. Todo mundo que encontrei nos últimos tempos estava mais para personagens sem graça, sabe? Era bom encontrar um desses safados sabichões de vez em quando. Pelo menos não teria que pensar demais na situação.
Em todo caso, agora sabia por que Nokopara perambulava pela guilda o dia todo. Ele obviamente mantinha um olho atento para aventureiros que não faziam nada de bom – para que pudesse arrancar dinheiro deles. Parecia um ramo de atuação fácil e agradável.
Será que não poderia simplesmente o denunciar por chantagem ou coisa do tipo? Não… isso também serviria para expor minhas próprias ações…
— Atualmente vocês estão ganhando uma graninha, né? Heheh. Então não deve ter problema.
— V-você se importa se eu… fizer algumas perguntas? — falei, fazendo o meu melhor para soar irremediavelmente nervoso.
— Tipo qual?
— Uhm… Acho que o que fizemos… provavelmente seria classificado como venda de serviços, certo?
— Sim, com certeza. Eles te estapeariam com uma bela taxa e rasgariam seu cartão se descobrissem. Não gostaria disso, certo?
— Não! Não. Nós… não queremos isso.
Fique calmo. Não vale a pena entrar em pânico. Eu sabia que algo assim poderia acontecer. Estamos bem. Ainda estamos bem.
— U-uhm, certo, não temos tanto dinheiro disponível agora, então… Jalil e eu podemos entregar nossos serviços?
— Claro, tanto faz. Só não saia correndo, viu?
— N-nem sonharia com isso, chefe!
Pelo visto, esse cara não era tão inteligente assim. Nós dois nos separamos e nos dirigimos para o balcão.
— E-ei… o que vamos fazer? Cara, o que vamos fazer?!
— Jalil, calma. Você precisa agir como se não houvesse nada de errado.
Tendo dado a Jalil aquelas instruções vagas, fiz sinal a Vizquel para vir e se juntar a nós. Passamos nossos cartões de tarefas preenchidos e recebemos nossas recompensas. Mas antes de sairmos do balcão, também os fiz dissolver o Caçador M e que entrassem no Fim da Linha.
Isso poderia ser significativo ou não. Eu não tinha certeza de quão detalhados eram os registros da Guilda.
Olhei para o outro lado da sala e vi Ruijerd encarando Nokopara com intenção assassina em seus olhos. Embora possamos ter quebrado as regras da guilda, parecia que a tentativa arrogante do Cara de Cavalo de nos chantagear era uma violação muito mais grave do código do guerreiro.
Com um pequeno gesto, fiz sinal a Ruijerd para se conter.
Eris não parecia entender o que estava acontecendo. Se ela falasse a língua do Deus Demônio, provavelmente teria sido a primeira a atacar aquele cavalo detestável… e provavelmente teria usado sua espada, não seus punhos.
Quando Jalil e eu voltamos ao grupo, Nokopara colocou os braços em volta dos nossos ombros como se fôssemos velhos amigos ou algo assim.
— Então tudo bem! Façam o pagamento deste mês, garotos.
Com um sorriso forçado no rosto, Jalil começou a entregar as duas moedas de ferro que acabara de receber, mas agarrei sua mão para impedi-lo.
— Só uma coisa antes de fazermos isso.
— O quê? Faça isso logo, criança. Eu tenho o pavio realmente curto.
Parei por apenas um instante para acalmar meus nervos e fazer uma pequena oração silenciosa.
— Você tem algum tipo de prova de que quebramos as regras, certo? — O “Tch!” irritado de Nokopara ecoou pelo saguão todo.
Ele começou puxando uma lista de tarefas que o Fim da Linha havia concluído, igual à dos livros de registro da Guilda. O funcionário não perguntou por que queria essa informação; esta provavelmente não era a primeira vez que ele pedia por isso. Aparentemente, usaríamos essas informações para fazer algumas visitas a nossos clientes anteriores.
— Ah, e não tenha nenhuma ideia engraçada sobre me atacar em algum beco — disse Nokopara, seus olhos se movendo de Ruijerd para Jalil.
Senti que a raiva no rosto do Superd era bastante óbvia, mas o Cara de Cavalo não parecia muito intimidado. Talvez estivesse acostumado a ser encarado por homens que o queriam morto.
— Se eu morrer, meus amigos irão direto para a guilda e vão te denunciar. Ah, e ao contrário de vocês, falsos ranks C, sou a coisa real. Eu poderia subir para o rank B na hora que quisesse.
Seria bom assumir que a última parte não passava de um blefe. Mesmo Nokopara certamente não acreditava que poderia enfrentar nós cinco sozinho. Ele estava nos encurralando, sim, mas isso não significava que desejava morrer.
Ainda assim, isso parecia um tanto descuidado da sua parte. Eu teria levado pelo menos um guarda-costas se estivesse no lugar dele.
— Ceeeeeeerto, aqui estamos. — O primeiro lugar a que chegamos foi uma casa comum, mas desconhecida.
Quando Nokopara bateu na porta da frente, uma senhora de aparência rabugenta apareceu. Ela tinha um bico de águia no rosto e vestia uma túnica preta lisa.
Um cheiro doce e açucarado exalava de dentro da própria casa. Sem dúvida, a havíamos interrompido enquanto preparava um pouco de Nerunerunerune1…
A princípio, a velha senhora olhou para nós com desconfiança, mas assim que percebeu Vizquel, seu rosto se iluminou.
— Olha só! Se não é Vizquel! O que é tudo isso, querida? Você me trouxe uma grande multidão hoje. Ah, esses são os outros membros do Ruijerd Fim da Linha?
Nokopara examinou nossos rostos assustados, depois olhou de volta para a velha, que claramente só reconhecia Vizquel. Ele soltou um grunhido divertido, um sorriso desagradável se espalhando por seu rosto.
— Desculpe, senhora, mas eles não são do Fim da Linha. Você foi enganada.
— O quê? — Olhando para Nokopara, a velha senhora bufou com desdém. — E exatamente como eu fui enganada? Hein?
— Bem, eles…
— A Vizquel eliminou aqueles insetos muito bem. Não dá para vencer um Zumeba nesse tipo de coisa, não é? Desde aquela vez não vi nenhum.
Pelo que parecia, Vizquel havia lidado com algum tipo de infestação de insetos no local. Parando para pensar nisso… essa velha senhora combinava com o que sabíamos de um dos clientes para quem Ruijerd a observou trabalhando.
— Contanto que você faça o trabalho rápida e adequadamente, eu não poderia me importar menos se você é o verdadeiro Fim da Linha!
Nokopara não foi o único que se assustou com esse comentário.
Ruijerd também arregalou os olhos.
— E-escute, senhora…
— Inferno, eu sou uma mulher velha. De qualquer forma, não tenho muito tempo sobrando. Se no final tivesse a chance de encontrar um Superd de verdade, aproveitaria isso.
Os olhos de Nokopara dispararam ao redor, incertos, por um momento, mas então ele se virou com força para Vizquel, fazendo uma carranca.
— Vizquel! Vamos ver seu cartão de aventureira!
Vizquel estremeceu de surpresa, mas então um sorrisinho apareceu em seu rosto. Ela pegou seu cartão e mostrou a todos. Agora, na última linha estava: “Grupo: Fim da Linha.”
— Mas que… maldição! Você está brincando comigo?!
Neste ponto, o Caçador M já não existia mais. Um exame dos registros da guilda provavelmente teria revelado o porquê. E com um pouco mais de trabalho, evidências de nossa quebra de regras também poderiam aparecer. Mas, pelo menos por enquanto, isso não pareceu passar pela mente de Nokopara.
— Para o inferno com isso! Vamos para o próximo!
Com um sorrisinho no rosto, eu o segui enquanto ele caminhava para o próximo endereço em sua lista.
Quando visitamos várias dezenas de ex-clientes, o rosto de Nokopara de alguma forma tinha passado de vermelho para azul.
— Merda! O que está havendo aqui?!
Todos com quem falamos tiveram a impressão de que Jalil e Vizquel tinham feito, o tempo todo, parte do Fim da Linha. Seus cartões de aventureiro até sustentavam essa história.
Houve até um momento de bem-estar próximo ao final, quando chegamos à garota que foi nossa primeira cliente; ela gritou de alegria e abraçou a perna de Ruijerd.
— Sinto muito, Nokopara, mas não acho que podemos pagar se você não puder apresentar nenhuma prova.
— Puta merda…
Esqueça o pagamento, talvez eu o denunciasse à guilda. Poderia acusá-lo de “nos impedir” de terminar nossos trabalhos ou algo assim.
— Heheheh… — Enquanto eu ria maldosamente para mim mesmo, o destino final da lista de Nokopara apareceu.
Era… aparentemente a Pousada Garra do Lobo. Parecia que Jalil havia feito algum trabalho estranho no lugar em que estávamos. Seria mais difícil mentir se tivéssemos que lidar com alguém que realmente nos conhecesse, mas senti como se nós mal tivéssemos falado com o estalajadeiro. De alguma forma daria tudo certo.
— Aqui. Eles são os últimos.
Duas pessoas saíram da porta da frente da Pousada Garra do Lobo. Eu congelei ao vê-los.
Isso não era bom. Havia cerca de quinze sinos de alarme diferentes tocando na minha cabeça: Emergência. Emergência. Alerta vermelho. Ataque aéreo chegando! Contingência imprevista! Tarde demais, eu entendi o quão imprudente e estúpido realmente fui.
— Ah, Rudeus. Você voltou. Cara, que bom te ver… Uh, o que há com toda essa gente?
Estávamos cara a cara com os membros sobreviventes dos Valentões do Vilarejo Tokurabu. Havia uma profunda exaustão no rosto de Kurt, mas ele ainda nos cumprimentou em um tom de voz amigável.
— Ei, garoto. Você se lembra de quem o salvou na Floresta Petrificada? Foi o Fim da Linha, não foi?
Ah, merda.
Não sei se Nokopara percebeu meu pânico ou se planejou fazer essa pergunta desde o início. Mas, de qualquer forma, nos pegou.
O atual rank do Fim da Linha era D. A tarefa que o Caçador M aceitara era de rank B. Em outras palavras, não poderíamos ter aceitado aquele trabalho. Nossa história estava prestes a desmoronar.
— O quê…?
Kurt olhou para mim e para o Cara de Cavalo. Eu balancei minha cabeça freneticamente, tentando dizer a ele para manter a boca fechada.
Vamos! Você é um garoto orgulhoso! Ninguém te ajudou! Você passou por essa bagunça sozinho, certo?
Se o garoto pelo menos insistisse que não tinha ideia do que Nokopara estava falando, ainda tínhamos uma chance. Eu só tinha que rezar para que seu orgulho e teimosia dessem as caras.
Encontrando meu olhar desesperado, Kurt acenou com a cabeça decisivamente.
— Claro que foi! Nunca vi ninguém tão forte quanto esses caras antes!
Nossa. Que garoto honesto!
Ele passou a explicar o quão forte nós realmente éramos, descrevendo como derrotamos o Executor e as Anacondas Amêndoa usando um estilo vigoroso que envolvia toneladas de efeitos sonoros.
— Sério, Rudeus é incrível! Aqueles Executores são terrivelmente assustadores, sem dúvida, mas nunca deviam ter virado inimigos do Fim da Linha! Foi uma luta de um-contra-um, sabe? Executor contra Rudeus! O que acha que aconteceu? Boom! Splat! Acabou com um disparo, cara! Um disparo! Ah, e Ruijerd também é inacreditável! Ele estava tipo, fwoosh! E então, kablam, lá se foram as anacondas! Ele estava fazendo todas aquelas coisas ridículas sem nem piscar! Sério, eu fiquei arrepiado!
Nokopara ouviu toda a história com um grande sorriso no rosto, de vez enquanto soltando um: “Uau, isso é incrível” ou “Sério mesmo?” Quando Kurt finalmente perdeu o fôlego, ele se virou para nós.
— Bem, isso é muito estranho. Vocês não trabalharam na cidade? Por que estavam na floresta salvando crianças de monstros?
— Uh, bem… acabamos combinando de ir com o Jalil…
— Desculpe, mas naquela hora Jalil e Vizquel estavam na cidade.
Estava tudo acabado. Não adiantava mais fingir. É óbvio, Nokopara descobriu como usar isso para colocar nossas costas contra a parede.
Calma! Você ainda tem uma chance aqui!
Foco, cara. Por enquanto, precisamos escolher dentre algumas opções. Digamos que são três. Uh, tudo bem. Vamos lá…
- Matar Nokopara.
Se ele realmente tivesse um bando de aliados, como afirmava, esse plano acabaria muito mal. Mas também havia uma chance de que tudo corresse bem.
Em outras palavras, era como jogar alguns dados e esperar pelo resultado. Péssima ideia.
- Culpar Jalil por tudo.
Éramos novatos e Jalil era um veterano. Se eu começar a gritar que ele nos enganou e se aproveitou de nós, poderíamos acabar escapando.
No entanto, tentar isso me custaria a amizade com Ruijerd. Afinal, trair nossos “camaradas” seria simplesmente errado. Outra péssima ideia.
- Entregar o dinheiro agora, encontrar uma saída depois.
Isso também seria como jogar os dados. Eu poderia encontrar uma maneira de resolver as coisas rapidamente, mas agora que Nokopara sabia que éramos perigosos, provavelmente montaria um esquema de várias camadas para nos manter presos nesta cidade e em segurança nas garras de sua gangue. Outra péssima ideia.
Bem, agora eu tinha três planos terríveis como opções. Esse foi claramente um tempo bem gasto!
O que eu devia fazer?
A única saída mais simples era o plano dois, mas provavelmente era, de longe, a pior escolha. Quaisquer que fossem seus benefícios imediatos, estaríamos nos paralisando a longo prazo.
Trair Jalil e Vizquel significaria perder a confiança de Ruijerd para sempre. Ele provavelmente nunca voltaria a escutar minha palavra.
O plano dois estava fora de questão. Definitivamente fora de questão.
O plano um também não era bom. Era simplesmente… sem sentido. Eu me desviaria completamente do caminho que vinha seguindo até hoje. Não importava o quão casualmente as pessoas viam a morte no Continente Demônio; esse não era o problema. Se matasse Nokopara agora apenas para me livrar dos problemas, começaria a resolver todos os meus problemas da mesma maneira. Eu não estava pronto para cometer um assassinato em minha vida.
Porém, o plano três também não era lá muito bom. Ao entregar dinheiro a essas pessoas, estaríamos admitindo nossa própria culpa. Só quero que todos saibam que essa era a última coisa que eu queria fazer.
Havia também uma possibilidade real de acabarmos quebrando outras regras, ou mesmo leis, já que estavam tirando dinheiro de nós. Isso daria a Nokopara mais vantagem sobre nós; suas demandas provavelmente aumentariam. Ele poderia até mesmo tentar colocar suas mãos sujas em Eris… Se fosse ele, eu sabia que seria capaz. Se necessário, seríamos forçados a matá-lo no final das contas.
Mas, mesmo assim… só restava o plano três, não?
Não, não. Comparado a seguir esse caminho, poderíamos muito bem escolher um plano novo. Teríamos apenas que matar Nokopara. E todos os seus amigos.
Essa não era… minha única opção? Eu realmente faria isso? Teria que fazer?
Sinceramente, não sabia se conseguiria matar alguém. E como iríamos lidar com o resto de sua gangue, onde quer que estivessem? Talvez Ruijerd pudesse, de alguma forma, os rastrear. Mas como? Se nem mesmo soubesse quem estava procurando, aquele terceiro olho provavelmente não serviria para muita coisa.
Sempre havia a opção de simplesmente desistir da coisa de “aventureiro”. Poderíamos encontrar outras formas para sobreviver, mesmo sem a guilda. Agora eu já tinha uma certa noção de como ganhar dinheiro neste continente.
Mesmo assim… digamos que eu fizesse isso, por mais doloroso que fosse. O que aconteceria com Jalil e Vizquel? Eles não apenas participaram de nosso esquema, como a investigação da guilda poderia também revelar evidências de seu negócio de sequestro de animais. Nosso grupo tinha economizado algum dinheiro e não tinha nenhum apego especial a esta cidade, mas os dois eram diferentes. Esta era a casa deles, e poderiam acabar sendo expulsos dela. Não tinham as habilidades para sobreviver no deserto. Os abandonar não seria apenas outro tipo de traição? Poderíamos acolhê-los depois de serem banidos?
Não. Sem chances. Já seria difícil lidar com nossos próprios problemas; não poderíamos cuidar dos deles também.
Certo, para o inferno com isso… Eu preciso me preparar. Irei me tornar um assassino caso seja necessário.
Tenho que lembrar do meu objetivo. Preciso levar Eris de volta para casa em segurança, não importa o quê. Para que isso aconteça, estou disposto a trair Jalil e Ruijerd. Não me importa se Eris acabar me odiando. Não me importaria em nunca mais poder olhar Paul ou Roxy nos olhos!
Irei inundar toda a maldita cidade com um feitiço de nível Santo. Eris e eu podemos fugir no meio da confusão. Se quiserem, podem até tirar meu status como aventureiro. Irei alcançar meu objetivo, não importa o quão baixo tenha que ser.
Apenas vejam!
Com a minha mente finalmente decidida, comecei a reunir energia mágica em minhas mãos… então notei a expressão no rosto de Nokopara.
— O qu… ah…
De repente ele ficou branco feito papel, e seus joelhos começaram a tremer. O homem não estava olhando para mim; estava olhando para algo atrás de mim.
Me virei. Ruijerd estava lá, parecendo muito… molhado. Uma jarra de água que vi atrás da pousada estava no chão ao seu lado.
— R-Ruijerd…?
Seu cabelo verde esmeralda brilhava ao sol. Estava encharcado. Ele jogou a água na cabeça e lavou a tinta azul. Também tirou a bandana para expor a “joia” vermelha em sua testa.
— E-ele é um… S-S-Superd…
Nokopara pendeu para trás, caindo de bunda no chão.
— Eu sou Ruijerd Superdia, também conhecido como Fim da Linha. Parece que minha identidade foi exposta. Acho que agora vou ter que matar cada um de vocês.
Ruijerd proferiu sua fala em um tom rígido e monótono. O homem realmente não nasceu para ser ator. Ainda assim, a raiva em seus olhos era real.
— Aaaaaaah!
Alguém soltou um grito ensurdecedor.
E, de repente, todos na rua estavam gritando – garotas, rapazes e velhos também. Largaram tudo o que estavam carregando e correram para salvar suas vidas.
À medida que o caos se espalhava, Jalil foi o primeiro a nos trair. Gritando: “Eles me ameaçaram! Eu não sabia de nada! Não estou do lado deles!” Depois se virou e saiu correndo, levando Vizquel consigo.
As pernas de Kurt cederam. Talvez ele estivesse se lembrando de como tinha sido severo com Ruijerd no outro dia… Seu rosto estava mortalmente pálido e parecia que estava mijando nas calças.
Por que de repente ficaram todos tão apavorados? Ainda era Ruijerd. A única coisa que mudou foi a cor de seu cabelo. Eu não conseguia entender isso.
Até então estavam todos agindo normalmente, não? Vamos, Kurt. Você estava falando sobre Ruijerd como se ele fosse algum tipo de super-herói. Disse que queria ser como ele algum dia, lembra? Seu olhar na direção dele era até respeitoso! Então, por quê? Por que está com tanto medo agora que seu cabelo ficou verde? Olhe para Eris, cara. Ela não tem ideia do que está acontecendo, mas está calma, certo? Está parada ali de braços cruzados, os pés bem separados e o queixo erguido. Observando tudo isso em silêncio e com os olhos bem abertos.
Então, por que todo mundo de repente começou a pirar?
Muitas das pessoas ao nosso redor estavam fugindo, cegas de pânico. Outras estavam caídas na rua. Alguns sacaram suas armas, embora suas pernas estivessem tremendo. Havia muitos tipos diferentes de pessoas na área, mas todas estavam agora tremendo.
Tudo isso por causa de um cara de cabelo verde?
Eu sabia que as pessoas locais temiam o Fim da Linha. Mas não sabia que o temiam tanto. Não sabia o nível do terror impregnado.
Hah.
Isso meio que me deu vontade de rir. Afinal, que sentido fizeram todos os meus planos e esquemas? Deram uma olhada na cor real de seu cabelo e foi isso que obtivemos. Realmente pensei que meu pequeno plano de atuação mudaria alguma coisa? Que ridículo. Talvez achasse que todos iriam entendê-lo, assim como Eris e os Migurd. Mas isso nunca seria possível.
Não era uma questão de contrariar alguns rumores horríveis. Para essas pessoas, os Superds eram a personificação do terror. E eu queria mudar isso? Que piada. Desde o começo era algo impossível.
Enquanto o inferno desabava ao seu redor, Ruijerd caminhou lentamente até Nokopara.
— Você aí. Seu nome era Nokopara, não era? — Agarrando o homem-cavalo pelo pescoço, ele o puxou do chão. O corpo dele parecia pesado, mas Ruijerd o ergueu sem esforço.
— Ruijerd! Não o mate! — Mesmo tendo chegado a esse ponto, eu me peguei gritando um aviso. Se ele matasse Nokopara nessas circunstâncias, com todos assistindo, o nome “Fim da Linha” ficaria contaminado para sempre.
Mas, sendo honesto, já não estava? Ainda fazia sentido se conter?
Não, realmente não. Esqueça isso. Vá atrás dele, Berserker!
— E-eu sinto muito! Não tinha ideia de que você era a coisa verdadeira! P-por favor, não me mate! Por favor! — O rosto de Ruijerd estava cheio de raiva. Nokopara tremia feito vara verde.
— Ei, mas que diabos está havendo?! — Eris sibilou, parecendo um pouco nervosa.
— Estamos no meio de um dos piores cenários possíveis — respondi lentamente.
— Então, por que você não está fazendo nada?!
— Porque não há nada que eu possa fazer. Desculpe.
— Bem, então acho que estamos realmente sem sorte!
A garota desistiu bem rápido. Em sua defesa, eu já tinha feito o mesmo há um tempo. Não havia como consertar essa bagunça. E foi tudo minha culpa. Presumi que sempre poderíamos “dar um jeito”, mesmo se alguém percebesse. Eu me permitia acreditar que poderíamos criar um caminho improvisado através de qualquer problema inesperado. E esse desastre foi o resultado.
Agora que os eventos haviam chegado até isso, a única maneira real de intervir seria realizar minha ideia original e limpar tudo.
Tipo, com uma onda mágica. Boa ideia, não? Hahaha.
— P-por favor, tenha misericórdia! Eu tenho três… não, sete crianças famintas em casa! — Nokopara implorou por sua vida de uma forma um tanto incoerente. Era bastante óbvio que essas crianças não existiam. Até eu poderia ter pensado em algo mais convincente.
— Estou saindo desta cidade… E você vai esquecer que me conheceu.
Ainda assim, Ruijerd o deixou fora de perigo na mesma hora. Suponho que a referência a crianças provavelmente foi um fator fundamental para isso.
— C-certo, certo! M-muito obrigado!
O alívio tomou conta do rosto de Nokopara… ao menos por um instante.
— No entanto, é melhor você torcer para que nosso status de aventureiros não tenha sido revogado quando chegarmos à próxima cidade.
Ruijerd empurrou seu tridente para frente e fez um único corte raso na bochecha de Nokopara. Uma mancha úmida espalhou-se pela frente das calças do homem-cavalo e algo se projetou na parte traseira.
— Não presuma que você está seguro mesmo dentro das muralhas desta cidade… — Nokopara acenou com a cabeça vigorosa e repetidamente.
Quando Ruijerd o largou, ele bateu no chão com um som desagradável.
Em pouco tempo, Ruijerd foi expulso de Rikarisu. Levando toda a culpa por tudo em seus ombros, ele fugiu para o deserto.
Foi um dia feio e frustrante. O Superd saiu correndo sozinho, deixando-nos para trás. Logo, os guardas correram para perguntar a todos o que havia acontecido e eu insisti que Ruijerd não tinha feito nada de errado. Mas aos olhos deles, é claro, eu era apenas uma criança. Decidiram que ele devia ter me intimidado para dizer isso.
Em pouco tempo, todos chegaram à conclusão de que o homem estava planejando alguma conspiração maligna, nos usando como seus peões; os detalhes de seu esquema não estavam claros, mas pelo menos nunca teve a chance de executá-lo. Todos ao nosso redor olharam para mim e Eris com pena em seus olhos. Estavam convencidos de que éramos crianças ingênuas que foram manipuladas por um demônio cruel.
Eu estava com tanta raiva que poderia ter socado alguém. Afinal, exatamente o que Ruijerd havia feito de errado? Foi tudo minha culpa. Nada disso teria acontecido se eu não tivesse sido tão complacente.
Eris e eu voltamos para a Pousada Garra do Lobo, juntamos nossos poucos pertences e partimos para sempre. Precisávamos nos apressar, ou Ruijerd poderia vagar para algum lugar. Não era como se pudéssemos ficar nesta cidade por nós mesmos. Nokopara ainda estava vivo, assim como seus supostos aliados. E o fato era que havíamos quebrado as regras da guilda. Assim que as coisas se acalmassem um pouco, estaríamos mais uma vez enrascados – e sem um Ruijerd em quem confiar.
— Ei, Rudeus…
Quando estávamos saindo da pousada, Kurt se aproximou de nós com uma expressão incerta no rosto. Sério, eu não sabia o que dizer a ele.
— Por que diabos vocês estão viajando com aquele monstro?
— Não o chame de monstro. Você se lembra de quem te salvou naquela floresta, certo? E mesmo assim mijou nas calças quando o viu?
— Bem, uh… isso é verdade, eu acho. Foi mal…
Certo, não adiantaria descontar no Kurt. Naquela hora ele estava tentando nos ajudar.
— Desculpa, Kurt. Isso não foi justo.
— Nah, tá tranquilo. Não é como se você estivesse errado.
Ele realmente era um bom garoto. Mas Eris ainda estava olhando para ele com as mãos cerradas ao lado do corpo.
— Eu tenho um favor a pedir. Quero que você nos pague por salvar sua vida.
— Tudo bem — disse Kurt, sua expressão ficando mais séria. — Do que vocês precisam?
— Ruijerd realmente não é uma pessoa ruim. As pessoas têm medo dele por causa de coisas que aconteceram há muito tempo, mas ele é um cara bom. Quero que espalhe isso pela cidade, mesmo depois de partirmos.
— Uh… certo. Entendi. Acho que posso fazer isso… afinal, devo minha vida a ele… — O garoto não parecia totalmente convencido.
Ah, bem. Ele parecia ser do tipo sério. Talvez realmente manteria sua promessa.
Parei na Guilda dos Aventureiros e removi Jalil e Vizquel do Fim da Linha. Também pedi ao atendente que transmitisse uma breve mensagem para eles: “Desculpe ter chegado a este ponto, mas obrigado por toda a ajuda. Vocês também têm a gratidão dele.”
Aqueles dois nos traíram bem no final, mas dificilmente poderíamos culpá-los por isso. Era a única opção que tinham para se salvar. Deixando de lado como as coisas terminaram, definitivamente nos ajudaram muito.
No caminho para o portão de saída da cidade, parei para comprar um réptil semelhante a um lagarto, treinado para carregar pessoas e bagagens. Era uma criatura grande com seis pernas e olhos charmosamente protuberantes. Neste continente, eram basicamente usados no lugar de carruagens puxadas por cavalos. Esta espécie em particular poderia facilmente acomodar dois cavaleiros adultos ao mesmo tempo. Custou-nos dez moedas de ferro – cerca de metade de todo o nosso dinheiro disponível. Mas decidi há algum tempo que iria comprar um desses quando voltássemos a pegar a estrada. Supostamente, ter um desses tornava tudo muito, muito mais fácil ao navegar pelo Continente Demônio.
Depois de uma breve instrução do comerciante sobre como controlar a coisa, puxei-a com nossas malas e saímos de Rikarisu. Havia um grande número de soldados reunidos ao redor do portão. Talvez estivessem se preparando para tentar perseguir Ruijerd ou algo assim. Seus rostos estavam pálidos, mas suas expressões eram animadas.
Quando parei para dizer olá, nos avisaram para ter cuidado lá fora, já que o Fim da Linha havia fugido da cidade há não muito tempo.
A partir desse ponto, passaram a enfatizar que o Fim da Linha era um demônio sedento por sangue e especularam sobre quais maldades estava cometendo dentro da cidade – não que tivessem visto algo.
Depois de um tempo, eu simplesmente não conseguia mais manter a língua dentro da boca.
— Aquele homem ficou na cidade por quase dois meses e não causou nenhum problema.
Os guardas me encararam como se uma segunda cabeça tivesse brotado em mim. Olhei para eles, estalei minha língua irritado e finalmente saí da cidade. Estava de péssimo humor.
Agora, precisávamos nos encontrar com Ruijerd. Ele ainda estava em algum lugar próximo? Eu tinha que assumir isso. Se seu orgulho como guerreiro ainda estivesse intacto, não havia como nos abandonar… ou ao menos a Eris.
— Acho que isso deve ser longe o suficiente.
Assim que a cidade ficou completamente fora de vista, disparei fogos de artifício mágicos para o céu. Eles estouraram no ar com um estrondo feroz, produzindo um flash de luz e uma onda de calor.
Esperamos um pouco, mas Ruijerd não apareceu.
— Eris, pode tentar chamar por ele também?
Ela gritou o nome de Ruijerd a plenos pulmões. E, aliás, foi muito alto.
Desta vez, algo aconteceu depois de um tempo. Mas era um grupo de Coiotes Pax. Descarreguei minha frustração neles.
Logo, a área rochosa em que estávamos se transformou em um platô perfeitamente plano, e os monstros foram reduzidos a picadinho de carne.
Mesmo neste estado ainda poderiam retornar como zumbis?
Hmph. Não é problema meu. A cidade pode lidar com isso.
— Olha, é o Ruijerd!
Não muito depois do fim da batalha, nosso Superd rebelde finalmente apareceu. Havia uma expressão culpada em seu rosto; isso só fez eu me sentir ainda pior.
— Por que você não apareceu quando te chamamos? Estava planejando fugir para algum lugar sem nos dizer nada?
No entanto, por algum motivo, as primeiras palavras que saíram da minha boca foram acusatórias. Não era isso que eu queria dizer.
— Sinto muito. — Ruijerd começou com um pedido de desculpas. Estranho.
Toda a confusão foi obviamente por minha culpa. Fiquei presunçoso e descuidado. Resolvi me juntar a Jalil e Vizquel porque queria um caminho mais rápido e fácil. Quando Nokopara nos ameaçou, presumi que conseguiríamos escapar daquilo. Mas então fomos colocados contra a parede e Ruijerd teve que limpar minha bagunça para mim. Se ele não tivesse se tornado o bode expiatório, poderíamos ter ficado presos naquela cidade para sempre. Pelo modo como as coisas correram, eu não poderia sequer dizer que foi má sorte. Nokopara era um profissional em chantagem. Teria nos encurralado de alguma forma, mesmo se Kurt não tivesse nos delatado.
— Por que? Sou eu que te devo desculpas. — Me senti como um pedaço de merda.
— Não. Você fez tudo que podia, Rudeus.
— Mas…
— Mesmo os melhores planos de batalha dão errado. Eu sei o quão profundamente você pensou em cada detalhe, em cada passo que demos, dia após dia.
De repente, Ruijerd sorriu e colocou a mão suavemente na minha cabeça.
— Eu não sabia o que você estava pensando, é claro. E admito que, até hoje, suspeitei que seus objetivos fossem imorais. Por esse motivo, houve momentos em que mal conseguia respeitar suas decisões…
Ele fez uma pausa para olhar para Eris, então acenou para si mesmo.
— Mas agora entendo que você estava simplesmente desesperado para proteger algo, custe o que custar. Vi isso em seus olhos agora pouco, quando você estava pronto para matar aquele homem.
Agora pouco…? Ah, quando eu estava prestes a inundar a cidade…
— Você luta para proteger algo, Rudeus. E isso faz de você um guerreiro.
Quando Ruijerd disse essas palavras, realmente tive que me esforçar para não chorar. Eu não merecia esse tipo de elogio. Eu era uma pessoa superficial e de visão curta. Só pensava em ganhar dinheiro e encontrar maneiras de seguir adiante. Estava pronto para abandonar até mesmo o próprio Ruijerd. Quase coloquei de lado o único aliado em quem podíamos contar até o amargo fim.
— Ruijerd, eu… Eu estou…
Eu queria ser honesto com ele. Queria dizer algo – com minhas próprias palavras, claras e simples, sem me esconder atrás de uma polidez superficial. Mesmo se não soubesse exatamente o que era esse “algo”.
— Não diga nada. — Mas ele me cortou antes que eu pudesse continuar. — Deste ponto em diante, coloque seus objetivos à frente dos meus.
— Hã…?
— Não se preocupe. Protegerei vocês dois, mesmo que você não melhore minha reputação. Confie em mim… por favor.
Confiei nele. Claro que confiei.
Isso significava que não precisávamos mais o ajudar.
Fazia sentido. Espalhar a palavra sobre Ruijerd não era uma tarefa fácil, e tentar perseguir dois objetivos ao mesmo tempo tornava difícil realmente se concentrar em qualquer um deles. Podíamos estar exagerando demais. Bem, ao menos nos últimos tempos estive sob muito estresse. Havia esquecido algumas coisas que realmente deveriam ter me ocorrido, e falhei em pensar em uma série de detalhes importantes. Uma situação como essa poderia facilmente levar a desastres como o que acabamos de passar.
E então, não precisávamos mais ajudar Ruijerd.
Mas não pude aceitar isso. Não depois de ver o que acabei de ver. Não depois de assistir todo mundo basicamente o perseguindo para fora da cidade com foices. Não consegui dizer: “Então tudo bem. Espere do lado de fora da próxima vez que chegarmos a uma cidade.”
— Eu não posso fazer isso, Ruijerd. Vou consertar sua reputação, não importa o que aconteça.
Na verdade, sua oferta só fez minha determinação ficar mais forte. Eu devia ao menos isso por tudo que ele fez. Simplesmente teria que fazer um trabalho melhor de agora em diante. Não iria ultrapassar meus limites novamente, mas ainda faria tudo o que pudesse.
— Você não aprendeu sua lição, Rudeus? Sou realmente tão indigno de confiança?
— Eu acredito em você. É por isso que quero te ajudar a alcançar seu objetivo.
De volta ao passado, até eu fui intimidado. As pessoas colocaram uma etiqueta em mim, uma que nunca consegui remover. E sofri por isso. Passei décadas sozinho. Se Roxy não tivesse me arrastado para fora de casa, nunca teria escapado daquele isolamento; poderia nunca ter conhecido Sylphie ou Eris.
Ruijerd era um caso mais complicado, claro, e a escala de seu problema era incomparável à minha. Mas isso não era motivo para desistir dele. Roxy tinha me ajudado sem querer, mas eu não era Roxy. Teria que continuar tentando, continuar errando e rastejando lentamente adiante mesmo na lama.
Da perspectiva de Ruijerd poderia até mesmo ser um enorme aborrecimento. Podia haver mais desastres como este último, quando ele teria que limpar minha bagunça para mim. Mas tudo bem.
Era preferível falhar a sequer tentar.
— Você com certeza é teimoso…
— Olha quem fala, Ruijerd.
— Hah… Então tudo certo. Suponho que devemos fazer o que pudermos.
Com um sorriso irônico, Ruijerd assentiu levemente.
Por alguma razão… naquele momento, senti como se finalmente tivesse ganhado sua confiança para sempre.
Quando acordei na manhã seguinte, ele estava tão careca quanto uma bola de bilhar.
A visão me deixou pasmo. E, para ser honesto, até um pouco assustado. Somando aquela cicatriz em seu rosto, ficou parecido a um yakuza.
— O que aconteceu ontem deixou claro que meu cabelo assusta as pessoas, então me livrei dele.
Isso… deve ter exigido uma verdadeira determinação. No Japão, ficar careca era uma maneira de expressar determinação obstinada ou mostrar remorso por algum erro enorme. As coisas eram diferentes neste mundo, é claro. Mas, mesmo assim… vendo Ruijerd desse jeito, eu meio que senti que deveria seguir seu exemplo.
Afinal, a melhor maneira de se expiar é por meio da ação.
Eu realmente quero cortar meu cabelo e ficar careca? Digo, eu já estraguei tudo, certo? Mas… hmm… Cara, sei lá…
— U-uh, Eris? Você acha que eu também devia fazer isso?
— Não ouse. Gosto do seu cabelo do jeito que está, Rudeus.
É, isso aí. Então, acabei usando Eris para me livrar do anzol.
Siga em frente, ria de mim. Eu mereço isso.
[1] Um tipo de doce gosmento.
mto bom o rudeus refletindo se deveria raspar a cabeça tbm KKKKKKKKK
Sei lá deve ter gemte q n liga ele ser um monstro tioo a velhinha talvez oq falou foi ironia mas né as vzs n. O proprio kurt n ficou com tanto medo(quanto ficaria caso n conhecesse) a miih provavelmente n ficaria com medo