Arran se sentiu aliviado enquanto a Matriarca guiava o grupo de Anciões para fora da Casa dos Selos. Entre os outros, ele se destacava como um coitado, um simples iniciado cercado por dezenas de Anciões.
Ou melhor, um iniciado falso. Na verdade, Arran já tinha todas as habilidades necessárias para se tornar um novato, além de ter um poder que superava em muito essa classificação. Ele ainda não tinha a certeza se podia rivalizar com os Mestres, mas se não conseguisse, esse nível de força já se encontrava ao seu alcance.
E, no entanto, em comparação com os Anciãos que o rodeavam, ele poderia até ser um recém-iniciado. Um pensamento desanimador – especialmente porque alguns deles preferiam vê-lo morto a vivo.
Mas ele tem novos aliados também, um dos quais lhe deu um olhar curioso quando eles deixaram a Casa dos Selos para trás.
“Sua professora é uma mulher corajosa”, disse o Ancião de veste carmesim.
“Ela é”, respondeu Arran. Não houve motivo para se perguntar se o homem se referia à Matriarca ou à Lâmina Brilhante. “Embora eu não entendo por que ela desafiou todos os três”.
“Porque ela não é tola,” disse o Ancião. “Se ela os desafiasse separadamente, eles teriam recusado o desafio. A vergonha é mais fácil de suportar do que a morte, para a maioria das pessoas.”
“Eles poderiam ter recusado?” Arran franziu o sobrolho. Ainda não lhe tinha ocorrido que os três podiam ter simplesmente se recusado a participar do desafio. “Sem mais nem menos?”
O Ancião soltou um risinho sem graça. “Claro. O Vale não pode obrigar os seus membros a lutar uns contra os outros. Se eles recusassem o desafio, teria sido o fim de tudo.”
Arran acenou com a cabeça em sinal de compreensão. “Então essa era a única maneira de ela lutar contra eles, Ancião…?” Ele enrubesceu ao perceber que nem sabia o nome de seu suposto aliado.
“Theron”, disse o Ancião, nem um pouco ofendido por Arran não saber quem ele era. “E você está certo. Se ela não oferecesse uma luta que eles estavam confiantes em vencer, eles teriam apenas rejeitado o desafio e ido embora. Mas agora… se ela ganhar, ela fará um grande favor ao Vale.”
Arran olhou para o homem com perplexidade. “Um grande favor?”
O homem hesitou, mas apenas brevemente. “Existe um conflito dentro do Vale”, disse ele. “Alguns de nós acreditam que o Vale deve se concentrar na recuperação de sua força, preservando a paz, mas sem se ajoelhar. Outros, no entanto…”
Ele fez uma pausa, sua expressão se tornou sombria quando ele olhou para o grupo de homens e mulheres liderados pelos Anciões da Casa dos Selos. “Outros acreditam que devemos preservar a paz a qualquer custo. Que temos de evitar até mesmo a aparência de reconstruir a nossa força, por medo de causar a ira dos nossos velhos inimigos. E os três Anciãos que a sua professora desafiou estão à frente desse grupo.”
“O Vale não está recuperando sua força?” Arran achou isso difícil de acreditar. Pelo que ele viu, o número de jovens magos dentro do Vale era absolutamente impressionante. Com o tempo, muitos deles iriam se tornar fortes.
“Não é assim que deve ser”, respondeu o Ancião Theron. “Temos magos em massa, mas todos, exceto alguns, continuam no mesmo caminho que já nos levou à derrota uma vez.”
“Você acredita que o Vale precisa lutar contra os Caçadores”, disse Arran, agora entendendo a intenção do Ancião. “Concentrar-se em criar novas técnicas e métodos que serão mais efetivos contra eles.”
“Exatamente!” respondeu o homem, acenando vigorosamente com a cabeça enquanto falava. “Não estamos à procura de uma nova guerra, mas temos que estar prontos para uma, mesmo assim. Só a força pode impedir que o inimigo renove a sua agressão.”
Arran acenou com a cabeça, mais para não ofender o homem do que por concordar. A verdade é que ele sabia bem pouco da situação para saber se o Ancião tinha razão, mas este não era o momento apropriado para expressar suas dúvidas.
“E se ela perder?”, ele perguntou, virando para um assunto que era muito mais importante para ele do que o futuro do Vale.
“Mesmo que ela perca, pelo menos um ou dois deles devem morrer-” O Ancião parou de falar no meio da frase, percebendo que essa não era a resposta certa. Ele balançou a cabeça. “Estou confiante na força dela. Mas se ela sofrer um imprevisto e perder o duelo, eu vou oferecer-vos abrigo na Casa das Chamas. Lá, vocês ficarão a salvo dos nossos inimigos.”
“Obrigado”, disse Arran, embora não fizesse intenção de aceitar a oferta do Ancião. Se o seu pior medo viesse a acontecer e Lâmina Brilhante perdesse o duelo, ele sairia do Vale o mais rápido possível – e com sorte antes que qualquer um de seus inimigos percebesse.
“Mas eu estou confiante nas habilidades dela”, o Ancião continuou. “E quando ela ganhar, o seu próprio status no Vale vai mudar também. No mínimo, a minha Casa poderia se envolver mais no seu treinamento. Acho que…”
O homem continuou por algum tempo, evidentemente já planejando se inserir no treinamento de Arran. Arran, no entanto, só escutava com metade dos ouvidos. Mesmo que ele entendesse parte do plano da Lâmina Brilhante, suas preocupações só aumentavam.
Ela era forte, claro, mas se ela fosse forte o suficiente para derrotar três dos mais fortes Anciões do Vale… isso era um assunto diferente, e um sobre o qual Arran não tinha tanta confiança como gostaria.
O caminho para o local do duelo levou uma hora, que foi usada por vários outros Anciãos para se apresentarem a Arran. Ele respondeu o mais educadamente que pôde, apesar de não ter conseguido evitar de pensar na possibilidade da Lâmina Brilhante ganhar o duelo, o seu tempo no Vale iria mudar muito – e não necessariamente para melhor.
Então, finalmente, eles chegaram ao local do duelo.
De imediato, Arran ficou surpreso com a vista. Em vez do pequeno campo que ele esperava ver, o que estava diante dele era um espaço de mais de um quilómetro e meio de prados planos, rodeados com uma variedade de pequenas colinas.
“Isto é…” começou ele, sem saber ao certo qual a parte da espaçosa área onde iria decorrer o duelo.
“Estes são os campos de duelo”, disse o Ancião Theron. “O duelo vai decorrer em toda esta área.” Ao ver os olhos arregalados de Arran, ele riu-se. “Este será um duelo entre Arquimagos – a magia usada será o suficiente para tornar uma área mais pequena em vidro.”
Arran respondeu com um ligeiro aceno de cabeça. Agora que ele pensou um pouco, fazia sentido. Embora não houvesse presenciado pessoalmente magos realmente fortes liberando seus poderes totais, o que ele tinha detectado durante a batalha entre as facções do Sexto Vale era suficiente para dizer que seria devastador.
Enquanto imaginava como seria o duelo, viu que a Matriarca e os Anciãos que ela mesma levou estavam todos a dirigir-se para diferentes cantos da vasta área.
“Prestem atenção”, disse o Ancião Theron, um pouco desnecessariamente. “Eles estão prestes a começar a trabalhar nas proteções que irão conter a magia usada no duelo. Estes estão entre os mais complexos e poderosos segredos do Vale, e mesmo que não consigas compreendê-los, só o fato de vê-los já te beneficiará.”
A Matriarca e seus ajudantes demoraram algum tempo para se posicionar, mas quando o fizeram, começaram a trabalhar imediatamente.
Em um instante, Arran pôde sentir que toda a área estava repleta de grossos fluxos de Essência, que se uniam em um padrão quase tão complexo quanto o selo do Mestre Zhao. Ele reconheceu imediatamente que havia mais do que algumas semelhanças entre os dois, embora também conseguisse ver muitas diferenças.
Ele assistiu mais de uma hora, espantado com a perfeição com que os esforços dos diferentes magos se combinaram em uma única formação gigante. Pelo que ele podia ver, eles tinham que trabalhar em harmonia perfeita – caso contrário, o padrão se desfaria num instante.
“Está vendo como os fios de Essência se reforçam uns aos outros?” disse o Ancião Theron numa voz suave. “Quando estiver completa, vai direcionar a força dos ataques sobre toda a formação, fazendo com que seja praticamente impossível quebrá-la.”
Arran assentiu em silêncio, já familiarizado com o princípio. Mas havia algo mais, também – algo que ele nunca havia encontrado antes.
“A formação parece orientar a energia para dentro?”, disse ele passado algum tempo, tentando perceber o que estava a ver.
“Bom olho”, respondeu o Ancião, um pouco assustado. “A formação vai absorver a energia de qualquer ataque sem destruí-la, permitindo que ela se fortaleça com o tempo.”
Arran ouviu falar do princípio antes, mas nunca teve a oportunidade de vê-lo exposto em uma formação tão grande. E agora que ele pôde estudá-lo, ele se encontrou absorto no espetáculo, até mesmo o duelo iminente foi brevemente esquecido.
Ele sabia que existia um conceito em ação aqui – um conceito ligado à absorção de magia. E, embora não o compreendesse totalmente, a sua perceção estava a aumentar na sua mente à medida que via fios grossos de Essência a serem entrelaçados num padrão gigante.
A sensação terminou com uma rapidez dececionante. Apesar de ter ganho alguma compreensão de como funcionava, percebeu que o seu conhecimento de magia ainda era insuficiente para o compreender completamente.
“Não admira que tenha atraído tantos professores”.
Quando Arran olhou para cima, ficou surpreso ao ver o Ancião Theron a olhar para ele com o que parecia ser espanto. E não era o único – embora a Matriarca e os seus ajudantes estivessem ainda a trabalhar na formação, a atenção dos outros Anciãos estava concentrada diretamente em Arran. Alguns estavam confusos, outros atordoados, e mais do que alguns tinham olhares de inveja nos olhos.
Arran franziu o sobrolho, e o seu franzir de sobrolho só se tornou mais profundo quando percebeu que o sol não estava onde devia estar. Devia estar quase a pôr-se, mas em vez disso, parecia que tinha nascido há apenas algumas horas.
Com um grande choque, Arran se deparou com o fato de que já era tarde da manhã. Uma noite inteira se passou enquanto ele observava a formação sendo feita, seus arredores foram completamente esquecidos enquanto ele ganhava uma nova compreensão.
“Teve algum conhecimento, não foi?” perguntou o Ancião Theron, mas o seu tom sugeria que ele já sabia a resposta.
“Sim,” Arran respondeu. Não valia a pena negar – todos os Anciãos presentes compreendiam claramente o que tinha acontecido. E embora ele tivesse um conhecimento, era um conceito incompleto – não era como o verdadeiro conhecimento que ele ganhou com o selo do Mestre Zhao.
No entanto, ele sabia que o verdadeiro conhecimento era o que lhe permitiria reconhecer isso – um pequeno lampejo da própria natureza da realidade. Agora que ele sabia o que procurar, encontrá-lo foi mais fácil do que ele poderia imaginar.
“Parece que você tem uma grande quantidade de talento”, disse o Ancião Theron. “Alguns de nós, Anciãos, lutamos séculos para identificar o poder por detrás desta formação, e muitos ainda não o conseguiram.” O ligeiro sorriso nos seus lábios sugeria que ele não era um desses.
“Suponho que tive sorte”, disse Arran, encolhendo os ombros sem jeito.
“A sorte faz tanto parte do talento como a habilidade”, respondeu o Ancião. “Embora a coisa mas importante seja o treino.” Ele deu a Arran um olhar de avaliação. “Nós realmente devemos olhar para o seu treinamento assim que o duelo terminar. Os seus professores actuais são competentes, mas uma ajuda adicional pode ser benéfica para você”.
Mais uma vez, o Ancião Theron começou a fazer planos para o futuro de Arran e, mais uma vez, Arran deu por si a concordar com a cabeça, embora mal conseguisse ouvir.
O meio-dia estava a aproximar-se rapidamente, e já um fluxo de magos inundava as colinas que rodeavam o campo de duelos. Eram milhares, e embora os Anciões não prestassem atenção neles, Arran percebeu que a presença deles significava que o duelo não estava longe.
Lâmina Brilhante ainda não tinha chegado, mas ele sabia que ela chegaria em minutos. No entanto, ao mesmo tempo em que ele sabia que ela chegaria, a possibilidade de que ela fosse embora de novo o deixava inquieto, quase em pânico.