Na estrada pavimentada e limpa, havia uma carruagem com dois homens, uma mulher, um orc e uma gata observando-os. Nada parecia especial neles, exceto pelos membros extraordinários da tripulação. Provavelmente conversavam após o almoço, o que não estava longe da verdade. Brett e Judith discutiam acaloradamente.
— Está falando daquela vez? Do primeiro golpe no sétimo duelo, depois da casa de Murrey? — perguntou Judith.
— Sim. Estou falando daquela vez em que eu te ataquei com uma estocada, e você ficou surpresa, fazendo todo aquele alarde — respondeu Brett.
— Que alarde! Não lembra que eu imediatamente desviei para a direita?
— Exatamente. Você ficou surpresa porque eu ataquei primeiro, algo que não costumo fazer. Daí reagiu no reflexo, desviando para o lado, avançando e contra-atacando. Isso já virou um hábito seu. Foi por isso que previ esse movimento e usei isso ao meu favor.
— Eu… vou aceitar isso. Preciso pensar melhor nos movimentos que faço por hábito.
Discutiam sobre quem atacava melhor com estocadas e cortes. Mostravam, na prática, o que seria um ‘duelo de palavras’. Airen percebeu que aquilo era como um pós-jogo de xadrez, onde analisavam cada movimento feito nos duelos. Ficou impressionado com a obsessão deles pela esgrima, ao ponto de memorizarem cada detalhe das lutas.
Mas eles lembravam de mais do que isso. Discutiam as razões de cada ação tomada, qual era o propósito, o que fariam caso a estratégia não funcionasse e como o oponente poderia ter reagido.
Airen ficou admirado. Apenas de um único movimento, eles conseguiam pensar em dezenas de possibilidades.
— Qual seria um jeito mais fácil de se defender nessa situação?
A conversa não terminava apenas no pós-análise. Criavam situações imaginárias e debatiam as melhores soluções. Judith levantava uma questão, Brett respondia, e assim seguiam. Após algumas rodadas de perguntas e respostas, Airen entendeu o que havia perdido em seu treinamento até então. A esgrima de Brett e Judith não era apenas física; havia uma camada psicológica, um processo criativo para resolver problemas, uma tomada de decisões precisa e atenção aos menores detalhes.
— E aí? Está pegando o jeito? — perguntou Judith.
— Sim. Mas acho que não vou conseguir participar tão cedo — respondeu Airen.
Para ser sincero, ele estava exausto só de ouvi-los. “Sempre pensei na mentalidade por trás da esgrima, mas negligenciei o esforço necessário para aprimorá-la”, refletiu. Ele percebeu que, desde o mundo da feitiçaria, não se dedicava tanto à esgrima em si.
— Desculpem, mas posso apenas ouvir por enquanto? — pediu Airen.
— Claro — respondeu Brett, assentindo e olhando para Judith.
A conversa recomeçou, mas não durou o dia todo, pois precisavam chegar a uma vila para não dormirem na estrada. Poderiam continuar a discussão dentro da carruagem, mas não o fizeram. Brett sentou-se ao lado de Khubaru no banco do condutor, e Judith subiu no teto da carruagem, onde Lulu também tirou um cochilo.
Airen ficou sozinho dentro da carruagem. E naquele espaço amplo para uma pessoa, sorriu. Agradeceu mentalmente por terem mostrado como fazer aquelas discussões e por lhe darem tempo para pensar.
“Pensando bem, eles sempre me ajudaram desde que éramos aprendizes. E eu só recebi. Nunca retribuí.”
Sentiu uma mistura de gratidão, arrependimento e determinação competitiva.
“Vou me esforçar para me juntar a eles o mais rápido possível.”
Ele não queria apenas ser ajudado. Não queria ser deixado para trás. Por isso, precisava alcançá-los. Depois de tomar essa decisão, fechou os olhos. Mas não para treinar a mente. Força de vontade, mentalidade e crença eram importantes… Mas agora ele precisava focar exclusivamente na esgrima.
Seus pensamentos continuaram por três horas, enquanto a carruagem seguia viagem. Continuaram quando chegaram à vila e se hospedaram em uma estalagem. Airen refletiu sobre sua esgrima até a hora do jantar e, quando a comida foi servida, levantou-se.
— Desculpem, vou pular o jantar hoje — disse Airen.
— Para onde você vai? — perguntou Khubaru.
— Treinar esgrima.
— Está tarde. Onde você vai…?
— Vou procurar um lugar. Saio da vila, se precisar, e volto de manhã.
E então saiu. Khubaru olhou para ele, confuso, e logo viu Judith levantar-se e ir atrás dele.
Os que ficaram à mesa ficaram perplexos. Brett balançou a cabeça enquanto o garçom servia a comida.
— Ele está fazendo isso de novo — comentou Brett.
— Do que você está falando? — perguntou Khubaru.
— Airen sempre mostrou um crescimento impressionante depois de agir assim. Judith saiu porque sabe disso. Ela não conseguiria comer enquanto aquele monstro sai para treinar.
— Ele já fez isso antes, enquanto viajávamos antes de vocês se juntarem? Tenho certeza de que sim — disse Brett.
— Sim… Isso já aconteceu antes — confirmou Khubaru.
— Eu sabia.
Brett assentiu, mas logo começou a comer rapidamente, com uma elegância surpreendente. Terminou sua refeição em tempo recorde e levantou-se.
— Acho que também vou treinar. Não posso simplesmente ficar aqui parado depois de ver aquilo — disse Brett.
No final, apenas Khubaru e Lulu ficaram à mesa.
Quatro dias haviam se passado desde que Brett e Judith se juntaram ao grupo.
Uma semana depois de Airen abandonar o jantar para treinar, ele dedicava-se exclusivamente à esgrima, focando nos fundamentos. Felizmente, esse esforço trouxe frutos. Ele relembrou algo que havia esquecido: uma questão fundamental sobre a essência de sua esgrima.
“Minha esgrima é…”
Após o treinamento no mundo da feitiçaria, ele adquiriu diversos estilos: o estilo fluido como água de Brett, o estilo feroz como fogo de Judith, o estilo do céu de Illia e os golpes brutos e selvagens do homem em seu sonho. Também possuía os movimentos da espada larga ensinados pela Academia de Esgrima Krono. Todos esses estilos eram importantes, mas a base de suas habilidades estava nos golpes pesados e contundentes do homem e nos movimentos de espada larga de Krono, que aproveitavam o peso da arma.
“Meu problema era tentar imitar a esgrima de Brett e Judith sem considerar minhas próprias características.”
Com os duelos e as discussões, ele entendeu: não podia se tornar Brett ou Judith. Nunca conseguiria defender como um rio sereno ou atacar com a agilidade explosiva. Se tentasse, jamais os alcançaria.
Então, o que deveria fazer? Esquecer tudo que aprendeu no mundo da feitiçaria e começar do zero? Não.
“Vou colocar o peso da espada como base e absorver o que puder da esgrima deles.”
Ao invés de perder suas raízes, ele as reforçou, integrando os elementos que complementavam sua base. Com essa conclusão, sua esgrima começou a ganhar forma.
Ele não podia copiar os passos rápidos e livres de Judith, pois não era como ela. Seu corpo era pesado e lento para acompanhar os movimentos flamejantes dela. Mas podia imitar sua explosividade, aplicando-a no peso de sua espada. Assim, seus ataques tornaram-se impressionantes, como se a lâmina descesse aquecida em uma forja.
Não podia defender com a fluidez de Brett, mas isso não importava. A água que o peso de sua espada bloqueava não fluía, e isso era suficiente. Sua defesa evoluiu, tornando-se como um golpe contra uma poça profunda, fazendo o atacante perder o equilíbrio.
Brett falou com uma expressão frustrada:
— Você é um desgraçado maluco, isso é o que você é…
Ele não era o único a reagir assim. Judith também reclamava sem parar ao ver como Airen mudou tanto em apenas uma semana. Era compreensível. Sua taxa de vitórias contra ele caiu de 90% para 70%.
— Gah! Bosta! Que mundo injusto! — ela gritou.
— Essa é a realidade. Aprendi isso quando vi Illia cinco anos atrás. E me lembro disso até hoje — disse Brett.
— Bosta, bosta, bosta, bosta…
Já fazia um tempo desde que Judith explodira assim. Lulu, assustada, tremia com a súbita tensão no ar, que parecia aquecer a carruagem. Khubaru, por outro lado, sentia empatia em vez de desconforto.
“É difícil ter um gênio ao seu redor.”
Ele sabia disso por ser um elementalista. Judith tinha um elemento de fogo extremamente poderoso, algo incomparável ao de uma pessoa comum. Pessoas assim não suportavam perder. Precisavam vencer em tudo, seja em pedra, papel e tesoura, competições de comida ou qualquer pequena disputa. Por isso, não podiam evitar o sofrimento ao verem talentos tão injustos. A mente de Judith provavelmente fervia como um vulcão naquele momento.
“Seu desafio seria aprender a controlar seu temperamento. Mas, claro… Ela não vai fazer isso tão cedo.”
Khubaru preocupava-se com Judith de uma maneira madura e lógica. Ele só esperava que essa jovem talentosa não acabasse se machucando e se consumindo por sua inveja ardente. Mas, exatamente uma semana depois, ele percebeu que a havia subestimado.
— Hiya! Ganhei! — gritou Judith.
— Judith também usou Airen como referência. Ela incorporou o peso dele e o misturou aos seus passos leves. Ficou bem mais difícil lidar com ela… — explicou Brett.
Khubaru não precisava da explicação para entender. Ele se orgulhava de ter um olhar afiado para essas coisas. Assim como Airen absorveu os traços positivos de Judith, ela também fez isso rapidamente. O que tornou isso possível foi…
“Seu talento e obsessão… Fui rápido demais em julgá-la. Ela também é uma gênia.”
E ela não era a única. Brett também havia conseguido algo enquanto Airen e Judith cresciam. Isso era visível em sua atitude. Ele não parecia nervoso enquanto observava os dois.
Khubaru percebeu, então. Airen Farreira, Judith e Brett Lloyd estavam além de qualquer nível que ele pudesse medir.
“Gênio, gênio e gênio…”, Ele estava perdido nesses pensamentos quando Brett se aproximou dele.
— Quando chegaremos a Partizan? — perguntou Brett.
— Hã? Oh! Deixe-me ver… Chegaremos amanhã — respondeu Khubaru.
— Ah, finalmente! Espero que eles não nos rejeitem como fizeram em Lathion — disse Judith.
— Não se preocupe. As pessoas que odeiam aquele tipo de atmosfera criaram essa cidade — afirmou Brett.
— Lá vamos nós… — murmurou Airen com um olhar determinado.
— Oh? O quê?! Olhem para o Airen! Parece que ele vai destruir todas as academias de esgrima de Partizan! — gritou Judith.
— Não, eu não…
— Eu gosto disso. Realmente gosto disso. Vai ser a gente ou eles que sairão destruídos! — exclamou Judith, animada.
— Pare de ser tola — disse Brett.
Airen, Judith e Brett estavam empolgados para desafiar os espadachins de Partizan. Khubaru sorria enquanto os observava. Ele também estava animado para ver indivíduos tão talentosos se dedicando com tanta paixão. Mas Lulu tinha um pensamento diferente.
“Eles só têm duelado entre si, então não sabem quão fortes realmente são… Bem, eles vão descobrir quando chegarmos a Partizan.”
A gata preta bocejou e voltou a meditar.
Havia se passado cerca de vinte dias desde que Judith e Brett se juntaram ao grupo.
Finalmente, chegaram à cidade de Partizan.