Depois que eles partiram de Gold Haven, Arran rapidamente descobriu que o treinamento com Nuvem de Neve era bem mais árduo do que ele imaginava.
Embora tenham realizado algum treinamento juntos antes de irem para Gold Haven, com os avanços que Arran havia feito com os Cristais de Essência, aparentemente Snow Cloud acreditava que ele estava pronto para um treinamento mais rigoroso.
Os dois passaram a maior parte do dia viajando, mas, mesmo durante a caminhada, Snow Cloud fez com que Arran treinasse seu feitiço por meio de constantes e lentos ataques ao que quer que estivesse na beira da estrada.
Ocasionalmente, ela o orientava e dava dicas, mas, na maioria das vezes, o repreendia se ele interrompesse a prática por mais de alguns minutos.
Algumas vezes, ela desferia ataques repentinos, permitindo que Arran se defendesse com um Escudo de Força. Os ataques não eram fortes o suficiente ao ponto de causar danos sérios, mas as queimaduras e os hematomas deixaram uma dor suficiente para motivá-lo a aprender rapidamente.
O lançamento constante de feitiços deixava Arran exausto, mas não podia negar os resultados. Em poucos dias, sua habilidade em lançar feitiços apresentou pequenos sinais de melhora e, mesmo que não fosse muito, ele podia dizer que estava progredindo.
Além disso, com o seu senso e o seu controle fortalecidos, ele descobriu que o treinamento também o ajudou a entender melhor a magia.
Anteriormente, ele seguia as instruções de seus pergaminhos de feitiço, combinando fios de Essência da forma mais próxima possível dos originais. No entanto, a simples imitação permitia que ele lançasse feitiços funcionais, o que também limitava seus poderes.
Mas agora ele começava a ter uma vaga compreensão sobre os princípios da magia e começou a descobrir que a alteração em pequenas partes de seus feitiços pode mudar drasticamente seus efeitos.
Mas ele ainda estava longe de ter uma compreensão real do funcionamento da magia ou de alterar seus feitiços de forma útil, mas podia sentir que estava no caminho certo.Ainda que o progresso fosse lento, ele tinha certeza de que, prosseguindo com o treinamento, ele acabaria chegando.
Após vários dias em que Arran treinou sozinho, Snow Cloud concluiu que a perna dela já havia se curado o suficiente e, a partir daquele momento, os dois passaram várias horas de treino todas as noites.
Embora eles já tivessem treinado antes, Arran viu que seus combates paralelos estavam totalmente diferentes do que eram antes. Ele entendeu que a Snow Cloud havia se contido anteriormente, mas rapidamente ficou claro que ela havia se controlado muito mais do que ele imaginava.
A cada combate, Snow Cloud combinava vários feitiços e técnicas de maneiras diferentes, fazendo com que Arran chegasse ao seu limite e, em seguida, rapidamente o ultrapassasse.
Às vezes, ela atacava com uma força avassaladora, obrigando-o a se defender com todas as forças que pudesse reunir. Em outros casos, ela usava truques, amarrando os pés dele com correntes de ar no momento em que ele corria em direção a ela, ou o induzia a lançar ataques que ela refletia de volta para ele.
Seja qual for a estratégia que ela usava, todos os resultados eram os mesmos, com Arran sendo derrotado repetidas vezes.
As intermináveis derrotas até poderiam afetar sua confiança, se não fosse o progresso constante que estava fazendo.
A cada nova derrota, os seus ataques se tornavam mais rápidos e as suas defesas mais fortes, mas derrotar Snow Cloud em uma luta justa era algo que ainda estava muito além do seu alcance, diariamente ele se via durando um pouco mais em suas lutas.
“Como estou em comparação com os outros novatos?” Arran perguntou após a primeira semana de treinamento.
Diante da pergunta, Snow Cloud ficou com uma expressão pensativa e demorou um pouco para responder.
“Você ainda não tem habilidade suficiente para ser um aprendiz”, disse ela finalmente. “Mas com seu poder, você conseguiria derrotar sem problemas a maioria dos novatos mais fracos.”
“E quanto aos mais fortes?” perguntou Arran.
Snow Cloud negou com a cabeça decididamente. “Você perderia. Todos treinaram assim desde pequenos, e tiveram acesso a todos os recursos de que precisavam.”
Arran suspirou. Apesar de ter ficado desapontado com a resposta, ele já suspeitava disso. Mas então, um pensamento lhe ocorreu.
“Você mencionou que eu não tinha habilidade suficiente para ser um aprendiz”, disse ele depois de pensar um pouco. “Mas eu pensei que para ser um aprendiz bastava aprender um único feitiço?”
“Talvez no Império”, respondeu Snow Cloud com um sorriso desdenhoso. “Na Sociedade, existem alguns feitiços que qualificam um iniciante para se tornar um aprendiz, sendo que cada um deles requer um nível de habilidade que está além do seu.”
Arran franziu a testa, insatisfeito com a resposta. “Mas você disse que eu posso derrotar os novatos mais fracos.”
“O avanço na Sociedade é baseado na habilidade, não no poder”, explicou Snow Cloud. “Ter uma família rica ou boa sorte pode oferecer a alguém os recursos para se tornar forte. Mas a habilidade se baseia em seu próprio trabalho e talento – e são essas coisas que permitem ao mago se tornar realmente poderoso.”
Com uma risada, ela acrescentou: “Obviamente, ter treinadores adequados ainda ajuda.”
Ainda que o próprio Arran tivesse confiado mais na sorte do que no treinamento para atingir sua força atual, ele teve que admitir que o que ela disse fazia sentido.
Com Pílulas de Abertura de Reino, Tesouros Naturais e Cristais de Essência, até mesmo o mago mais inexperiente pode se tornar forte, mas sem esforço e talento, toda essa força seria desperdiçada.
Sem saber como seu talento se comparava ao dos demais, ele concluiu que, caso fracassasse, ele se certificaria de que não seria por falta de esforço. Seu trabalho era algo que ele podia controlar e resolveu dar tudo de si.
Depois disso, ele intensificou seu treinamento, se esforçando ainda mais do que antes. Antes, Snow Cloud precisava repreendê-lo para que mantivesse o trabalho, agora ele se repreendia quando se descuidava – o fato de não ter a habilidade necessária para se igualar aos iniciantes era algo que ele simplesmente não podia tolerar.
Contudo, o treinamento não era tudo o que eles faziam enquanto viajavam, apesar do novo fervor de Arran.
Os três ingredientes que Snow Cloud precisava ainda contavam com a sorte para serem encontrados, mas ela havia lhe dado descrições detalhadas de como eram – ainda que a chance de Arran se deparar com um deles seja pequena, não era uma chance que ela estava disposta a deixar passar.
Infelizmente, o talento de Arran para a magia continuava a ser questionado, mas o talento para o herbalismo certamente não era – era evidente que ele não tinha nada disso.
Várias vezes ao dia, ele encontrava alguma erva na qual acreditava que se assemelhava a um dos ingredientes de que precisavam e, todas as vezes, Snow Cloud a examinava brevemente e depois passava 15 minutos explicando as diversas maneiras pelas quais ela era totalmente diferente do que procurava.
Arran suportou mansamente suas explicações, mas não tiveram muito efeito. Inevitavelmente, em poucos dias, ele cometia o mesmo erro novamente e recebia outro sermão sobre as mesmas ervas.
Embora as explicações tivessem pouco efeito, Arran não se incomodava muito com elas. Como a maior parte de seu tempo é dedicada ao treino de magia, mesmo ouvindo a Snow Cloud explicando as diferenças entre a flor de folha vermelha e a folha de flor de laranjeira, era uma distração bem-vinda.
E então, havia as aldeias.
No começo, Arran achava que Snow Cloud quisesse evitar os vilarejos, mas logo descobriu que ele não poderia estar mais longe da verdade.
Sempre que eles passavam por um vilarejo ao longo da estrada, Snow Cloud fazia questão de parar e visitar os herboristas1 e curandeiros locais, questionando se eles conheciam os ingredientes que ela procurava e quais ervas podiam ser encontradas na região.
As conversas frequentemente duravam horas e, depois de ter passado por vários deles, Arran decidiu que, dali em diante, ele esperaria na estalagem ou na taverna local.
Nota:
[1] é uma tradição milenar em que se estuda e usa ervas para fazer proveito de suas propriedades medicinais.