Alguns dias depois, o jovem de cabelos azuis olhava para Judith, ainda treinando com uma determinação ardente.
— Ei.
— Hah, hah, ugh… O que foi?
— É hora do jantar.
— É mesmo?
Judith levantou a cabeça ao ouvir as palavras de Brett. O céu estava ficando escuro. Ela assentiu e caminhou até o banco no canto do campo de treinamento. Estava prestes a comer o pão e a salsicha que havia trazido consigo, quando seu colega a chamou novamente.
— Não coma essa porcaria. Vamos comer algo decente fora daqui.
— Eu não tenho tempo—
— Corta essa. Você tem, sim.
— O quê? Seu desgraçado…
As sobrancelhas de Judith se ergueram. Ela já estava irritada, e não tinha paciência para lidar com esse tom. Brett, no entanto, não parou e continuou.
— Por que está fazendo isso? — perguntou Brett.
— Fazendo o quê?
— Está até pulando refeições para treinar? É porque quer ficar mais forte ou porque gosta de se torturar como uma pervertida viciada em dor? É isso? Quer sofrer mais?
— Qual é o seu problema?
— O problema é você. Judith, vou dizer isso uma vez, então ouça bem.
Brett deu um passo à frente — ou melhor, aproximou-se mais de Judith. Chegou tão perto que poderia tocá-la se quisesse, olhou diretamente em seus olhos e disse seriamente:
— Primeira escolha: desperdiçar seu dia sem se concentrar, como está fazendo. Segunda escolha: sair, comer algo, se recompor, e liberar suas emoções e preocupações para focar inteiramente na esgrima.
— Escolha. Vai em frente.
— A segunda… Desculpa.
Judith pediu desculpas. Brett suspirou aliviado ao vê-la amolecer. Eles estavam juntos há cerca de sete anos, então ele sabia o quanto ela estava levando essa situação a sério. Ela provavelmente estava à beira de explodir de emoções negativas. Claro, normalmente, ela usaria isso como combustível…
“Mas isso é diferente.”
Illia Lindsay e Airen Farreira. Brett quase suspirou ao se lembrar desses dois nomes, mas se conteve. Ele não era como eles, e Judith era Judith. Mesmo que estivesse lidando com isso de forma tão intensa, Brett sabia que, com o tempo, ela se levantaria e seguiria em frente.
Mas talvez… ele pudesse dar a ela um pouco de paz de espírito nesse processo, pelo menos.
“Sim. É só isso que estou tentando fazer, sem nenhuma outra intenção.”
Brett assentiu. A razão pela qual encontrou um bom restaurante e uma loja de sobremesas era para que Judith pudesse descansar. Ele não tinha outras intenções. Se isso levasse a um treinamento mais eficiente depois, já seria o suficiente.
— O que foi? Não fique aí parado como um idiota.
Judith o chamou com impaciência, tirando-o de seus pensamentos. Ele balançou a cabeça e respondeu:
— Nada. Vamos lavar o rosto e comer. Encontrei um bom lugar.
— Você vai pagar?
— Sim.
— É caro?
— Hm… Sim.
— Oh, legal. Estou ansiosa para isso, então.
A expressão de Judith ficou mais leve, como se tivesse melhorado um pouco. O rosto normalmente inexpressivo de Brett esboçou um leve sorriso. Mas não durou muito, pois ele rapidamente limpou o sorriso e desviou o olhar. Foi então que viu Airen parado ali.
— Quando… você chegou? — Brett perguntou com uma voz firme.
— Agora mesmo. Algo bom aconteceu?
— Nada… Só me lembrei de uma história engraçada que ouvi.
— Entendi.
Airen assentiu, sem parecer desconfiar de nada. Brett suspirou aliviado quando Airen continuou:
— Judith está aqui?
— Sim. Por quê?
— Eu queria jantar com vocês hoje. Tenho algo para falar e pedir ajuda.
— Hã? Você já comeu?
— Não… Sim, podemos comer juntos.
Brett assentiu um pouco depois e foi até o prédio para tomar um banho rápido.
Airen sentiu uma sensação estranha novamente, mas não pensou muito nisso, pois estava focado no que precisava dizer. Logo, os três aprendizes de Krono foram ao restaurante, onde Brett se encontrou em um ambiente estranho.
E ficou ainda mais desconfortável com a revelação chocante de Airen.
“Ele… nunca aprendeu a utilização de aura?” pensou Judith.
“Então tudo o que ele tem feito até agora… Ele aprendeu sozinho?” pensou Brett.
Silêncio. Naquele momento, Brett começou a entender o que Airen havia dito. Talvez fosse óbvio. Airen havia passado cinco anos preso naquele estranho mundo de feitiçaria após os dias de treinamento preliminar. Ele não teve tempo de aprender nada com ninguém.
A razão pela qual Brett não conseguiu enxergar isso, mesmo sendo tão evidente, era que a esgrima de Airen, incluindo seu uso de aura, era tão incrível que parecia ter sido aprendida com um mestre. Então, Brett sentiu um arrepio percorrer sua pele.
“Se ele conseguiu fazer tudo isso sozinho, o que acontecerá se ele aprender o método de utilização de aura de Krono?”
Claro, o método de utilização de aura de Krono não era tão especial. Ele apenas seguia as três partes gerais da utilização de aura, com algumas interpretações únicas. Era provável que Airen já conhecesse a maior parte delas, de qualquer forma. Mas aprender a teoria acumulada ao longo da história e aplicá-la com sua própria experiência era diferente de simplesmente usá-la sem os fundamentos.
“Talvez… Se Airen aprender a teoria de Krono…” Os pensamentos de Brett se aprofundaram.
— Ugh, está quente aqui. Vou tomar um pouco de ar fresco — disse Judith, levantando-se da cadeira. — Já volto, então me esperem aqui. Brett, se comer minha comida, você está morto.
Ela saiu apressada, e tanto Airen quanto Brett olharam para ela com expressões complicadas. Então, Brett, que olhava nervosamente entre o lugar onde Judith desapareceu e Airen, suspirou e se levantou.
— Eu já volto — disse Brett.
— Certo. Estarei aqui — respondeu Airen.
Brett saiu do restaurante antes que Airen pudesse terminar a frase.
“Para onde ela foi?”
Brett rapidamente procurou por Judith, mas não conseguiu encontrá-la. Apesar do curto intervalo de tempo, localizar uma pessoa no meio de uma multidão era uma tarefa difícil.
“Droga. Queria ter o sexto sentido de um feiticeiro também”, pensou Brett, enquanto atravessava as ruas, sem se importar em atrair a atenção de outras pessoas.
“Será que ela está bem? Não, provavelmente não.” Então, o que ele deveria fazer? Precisava confrontá-la e trazê-la à razão, assim como ela havia feito com ele antes? Brett não gostava dessa ideia. Mas parecia ser a única solução viável, então ele se preparou para ser odiado por ela e apressou o passo.
Dez minutos depois, Brett perdeu completamente a vontade de confrontá-la ao vê-la sentada em um banco de um parque. Lágrimas escorriam de suas bochechas e caíam em seus joelhos. Ele ficou em silêncio, observando, até ouvir uma voz abafada.
— Eu estava mentindo quando disse que queria vencer Illia.
— Eu sabia que não fazia sentido. Só que, quando ouvi o Airen dizendo isso como se não fosse nada, mesmo sendo impossível… eu disse o mesmo porque não queria perder para ele. Mas eu sabia que não daria certo. Eu não tinha chance, e nem o Airen. Mas…
Ela pausou, ainda derramando lágrimas, depois suspirou e continuou:
— Quer dizer, faz sentido, né? Como se vence um mestre? Não dá pra fazer isso em quatro anos, quanto mais em quatro meses. Mesmo se eu treinasse pelos próximos sete anos e me tornasse uma mestre espadachim aos 25, ainda seria considerada um gênio do continente. Eu estaria no nível do Diretor Ian… É nesse nível que estamos falando. Então, simplesmente, não faz sentido. Não faz, né? Não há chance. Mas o Airen, aquele desgraçado, realmente tentou alcançar o impossível. Eu duvidei dele, fingi que estava tentando também, e, enquanto fingia estar focada no treinamento, cheia de ódio, ele estava realmente pensando em como vencer a Illia, encontrando um caminho, se esforçando… Nem no pensamento eu consegui ser páreo para ele. Hah, hah… Argh. Ugh, droga…
— Calma.
As emoções de Judith estavam à flor da pele. Brett se aproximou e estendeu a mão para confortá-la. Ela não se afastou, mas continuou:
— Sabe o que é ainda mais patético?
— Eu… quando o Airen perguntou sobre a utilização de aura… imediatamente pensei que não queria ensiná-lo.
Brett não ficou surpreso. Não era estranho ela pensar assim. Era natural. Mesmo sendo tão próximos, era difícil evitar pensamentos mesquinhos quando o orgulho era ferido. E, sendo tão competitiva, a dor era ainda maior para ela.
Mas Brett entendia a dor de Judith. Ela era temperamental, usava linguagem rude e tinha o dom de irritar as pessoas… mas ele sabia que, no fundo, Judith era uma pessoa justa. Não era o tipo de pessoa que tramaria contra alguém por ressentimento; ela preferia uma luta justa.
A atmosfera sombria parecia pesar sobre todo o lugar.
Enquanto acariciava as costas de Judith, Brett pensava intensamente no que dizer. Como poderia confortá-la? Ele não tinha ideia. Nenhuma palavra vinha à mente. Era como se tivesse se tornado um idiota. A tensão crescia com o passar do tempo.
Então, Judith falou algo inesperado.
— Eu vou ensinar o Airen — disse ela.
— Você vai…?
— Vou. Tenho que fazer isso.
Ela limpou o rosto com as mãos, embora as lágrimas ainda escorressem. Mas parecia melhor do que quando ele a encontrou. Pelo menos, foi o que ele achou.
— Acho que não aguento mais ser tão mesquinha. Então… vou fazer isso.
— Entendido? Hein? Hein? Responda!
Judith levantou a cabeça e socou Brett no ombro. O golpe foi bastante forte e doeu, então Brett apenas assentiu.
“Vim aqui para dar um sermão nela, mas sou eu quem está apanhando.”
Ele olhou para Judith, que continuava a socá-lo. Seus olhos inchados estavam horríveis, mas ele não conseguiu evitar um sorriso.
— Você está horrível. Como sempre.
— Seu idiota…!
Ela o socou mais forte, mas, estranhamente, Brett se sentiu melhor com isso. Apesar da dor, o gesto pareceu aliviar algo dentro dele.
— Vou acabar com você se não acompanhar, então mantenha a cabeça erguida.
Judith rosnou ameaçadoramente, enquanto Airen observava a cena e achava tudo estranho. Ele pensou que seria Brett quem o ensinaria.
“O que deu nela?” pensou Airen.
Ele olhou nos olhos de Judith, mas não conseguiu entender os pensamentos e emoções complexos dentro dela. Contudo, sabia de uma coisa: precisava dar o seu melhor. Seria por respeito à professora? Não, não era isso.
“Se eu vacilar… eles vão me alcançar.”
Illia não era a única pessoa com quem ele precisava se preocupar. Brett e Judith também eram rivais formidáveis.
— Vou me esforçar ao máximo — respondeu Airen.
— Hmph! É claro que vai.
Assim, Airen Farreira, da 27ª Turma de Treinamento Formal de Krono, finalmente aprendeu a utilização de aura de Krono.
E quarenta dias se passaram desde então.