Era meio-dia de um dia normal e Zanoba, Julie e eu estávamos comendo fora do refeitório. Chamamos um pouco de atenção ao nos sentarmos lá, em nossas cadeiras um pouco desconfortáveis feitas com magia de terra, mas comer do lado de fora, ao sol, se tornara uma espécie de tendência nos últimos tempos. Outras pessoas começaram a seguir o nosso exemplo e a fazer o mesmo, principalmente dentre aqueles que comiam no primeiro andar do refeitório. A pequena multidão também tendia a ser um pouco mal-educada, ignorando o uso de talheres e comendo com a boca ou com as mãos. Não era como se Zanoba ou eu nos importássemos, mas Julie poderia começar a imitar isso caso continuasse vendo tal comportamento…
Assim como eu pensava – a peguei tentando comer um pedaço de bacon enquanto o pegava com a mão.
— Ei, lembre de usar o seu garfo — falei.
Quando eu disse isso, todo o seu corpo tremeu e ela deixou o bacon cair em seu prato.
Zanoba deu de ombros.
— Mestre, isso não é tão ruim assim. Não devia simplesmente deixá-la comer?
— Mas usar as mãos para comer é falta de educação.
— Hm… mas, às vezes, comemos com as mãos em Shirone.
Voltei a olhar para Julie e percebi que ela estava evitando as cenouras e empurrando-as para o canto do prato. Ao contrário das cenouras da minha vida anterior, estas eram bastante difíceis de comer, com um cheiro de vegetal forte e sabor amargo. Mesmo assim…
— E também lembre de comer as cenouras — falei para ela.
— Mestre, são apenas cenouras, não sei qual é o problema.
— Bem, eu sei.
Zanoba franziu a testa e ficou carrancudo, mordendo os lábios.
— Você está dizendo isso porque ela é uma escrava? Não foi você, Mestre, quem decidiu que não devemos tratá-la como uma escrava?
— Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Isso… como devo explicar? Se abrirmos mãos sempre que houver algo que ela não queira fazer, Julie não se esforçará quando se tratar de situações nas quais terá que fazer algo que não queira.
— Hm? Mas tenho dinheiro suficiente para que nunca precisemos nos preocupar com não ter o que comer. Eu até poderia entender se fôssemos muito pobres, mas não é o caso, é?
Olhei para Julie, que estava olhando para as cenouras igual uma estudante do jardim de infância que ficou de castigo na frente do prato. Sua expressão parecia dizer que ela estava sendo punida sem qualquer razão.
Bem, eu talvez estivesse mesmo sendo muito duro. Quando era aventureiro, conheci muitas pessoas que comiam com as mãos. Isso até mesmo fazia parte da cultura de algumas tribos do Continente Demônio. Murchei um pouco ao lembrar disso. Talvez eu só estivesse preso aos costumes da minha vida anterior e usando isso para justificar os atos como coisas irracionais. E no meu antigo mundo também existiam culturas nas quais comiam com as mãos. Alimentos como caranguejo, batata frita, cachorro-quente e outras coisas… Talvez eu estivesse pensando demais no assunto.
— Se você insistir que ela deve aprender isso, então também vou ensiná-la, mas considerando o quanto isso é irrelevante para a criação de estatuetas, prefiro que não o façamos.
Eu ainda sentia que isso deveria seguir como um bom exemplo, mas, mais uma vez, as pessoas não se importavam com os modos de comer dos artesãos. Como empregada de Zanoba, ela estaria fazendo negócios com a família real, mas se seu empregador dissesse que ela não precisava disso, quem ousaria dizer o contrário?
— Qual é o problema? — Elinalise apareceu entre nós. A julgar pela mancha de molho em sua bochecha, acabara de almoçar.
— Estávamos discutindo as maneiras de Julie à mesa. Por exemplo: não é bom comer com as mãos e não é bom ser exigente com a comida.
— Ah-ha.
— O que você acha, Senhorita Elinalise?
— Hm, deixe-me pensar. — Ela levou um momento para considerar a pergunta, então sorriu como se tivesse pensado em algo malicioso. — Ei, Julie, observe com atenção. Se você vai comer com as mãos, então faça assim.
Ela pegou uma fatia grande de bacon no meu prato. Então a ergueu, apertou entre os dois dedos e começou a enfiá-lo na boca. A maneira como ergueu o queixo enfatizou a pele branca e pálida de seu pescoço e clavícula. A maneira como ela mostrou a língua vermelha aproximando-se do bacon rosado foi fascinante, fazendo querer lamber o molho que estava em sua bochecha.
— Isso é falta de educação! — Por reflexo, bati na nuca de Elinalise.
— Ah!
O impacto fez que ela largasse o bacon. A comida se arqueou no ar, entortando enquanto se dirigia ao chão – mas uma sombra passou e o agarrou pouco antes de cair.
— Ufa, essa foi por pouco.
Era Pursena. Impressionantemente, ela pegou o bacon com a boca e começou a engoli-lo. A garota se aproximou de nós quando já estava tudo acabado. Linia também estava com ela, com uma expressão de espanto no rosto.
— Você pode ser nosso chefe, mas isso não significa que pode desperdiçar carne assim. Se vai jogar fora porque está cheio, então, em vez disso, dê para mim. — Pursena estava com uma cara zangada, mas o bacon devia estar delicioso, já que sua cauda balançava igual a hélice de um helicóptero.
Linia manteve Pursena de lado enquanto nos observava com bastante interesse.
— Vocês estão brigando? É raro isso acontecer, mew, Zanoba desafiando o Chefe.
— Não estou o desafiando — disse Zanoba. — Só estamos tendo uma divergência de opiniões.
— Não sei quanto a isso, mew, tem certeza? Se você o irritar, ele não pode parar de fazer estatuetas para você, mew?
— Hmph, o Mestre não é tão mesquinho a ponto de ficar chateado com algo tão trivial. — Depois ele olhou para mim, como se perguntasse: Você não é, certo?
Claro que não. Eu não estava nem chateado, só um pouco desanimado.
— Ah é, há algo que eu gostaria de perguntar a vocês duas.
— Mew?
— Sobre boas-maneiras. — Perguntei o que achavam sobre comer com as mãos e ser exigente com a comida.
— Boas-maneiras são importantes. — Pursena deu um passo à frente sem qualquer hesitação, como se dissesse: Deixe qualquer discussão sobre comida comigo. — Usar as mãos para comer durante as refeições é algo inaceitável.
Ela revelava um sorriso de satisfação no rosto ao dizer isso… segurando um pedaço de carne seca que estava mastigando avidamente. A garota não poderia ter sido menos convincente mesmo se tentasse.
— Ignorando a Pursena, boas-maneiras são importantes para uma dama, mew — disse Linia. — E sem chances de ser exigente, mew.
— Mas com carne é diferente. E você não pode falar nada, já que deixou aquelas uvas passas no prato.
— Aquelas coisas nem deviam ser consideradas como comida, mew. Elas podem destruir seu estômago se as comer, mew.
— Isso soa como uma desculpa.
E então as duas começaram a encarar uma à outra. Perguntar a elas foi um erro. Tudo o que diziam estava correto, ou ao menos devia estar, mas não inspirava a confiança de que Julie se tornaria uma dama adequada se seguisse seus conselhos.
Veja, pensei, Julie parece totalmente confusa.
Mestre Fitz apareceu do nada.
— Hm? Por que estão todos reunidos aqui?
— Você chegou em uma boa hora — falei. — Ouça, por favor!
— Hã? Ouvir o quê?
— Então, o que aconteceu foi… blá blá blá, e tal…
— Blá blá blá? E tal? O quê?
— Estávamos discutindo as maneiras de Julie à mesa.
Assim que expliquei, o Mestre Fitz levou a mão ao queixo. Depois de cantarolar enquanto pensava, ele murmurou: “Certo”, e ergueu a cabeça.
— Por enquanto não é melhor deixar ela comer como quiser?
— Certo, qual é a razão para isso? — Pensei que ele, dentre todas as pessoas, diria que ela precisava aprender boas maneiras o quanto antes. Assim como se usasse ma-gia (ma-neiras) constantemente desde jovem, sua ma-na (ma-neiras) seria duas ou três vezes acima da média.
— Ela está aprendendo magia da terra com você, certo? E também está ajudando a tomar conta do Zanoba. Isso é muita coisa. Se a forçar a pensar em etiqueta, além disso tudo, pode acabar a sobrecarregando a ponto de ela ter problemas para dominar qualquer uma das coisas que estiver a ensinando.
— Ah, entendo. — Havia alguma verdade por trás disso. Também havia a ideia de que o sono e as refeições deveriam ser momentos de descanso.
— Acho que em algum momento ela deve aprender essas coisas, mas não acho que tenha problema se for daqui um ou dois anos.
— Hmm. — Com a opinião do Mestre Fitz inclusa, eram três votos a favor e três contra. Estávamos de volta ao empate.
Olhei para Julie, que tinha uma expressão ansiosa no rosto.
O que ela queria fazer? Sua decisão seria o tento final.
— Tudo bem. Julie — falei. — Você decide.
Ela olhou em minha direção, surpresa. A expressão em seu rosto denunciava que não pensava que teria direito a opinar no assunto. O olhar de Julie vagou entre cada pessoa presente – Zanoba, Elinalise, Linia, Pursena, Mestre Fitz – e então pousou em mim, parecendo assustada.
— Não vou ficar bravo, independentemente do que decidir, então escolha o que preferir.
— C-certo.
Julie agarrou o garfo com sua mãozinha, parecia ter se decidido. Ela espetou cada uma das cenouras e as enfiou na boca de uma só vez. Fechou os olhos enquanto mastigava e, após fazer um barulho que indicava que estava a ponto de vomitar, engoliu tudo com lágrimas nos olhos.
— Gulp, gulp… pwah!
Ela tomou um gole de água, engasgou e colocou o copo sobre a mesa de novo. Então olhou para mim com uma expressão realizada, como se dissesse: Pronto, e aí, satisfeito?
— Você comeu tudo! Muito bom! Estou tão orgulhoso! — Fiquei momentaneamente surpreso, mas ainda assim a elogiei e afaguei a sua cabeça.
— Muito bem! Excelente!
— Um show esplêndido!
— Agora ela não terá medo quando tiver que fazer isso da próxima vez, mew.
— Isso foi corajoso.
— Ah, fico feliz!
— Sim! — Julie sorriu enquanto era banhada por elogios. Foi a primeira vez que a vi sorrindo com tanto orgulho e satisfação, e isso me deixou feliz. Podia até ser uma questão trivial, mas ela enfrentou algo que não gostava, ganhou a batalha e conquistou confiança. Me senti tão feliz quanto se fosse uma realização própria.
— Então, a partir de amanhã, vou começar a te ensinar algumas maneiras à mesa.
— Sim, por favor, Grande Mestre!
esse cap foi completamente irrelevante pqp AKKAKAKALKAKA, foi só legalzinho e deu um desenvolvimento a mais pra Julie
Julie é tão fofa man