Na manhã seguinte, quando nós três estávamos deixando o vilarejo, avistei Rowin parado perto do portão.
— Bom dia. Está de guarda de novo?
— Sim. Ficarei até que o grupo de caça retorne.
Os outros homens da aldeia ainda não tinham aparecido desde o dia anterior. Rowin ficou ali a noite toda, igual a um NPC de algum RPG? Isso sempre me pareceu algo bem simples… ficar parado no mesmo lugar o dia todo, sem se mover um centímetro sequer. Ainda assim, ele realmente iria ser o único ali até o retorno dos outros?
Ah, acho que aquele ali é o Ancião Rokkus. Com a aldeia sendo tão pequena, ele também deve ajudar caso seja necessário.
— Já estão partindo? — perguntou Rowin.
— Sim. Conseguimos conversar sobre tudo ontem à noite.
— Ah. Eu esperava poder perguntar algumas coisas sobre minha filha, mas…
— Normalmente eu adoraria ficar e conversar, mas infelizmente precisamos pegar a estrada logo.
— Certo…
O homem estava claramente decepcionado. O sentimento era mútuo. Eu adoraria ouvir algumas histórias embaraçosas de Roxy.
— Se eu a vir de novo, vou me certificar de dizer para que entre em contato com você.
— Por favor — disse Rowin, inclinando a cabeça, grato. Eu precisava tomar uma nota mental sobre isso. — Ah, lembrei de uma coisa! Espere só um minuto.
Ele correu para dentro de uma das casas da aldeia – provavelmente aquela em que Roxy cresceu. Depois de vários minutos, apareceu com uma garota que se parecia muito com minha mestra. No começo não entendi por que ele simplesmente não a chamou para o lado de fora usando telepatia, mas então percebi que estavam carregando um tipo de espada. Iriam nos dar um presente?
— Esta é a minha esposa.
— Prazer em conhecê-lo. Meu nome é Rokari.
Ah. Então essa era a mãe da família?
— Eu sou Rudeus Greyrat, senhora. Devo dizer que não esperava que a mãe de Roxy fosse tão jovem. — Me curvei ligeiramente. De certa forma, devia muito a esses dois: eles criaram Roxy e, sem ela, eu provavelmente teria partido para o mundo da forma como nasci.
— Minha nossa, mas que bajulador. Eu tenho cento e dois anos, sabia?
— Uhm, bem… de acordo com meu livro isso ainda é bem jovem. — Pelo visto os Migurds atingiam a maturidade física por volta dos dez anos de idade, e não demonstravam sinais de envelhecimento antes dos cento e cinquenta anos. — Devo muito à Mestra Roxy, senhora.
— Mestra…? Pela deusa, é difícil imaginar aquela garota ensinando qualquer coisa a alguém. Ela deve ter mudado muito…
— Ela me ensinou todo tipo de coisa. Sou muito grato por tudo.
Com isso, Rokari corou um pouco e murmurou:
— Pela deusa… — Parecia que tinha entendido algo errado.
— De qualquer forma — disse Rowin —, estou feliz que você tenha aparecido no meu turno.
— Sim. Também fico feliz por ter conhecido vocês dois. Roxy fez muito por mim, sério… Hmm. Será que eu devo te chamar de Pai?
— Hahaha… Não. Não.
Ouch. O homem nem sequer esboçou um sorriso amarelo. Sua cara de pau me lembrava um pouco a de Roxy. Senti até um pouco de nostalgia.
— Piadas a parte, quero que você fique com isso — disse Rowin, segurando a espada. — Sei que Ruijerd está com você, mas conseguirá dormir melhor se tiver sua própria arma.
— Para falar a verdade, não estou exatamente desarmado — falei, aceitando a espada e puxando-a da bainha.
A lâmina era larga, de um só gume e apenas cerca de sessenta centímetros de comprimento. Também era ligeiramente curva, como um facão ou cutelo. Algumas marcas de uso sugeriam que já era utilizada há alguns anos, mas a lâmina de corte não estava nada lascada. Com certeza parecia que cuidaram bem dessa coisa; estava limpa, até mesmo bonita. Mas também havia algo estranhamente ameaçador nisso. Talvez fosse a maneira como o aço cinza fosco brilhava ligeiramente verde quando exposto à luz.
— Conseguimos isso de um ferreiro que veio para a aldeia há algum tempo. É um negócio robusto. Mesmo após anos de uso, a lâmina continua perfeita. É sua, caso queira.
— Muito obrigado — falei. — Teremos o maior prazer em aceitá-la. — Não era hora para ser modesto. Agora, precisávamos de toda a ajuda que pudéssemos conseguir. Eu poderia lutar de boa mesmo sem nada, mas Eris certamente poderia usar a arma.
— Aqui também tem um pouco de dinheiro. Não é muito, mas deve ser ao menos o bastante para duas ou três noites em uma pousada decente.
Ooh, agora conseguimos até um pouco de dinheiro!
Abri a bolsa, entusiasmado, e descobri que continha algumas moedas de pedra bruta e outras feitas com um metal cinza fosco. Pelo que eu lembrava, a moeda do Continente Demônio consistia em moedas de minério verde, moedas de ferro, moedas de sucata e moedas de pedra. Seu valor era inferior ao de moedas equivalentes em outras partes do mundo; até mesmo as moedas de minério verde, que eram as mais valiosas, valiam apenas um cobre grande Asurano, ou talvez até menos. As moedas de ferro também eram bem próximas aos cobres.
Se disséssemos que uma moeda de pedra era equivalente a um iene japonês, as moedas provavelmente seriam classificadas mais ou menos assim:
Moeda de ouro Asurano: 100.000 ienes.
Moeda de prata Asurana: 10.000 ienes.
Cobre grande Asurano: 1.000 ienes.
Cobre Asurano: 100 ienes.
Moeda de minério verde: 1.000 ienes.
Moeda de ferro: 100 ienes.
Moeda de sucata: 10 ienes.
Moeda de pedra: 1 iene.
À primeira vista, esses números deveriam deixar claro o quão poderoso e próspero era o Reino Asura, especialmente em comparação com a pobreza do Continente Demônio.
Claro, o Continente Demônio tinha sua economia própria, então os preços nem sempre podiam ser comparados. Não era como se todos do lugar estivessem morrendo de fome.
— Muito obrigado…
— Eu só queria poder ter conversado um pouco mais sobre Roxy — murmurou Rokari, repetindo as palavras anteriores de Rowin.
Eles certamente pareciam preocupados com a filha. Mesmo a garota já tendo quarenta e quatro anos, se fosse comparado com a idade humana, era basicamente… o mesmo que ter só uns vinte. Era bem compreensível.
— Acho que podemos ficar por mais um dia, caso queiram…
Rowin balançou a cabeça.
— Não se preocupe. Agora sabemos que ela está bem, e é isso que importa. Certo, querida?
— Sim. Ela infelizmente sempre passou por dificuldades quando estava aqui. Estávamos bastante preocupados.
Eu podia entender como seria difícil viver em um vilarejo como este sem aquele poder telepático que todos pareciam ter. No geral, não se escutava nenhum som de conversas no local. Todos provavelmente se comunicavam silenciosamente usando apenas as mentes. Roxy não podia participar dessas conversas, nem mesmo ouvir o que diziam uns aos outros. Não era de se admirar que tenha fugido de casa.
— Certo, tudo bem então. Espero que voltemos a nos encontrar algum dia.
— Claro. Mas se isso acontecer, tente não me chamar de Pai, entendeu?
— Hahaha. C-claro.
Cara, já entendi o recado…
Era difícil saber quando ou se veria Roxy novamente, mas, ao menos, teria que devolver o dinheiro em algum dia.
Evidentemente, a cidade mais próxima ficava a uma jornada de três dias de caminhada.
Pouco após partirmos, ficou claro o quão crucial era a ajuda de Ruijerd. O homem já viajava sozinho pela área há muitos anos; conhecia todas as estradas e sabia exatamente como montar um bom acampamento. Sem mencionar seu “radar” biológico, que nos alertava antecipadamente sobre qualquer ameaça circundante.
Era ridiculamente conveniente tê-lo por perto.
— Ruijerd, se importaria de nos ensinar as coisas que está fazendo?
— Por quê?
— Para que possamos ser úteis. — Dada a longa jornada adiante, Eris e eu precisávamos de um intensivo curso de habilidades básicas de acampamento.
Felizmente, Ruijerd provou-se um professor bastante disposto.
— Vamos começar fazendo uma fogueira. Infelizmente, o Continente Demônio não tem madeira adequada para tal propósito.
Hm. Nosso primeiro encontro foi em torno de uma fogueira, então obviamente deveria ser possível, mas…
— Você usa outra coisa? — perguntei.
— Sim. Podemos queimar algumas partes de um certo monstro.
— Ah. — Sério, esse devia ter sido meu primeiro palpite. Aqui, quase tudo que precisava para sobreviver parecia ser proveniente da caça de monstros.
— Felizmente, há um bem perto daqui. Espere um momento, garoto.
— Ruijerd, espera! — O homem já estava se virando, mas consegui agarrar seu ombro antes que ele começasse a correr.
— O que foi?
— Você vai lutar sozinho?
— Claro. Caçar é o trabalho de guerreiros. Crianças devem ficar em áreas seguras.
Certo. Então, pelo visto, ele planejava continuar fazendo as coisas do mesmo jeito para sempre. Para ser justo, o homem estava vivo há mais de quinhentos anos… não tínhamos idade nem para ser seus tataranetos. E ele provavelmente era mais do que forte o suficiente para lidar com qualquer luta sozinho.
Ainda assim, sempre havia uma boa chance de que algo de errado pudesse acontecer. Se Ruijerd morresse ou de alguma forma ficasse incapaz de lutar, Eris e eu seríamos forçados a nos defendermos sozinhos. E, no momento, não tínhamos experiência de combate no mundo real. O que aconteceria se o perdêssemos enquanto nosso grupo estivesse viajando por uma floresta densa e perigosa… ou no meio de uma batalha contra um poderoso grupo de monstros?
Eu não gostava das chances que teríamos de sobreviver em situações parecidas. Precisávamos obter alguma experiência o quanto antes, enquanto ainda tínhamos chances.
Seria bom se eu pudesse convencer Ruijerd a nos ensinar a lutar, mas…
Não. Essa não era a melhor forma de pensar nisso. Este era um relacionamento de mútuo benefício. éramos parceiros em pé de igualdade, trabalhando juntos para alcançar nossos objetivos. Todos os três precisávamos descobrir como lutar como um grupo.
— Certo, mas nós não somos só crianças.
— Sim, vocês são.
— Uh… Ruijerd, olha aqui. — Eu tinha que ser claro e direto a respeito disso. O homem ainda tinha a impressão de que seria nosso guardião; precisava entender que não era esse o caso. — Estamos ajudando você e você está nos ajudando. Nossos objetivos são diferentes, mas vamos lutar juntos… Então, nós três somos guerreiros, certo?
Com a expressão mais severa que pude fazer, encarei Ruijerd diretamente e esperei por uma resposta.
Demorou só uns dez a quinze segundos para ele tomar uma decisão.
— Certo… Então vocês são guerreiros.
Não posso dizer que o homem parecesse exatamente convencido, mas pelo menos parecia que iria permitir que o acompanhássemos de agora em diante. Isso era o mais importante.
— Eris, ouviu isso? Você também vai lutar, né?
Eris piscou, surpresa, mas conseguiu soltar alguns gaguejos:
— C-claro! — E balançou a cabeça vigorosamente. Boa garota.
— Tudo certo então, Ruijerd — falei, voltando ao meu comportamento usual. — Você pode nos levar ao monstro, por favor? — Não adiantava mais agir com agressividade. Precisava ser enérgico ao negociar, e isso era tudo.
O primeiro inimigo que enfrentamos como um grupo foi um monstro conhecido como “Ente de Pedra”.
Ente, no geral, era um termo usado para monstros parecidos com árvores. Eram plantas comuns que absorveram muita energia mágica e se transformaram em criaturas violentas.
Havia uma considerável variedade de monstros específicos que se enquadravam nesta ampla categoria. Primeiro, havia o Ente Menor, encontrado por todo o mundo. Eles eram como mudas mutantes que tendiam a imitar árvores comuns até que o alvo entrasse em seu alcance. Eram fracos e lentos o bastante para que um adulto comum, sem treinamento real, pudesse fatiá-los sem muita dificuldade.
Entretanto, se acontecesse de um Ente Menor absorver muitos nutrientes de uma Fonte Feérica, localizada em vários lugares da Grande Floresta, eventualmente amadureceria e se tornaria um Ente Ancião. O poder mágico altamente concentrado das Fontes concedia a esses monstros a capacidade de usar vários feitiços de água.
Havia também os Entes Antigos, que já eram enormes mesmo antes de sofrerem mutação, e os Entes Zumbi, árvores que se transformavam depois de murcharem… entre muitos outros. É claro que havia diferenças distintas entre cada uma das variedades, mas seus padrões básicos de comportamento eram bem semelhantes. Fingiam ser árvores normais e atacariam qualquer um que se aproximasse demais. Após algum tempo, produziam sementes que se desenvolveriam e aumentariam sua espécie.
Entretanto, o Ente de Pedra era um caso especial. Na verdade, ele se disfarçava como uma rocha.
Qualquer um poderia acabar se perguntando como uma árvore poderia se disfarçar assim. Na verdade a resposta era simples: Entes de Pedra se transformavam em monstros enquanto ainda eram sementes. Podiam continuar em sua forma de semente mesmo após crescerem, e eram capazes de abruptamente se transformarem em árvores monstruosas sempre que alguém se aproximasse demais.
Em sua forma normal, eram completamente imperceptíveis. Não tinham nem um formato distinto, tipo uma semente de girassol – à primeira vista, pareciam apenas pedrinhas, com um formato ligeiramente parecido com uma batata.
— Há algo que precisamos ter em mente enquanto estivermos lutando contra isso?
— Hm. Você é um mago, sim?
— Isso mesmo.
— Então não use nenhum feitiço de fogo.
— Ah. Não funcionam?
— Não poderemos usar a coisa como lenha se você a queimar até que vire cinzas.
— Ah, certo. Claro.
— E nada de magia de água.
— Porque não queremos que a madeira fique úmida?
— Exato.
Então, tudo bem. No que dizia respeito a Ruijerd, essa coisa seria claramente algo inferior a uma ameaça, algo mais parecido com um pedaço de madeira vivo. Isso significava que não representaria qualquer perigo real, desde que estivéssemos com ele. Poderíamos lutar sem correr um risco real.
— Tudo certo então. Vamos tentar deixar a luta comigo e com Eris. Ruijerd, você só precisa intervir para ajudar Eris caso ela esteja em perigo, certo?
— Pretende me manter na reserva?
— Só quero ver o quão bem Eris e eu podemos nos controlar em batalhas reais. Depois dessa, vamos observar você em ação e ver o que podemos aprender.
— Certo.
Com isso decidido, nos coloquei em uma formação de batalha simples – Eris na vanguarda, e eu na retaguarda. Parecia a melhor escolha, dadas suas habilidades de luta com espada.
Eu estava um pouco hesitante em colocar minha adorável pupila na linha de frente, claro, mas ela não seria muito útil se ficasse retida no meio de uma formação. Esse tipo de posicionamento era para apoiar o ataque da vanguarda, e Eris era terrível em trabalho em equipe. Além disso, Ruijerd provavelmente não precisaria se esforçar, mesmo sendo da reserva. Seria melhor deixar Eris lutar livremente, com ele logo atrás para apoiá-la.
— Certo, Eris. Vou ajudar um pouco com um bom tiro à distância. Depois disso, você aparece e acaba com tudo. Vou tentar pelo menos entoar os feitiços que usarei, mas se as coisas ficarem agitadas, vou ficar sem tempo. Basta que mantenha isso em mente, entendeu?
Eris concordou energicamente, dando alguns golpes experimentais com sua nova espada.
— Sem problemas! — A garota estava claramente ansiosa para prosseguir.
Ergui meu cajado e parei para pensar nessas coisas. Feitiços de fogo e de água foram descartados, e só de olhar para a coisa, parecia que os de vento nãos seriam muito eficazes. Isso me deixou apenas com os de terra. Terra me serviria. Eu tinha ficado muito bom com isso depois de fazer tantas estatuetas.
Ainda assim, seria a primeira vez lutando contra um monstro de verdade.
Era melhor dar tudo de mim.
Fechei os olhos e respirei fundo uma única vez, então canalizei minha energia mágica para e através das mãos. Era algo que já havia feito dezenas de milhares de vezes; neste ponto, poderia ter lançado o feitiço mesmo com as duas pernas arrancadas.
— Tudo certo…
Projétil: Rocha em forma de bala.
Resistência: A maior possível.
Forma: Arrebitada, com várias ranhuras.
Modificações: Rotação de alta velocidade.
Tamanho: Ligeiramente maior que um punho.
Velocidade: A maior possível.
— Canhão de Pedra!
Quando as palavras saíram da minha boca, uma pedra disparou da ponta do meu cajado fazendo um enorme estrondo. Ela voou adiante em uma linha horizontal e quase perfeita, e se chocou contra o Ente de Pedra camuflado que estava à nossa espera.
Com um som ensurdecedor, o monstro explodiu em pedaços. Eu o matei, ficou mortinho da silva.
Eris já estava começando a correr, mas depois que meu ataque acertou, ela parou no meio do caminho e olhou para a minha direção, emburrada.
— O que aconteceu com aquilo de só ajudar um pouco, Rudeus?! Devo cortar os destroços?!
— F-foi mal. Eu também nunca tinha feito isso, sabe? Acho que acabei usando muita força…
— Ugh! Preste atenção!
Eris não ficou lá muito satisfeita por eu ter arruinado sua primeira batalha real, mas eu realmente não esperava matar a pobre criatura tão facilmente. Tudo o que realmente planejei foi ajustar o feitiço Canhão de Pedra, tornando o projétil um pouco semelhante a uma bala de ponta oca. As pessoas da Terra certamente tinham algumas ideias desagradáveis…
Nesse momento, percebi que Ruijerd também estava me encarando. Ou o meu cajado, para ser mais específico.
— Essa arma é algum tipo de instrumento mágico?
— Não, é só um cajado. Mas é um de alta qualidade.
— Mas você não recitou nenhum feitiço e nem usou um círculo mágico…
— Certo. Não é possível mudar a forma do projétil se você usar um encantamento, então eu sempre pulo essa parte.
—Entendi… — Nesse momento, Ruijerd caiu em silêncio, pensativo. O homem podia até ter mais de quinhentos anos de idade, mas parecia que feitiços silenciosos não eram algo que vira muitas vezes. — De qualquer forma… foi a sua magia mais poderosa?
— Bem, não. Eu também podia fazer o projétil explodir quando atingisse o alvo.
— Hmm. Acho que seria melhor evitar qualquer feitiço quando seus aliados estiverem perto do alvo, Rudeus.
— Uh, sim. Boa ideia.
Foi a primeira vez que realmente acertei alguma coisa com aquele feitiço, mas foi definitivamente… mais destrutivo do que imaginei. Acertar alguém com aquilo resultaria em morte instantânea. Idealmente, seria melhor mudar para feitiços de suporte, mas não me veio nada à mente. Até o momento, realmente só tinha pensado em lutar sozinho.
De qualquer forma, como os outros magos faziam quando estavam em combate?
— Ruijerd, se eu quiser ajudar vocês dois com minha magia, que tipo de coisa deveria estar fazendo?
— Não sei. Nunca lutei ao lado de um feiticeiro.
Bem, que seja. Tínhamos um experiente guerreiro Superd ao nosso lado. Não precisaríamos imitar os modos que grupos normais adotavam para fazer as coisas. Poderia pensar em nossa coordenação depois; por enquanto, o mais importante era que Eris e eu tivéssemos alguma experiência real em combate.
— Certo… eu odeio pedir isso, mas poderia encontrar outro inimigo?
— Tudo bem. Mas há algo que precisamos fazer primeiro.
— Hein? O quê? — Talvez essa fosse a parte em que fazíamos uma pequena oração pela criatura que matamos?
— Temos que recolher a madeira. Você a espalhou por todos os cantos.
Usando magia de vento, comecei a recolher os pedaços destruídos do Ente.
Nosso grupo continuou se movendo até o pôr do sol, travando um total de quatro batalhas. Enfrentamos outro Ente de Pedra, uma Grande Tartaruga, um Lobo Ácido e um grupo de Coiotes Pax.
Ruijerd acabou com a Grande Tartaruga em um único ataque. Ele simplesmente correu até a coisa e espetou seu tridente no crânio dela. Seus movimentos eram lindamente fluidos e eficientes. O homem já estava no ramo de caça a monstros por quinhentos anos, e isso realmente transpareceu. Me senti meio estúpido por ter ficado presunçoso demais após explodir o Ente de Pedra.
Os Lobos Ácidos eram grandes animais que podiam cuspir um tipo de ácido cáustico. Encontramos apenas um, então Eris o derrubou, avançando bruscamente para fazer sua cabeça voar em um único golpe. Comparado com Ruijerd, não foi algo exatamente elegante, mas ainda assim resultou em vitória instantânea.
Infelizmente, o sangue do animal espirrou nela, então não houve qualquer comemoração. Fiquei preocupado que o sangue pudesse ser perigoso, mas pelo visto não era o caso. Eris se saiu bem o suficiente, visto que foi sua primeira batalha real. Ao menos foi o que Ruijerd disse.
Dessa forma, cuidei do segundo Ente de Pedra com um único disparo, de novo. Esperava causar um dano moderado para que Eris pudesse praticar, mas acabou sendo surpreendentemente difícil fazer meu feitiço ser menos letal. Até pegar o jeito para diminuir o poder, teria que evitar usá-lo em pessoas. Mesmo se precisasse matar alguém, não havia necessidade de tornar isso em algo horrível.
Os Coiotes Pax constituíram nosso último encontro do dia, e também o mais desafiador. Eram monstros que costumavam aparecer em dezenas. Eles não eram exatamente uma “matilha” – um único coiote já formava seu próprio grupo, e então se reproduzia por divisão, quase como se fosse uma ameba. Felizmente, não era como se aparecessem mais a cada segundo enquanto batalhávamos. Eles só podiam se reproduzir uma vez a cada poucos meses. Mesmo assim, qualquer grupo aumentaria de tamanho constantemente conforme o tempo passasse, com todos os novos coiotes sob o total controle do líder. Se o líder sucumbisse em batalha, um coiote diferente assumiria sua posição na mesma hora. A força principal estava em sua vantagem numérica, mas sua coordenação e disciplinas harmoniosos os tornavam realmente perigosos.
O grupo com o qual lutamos era composto por cerca de vinte. Provavelmente poderiam ter matado qualquer aventureiro comum, mas Eris os enfrentou com alegria, brandindo sua nova espada para lá e para cá enquanto Ruijerd oferecia conselhos infinitos. A menina colocou sua vida em risco na batalha, mas não parecia exatamente tensa. Toda aquela prática com Ghislaine havia claramente a imbuído um pouco de confiança, e parecia que o ato de matar não a incomodava muito.
Da minha parte, só fiquei para trás e observei enquanto Eris abatia um coiote atrás do outro. Eu estava planejando intervir e ajudar caso fosse necessário, mas Ruijerd estava desempenhando seu papel de ajudante de forma tão perfeita que poderia ser até contraproducente. Ainda assim, não fazer nada era muito chato e comecei a me sentir meio excluído depois de um tempo. Encontrar um modo de lutarmos em grupo deveria ser, definitivamente, a minha prioridade.
De qualquer forma… Eris realmente se provou uma lutadora notável. Ela alcançou o nível Avançado do Estilo Deus da Espada1 pouco antes de meu aniversário, certo? Neste ponto, eu provavelmente não teria nenhuma chance em uma luta, a menos que usasse magia. Caramba, até o Paul era só um espadachim de nível Avançado… mas ele também tinha alcançado esse feito tanto no Estilo Deus do Norte quanto Deus da Água, e possuía muito mais experiência em combates reais. Ainda assim, Ghislaine disse que Eris tinha muito mais talento bruto do que Paul jamais teve. Ela provavelmente o deixaria comendo poeira em pouco tempo.
Engula isso, velhote.
— Rudeus! Aqui!
Em algum momento, acabaram com o último dos monstros; Ruijerd estava pegando suas facas enquanto eu me aproximei.
— As peles dos Coiotes Pax são valiosas. Tivemos sorte por encontrar um grupo tão grande. Ajudem-me a esfolá-los.
Mas eu tinha outra coisa que queria fazer primeiro.
— Espera aí.
Caminhando até Eris, vi que ela estava ofegante… e ferida em três lugares diferentes. Menos de trinta minutos se passaram desde o início da batalha, mas com Ruijerd se dedicando ao seu papel de reserva, cabia à garota matar a grande maioria dos monstros. É claro que ficaria exausta.
Ao menos não iria doer se já cuidasse de seus ferimentos…
— Que esse poder divino seja de nutrição satisfatória, dando a quem perdeu suas forças a força para se reerguer – Cura.
— Obrigada.
— Eris, está bem?
— Hah! É claro! Eu mal quebrei um… ugh.
Aquele sorriso presunçoso parecia um pouco horrível com o sangue de monstro por todo o seu rosto, então limpei um pouco com a minha manga. A experiência não a abalou em nada. Isso foi… muito impressionante. Pessoalmente, eu estava prestes a vomitar só com o cheiro.
— Hmm. Nem suou, hein? Essa foi sua primeira batalha de verdade, sabe.
— E daí? Eu sei lutar. Ghislaine me ensinou tudo.
Certo, certo. Pratique como brinca e brinque como pratica. Eris sempre absorveu cada uma das lições de Ghislaine. Talvez não fosse tão surpreendente se ela pudesse aplicar tudo o que aprendeu em batalhas reais.
Digo, se alguém se concentrasse a lutar conforme aprendeu, que diferença faria se os inimigos começassem a sangrar?
— Meu deus… — Com um sorriso amarelo, me virei para Ruijerd, que estava nos observando o tempo todo.
— Por que você fez com que Eris cuidasse de todas as batalhas, Rudeus?
— Eu nem sempre estarei por perto para a proteger. Quero ter certeza de que poderá se defender sozinha caso as coisas fiquem feias.
— Ah, entendo.
— Assim sendo… o que achou dela até agora?
Ruijerd balançou a cabeça, pensativo, antes de falar.
— Em caso de se empenhar, um dia será uma mestra espadachim.
— Sério?! Certo! — Eris literalmente deu um pulo, seu rosto estava brilhando de alegria.
Devia ser muito bom ouvir algo assim de um guerreiro lendário. Eu também não me importei por ouvir isso; se Ruijerd reconhecesse os talentos de Eris como guerreira, teríamos uma chance muito maior de encontrar um modo de trabalhar como um grupo.
— Certo, Ruijerd. De agora em diante, vamos ter Eris lutando na linha de frente enquanto eu fico na retaguarda.
— E o que eu deveria fazer?
— Você não tem uma posição definida, então pode se mover para cobrir nossos pontos cegos. Ah, e se qualquer um de nós se enfiar em perigo, assuma o controle e nos diga o que fazer.
— Entendido.
No momento, já tínhamos planejado uma formação de combate básica. Esperançosamente, isso permitiria que eu e Eris conseguíssemos um pouco mais de experiência em combate nos próximos dias.
Depois, veio a prática em acampar.
Para o jantar, comemos carne de Grande Tartaruga. Havia muito para se comer de uma só vez, então começamos colocando a maior parte para secar para depois – sob a direção de Ruijerd, claro.
Para ser franco, o material era um tanto nojento. Seu cheiro era insuportável e era dolorosamente difícil de manusear. Pelo visto, o normal seria primeiro amolecer cozinhando por várias horas, mas Ruijerd optou pelo caminho mais rápido e fácil: assar em uma fogueira.
Pelo menos o fogo, por si só, não foi muito difícil de acender. Os Entes de Pedra evidentemente secaram muito rápido depois de morrerem, então não precisamos deixar a madeira ao sol ou algo do tipo. Não era de se admirar que Ruijerd visse essas coisas apenas como pedaços de pau.
— Guh…
Mas é sério, que carne nojenta. Quem disse que isso era “delicioso”?
Espera, foi você mesmo, Ruijerd. Você está se esbaldando com isso! Digo… se encobrisse o cheiro com gengibre, será que ficaria comestível? Será? Cara, eu quero carne de verdade. E arroz…
Uma frase memorável de um certo mangá passou pela minha mente: “Carne grelhada é deliciosa. E fica deliciosa graças à crocância.” Quanta mentira. Carne que não é saborosa não fica deliciosa de jeito nenhum.
Em contraste, comi muito bem no Reino Asura. O pão podia até ser algo bem básico lá, mas geralmente era acompanhado por carne, peixe, vegetais e algum tipo de sobremesa, com toda a variedade esperada de um restaurante três estrelas. E passei a maior parte do meu tempo lá no meio do nada; uma princesinha mimada igual a Eris iria suportar isso?
Quando olhei, entretanto, me deparei com ela mastigando, satisfeita, o seu próprio pedaço de carne.
— Ei, isso não é nada ruim.
Espera aí, sério?!
Bem… talvez até fizesse sentido. Quando você só dá coisas saudáveis para uma criança, na primeira vez que ela prova porcaria fica apaixonada, não é?
— O quê? — Eris percebeu que eu estava olhando para ela.
— Uh, não é nada. Você gostou disso?
— Sim! Eu sempre… mngh… quis provar algo assim!
Eu sabia que ela amava ouvir as histórias da vida de aventureira de Ghislaine. Será que isso se resumiu a fantasias sobre comer carne dura e nojenta perto de uma fogueira? Era uma fantasia meio estranha, mas, tudo bem.
— Dá para comer até crua, sabe… — comentou Ruijerd.
Os olhos de Eris brilharam de curiosidade e um pequeno calafrio correu pela minha espinha. Felizmente, consegui falar antes que ela abrisse a boca:
— Não. A resposta é não. Nem pense nisso.
Fala sério. Eles queriam ficar com vermes? Porque é assim que se consegue eles.
Ruijerd estava dando uma aula sobre cuidados básicos de armas para Eris antes de nos deitarmos para dormir. Por falta de coisa melhor para fazer, também escutei.
A lança dele não era feita de metal e a espada de Eris foi forjada a partir de materiais especiais, por um método bem específico. Pelo visto, nenhum dos dois precisava se preocupar com ferrugem comum. Mas isso não significa que poderiam deixar a manutenção diária de lado. Deixar sangue seco em uma espada ou lança iria gradualmente deixá-las cegas e começar a atrair monstros. Da perspectiva do Superd, o cuidado da arma era de responsabilidade fundamental do guerreiro.
— Pensando bem, do que a sua lança é feita? — perguntei, repentinamente curioso. A julgar pelo que ele carregava, os tridentes Superd eram totalmente brancos, sem quaisquer ornamentos e curtos demais para serem lanças. Pelo visto, eram feitos de uma única substância; não consegui ver nenhuma junção entre o cabo e a cabeça.
— É feito de mim.
— Hein…?
— A lança de um Superd é feita da sua alma.
Droga. Eu não esperava uma resposta tão… filosófica.
Tá, claro. Certo. Então sua lança é, hã, sua alma. E sua alma é seu estilo de vida, né? Seu estilo de vida é tudo o que existe em seu coração… e seu coração é exatamente o que você ama. Então, resumindo, você ama sua lança mais do que tudo… é algo do tipo?
Felizmente, Ruijerd elaborou um pouco mais a sua resposta antes que eu pudesse acabar confuso.
— Cada um de nós nasce com sua própria lança, entende?
Os Superds nasciam com uma cauda de três pontas. Isso crescia com eles até que atingissem uma certa idade, momento em que endureciam e caiam. Entretanto, mesmo quando separados, ela ainda fazia parte de seus corpos; quanto mais a usavam, mais afiada e mortal ficava. Com tempo e esforço suficiente, os tridentes poderiam virar armas ímpares, virtualmente inquebráveis e capazes de perfurar praticamente qualquer coisa.
— E é por isso que não devemos deixar nossas lanças de lado até o dia de nossas mortes… — O rosto de Ruijerd estava repleto de puro pesar pelo erro que ele cometeu há quatro séculos.
Nesse ponto, sua lança provavelmente já era mais dura e afiada do que a de qualquer outro Superd da história. Eu estava definitivamente feliz por tê-lo ao nosso lado.
Ainda assim, sua visão de mundo… às vezes me preocupava. O homem estava tão rígido quanto sua arma. Se não conseguisse ser um pouco maleável de vez em quando, nunca aprenderia a aceitar as outras pessoas como são. E isso significava que também nunca o aceitariam. Existe um negócio chamado ser muito inflexível, sabe?
De qualquer forma… depois de três dias lutando contra monstros e acampando sob as estrelas, nosso pequeno grupo conseguiu chegar à cidade mais próxima.
[1] Aqui há um erro de tradução na Light Novel gringa, que menciona que ela alcançou o nível Avançado no Estilo Deus da Água.
Esse papo de magia é feitiços só uma coisa é certa, quanto maior sua criatividade pra combinar e usar mais flexível você vai ser, uma das principais vantagens de um mago, flexibilidade contra vários tipos de inimigos
Pai? Não seria sogro?
Irado também esse rolê da cauda
Me impressiona o rudeus n pensar em usar a magia literalmente como suporte para a existência deixando o corpo mais leve com magia de vento Oi algo assim q e muito comum em jogos RPG.
E tbm imbui a espada com magia de vento transformaria o rudeus em um guerreiro lendário caso ele começasse a pensar nesses 2 pontos. Óbvio a de suportar poderia ser nele próprio.
Acho q n tem como ele fazer isso, tipo, se ele lançasse a magia de vento pra deixar a Eris mais rapida, como a magia ia seguir ela? Se ela quisesse ir na direção contrária ao vento só ia atrapalhar em vez de ajudar.
Ele consegue fazer isso nele próprio pq ele sabe como ele mesmo vai agir.