A expressão do sacerdote parecia muito mais carregada do que ‘um pouco decepcionante’. Embora tivesse passado apenas dez meses ao lado de Illia, ele vinha influenciando-a indiretamente há anos. Ele havia investido tanto esforço, e, agora que tudo estava prestes a dar frutos, viu seu trabalho desabar completamente.
“Ela se tornou tão pura que não havia mais espaço para o que eu precisava.”
Era fascinante. O sacerdote então desviou o olhar de Illia para o homem diante dela. O jovem possuía uma habilidade incrível, apesar de sua postura tímida e sorriso constrangido. O sacerdote olhou para aquele que havia virado Aisenmarkt de cabeça para baixo nos últimos meses.
— Não tenho chance com esse aí — murmurou.
Se fosse possível, ele estaria extasiado, mas sentia que não havia possibilidade alguma, mesmo com Airen ainda não sendo uma versão completa de si mesmo.
“Não tenho escolha. Melhor me concentrar no que já venho fazendo”, pensou, levantando-se e deixando sua decepção para trás.
— Hmm? O quê…!
— Ei, senhor! Não esbarre nas pessoas assim…
Era impossível o sacerdote atravessar a multidão pesada sem esbarrar nos outros. Alguns homens corpulentos até o ameaçaram, mas a tensão durou pouco. Logo, eles ficaram atordoados, olharam para o sacerdote por um momento e, em seguida, voltaram a olhar para o palco, como se nada tivesse acontecido, retomando os gritos e aplausos.
— Airen Farreira!
— Airen Farreira! Novo campeão!
Desta vez, não eram apenas os espectadores comuns que celebravam. Jornalistas veteranos, acostumados a escrever sobre lutas de gladiadores há décadas, gladiadores de alto escalão que competiam ferozmente na Terra da Provação e até os que foram derrotados por Airen estavam entre os que comemoravam. Até mesmo Ricardo Pinto, que agora parecia ter recuperado sua honra ao ver Airen superar todos os gladiadores.
“Aquele brilho final foi certamente uma Aura da Espada… Aquele jovem agora é um mestre espadachim.”
Isso era verdade. Ricardo havia perdido para um mestre espadachim, não para um especialista. Não era estranho um especialista perder para um mestre espadachim; o estranho eram esses jovens alcançarem tal nível em tão pouca idade.
“Um tem vinte e dois, e o outro tem dezenove, certo?”
Ele suspirou, mas estava mais preocupado com a punição que seu pai, Harris Pinto, um mestre espadachim veterano de mais de setenta anos, lhe daria por ter quebrado sua espada.
“Preciso levar minha técnica ao limite para pagar pela espada quebrada. Caso contrário… ele pode me matar.”
Enquanto pensava em seu pai, Ricardo aplaudiu. De qualquer forma, era um dia de celebração pelo nascimento de um novo mestre espadachim. Ele continuou aplaudindo, embora sentimentos complicados o invadissem.
Entre os presentes, havia mais uma pessoa que não conseguiu se unir à alegria geral. Judith, que havia acompanhado de perto o treinamento de Airen, sentia algo tão confuso quanto Ricardo.
“Isso… não parece tão bom.”
Era estranho. Durante a luta, ela apertou os punhos, torcendo por Airen, gritando internamente para ele resistir, aproveitar uma chance e virar o jogo. Mas quando o brilho dourado emanou da espada de feitiçaria, transformando-a em algo completamente novo, e quando Airen se tornou uma pessoa completamente diferente ao derrotar Illia Lindsay, um sentimento desconhecido tomou conta de sua mente.
Ela sabia disso desde o início. Não era a primeira vez que sentia algo assim ao vê-lo recentemente.
— Uau! Nós vencemos! Nós vencemos! Airen venceu! — Lulu gritava, empolgada.
— Hah… Pensar que ele realmente venceu uma mestre espadachim…
— Hã? Khubaru! Você achou que Airen ia perder? Eu disse por quatro meses que ele venceria! Não acreditou em mim?
— Não, eu só… bem…
— Seu idiota! Cabeça de vento! Bolha de sabão!
— Ugh, pare…
Lulu golpeava Khubaru, que sorria, ambos em clima de celebração. Mas Judith não conseguia compartilhar do mesmo sentimento. Os movimentos de Airen eram fascinantes, como se ele tivesse se tornado um com a espada. O brilho dourado, quando ele quebrou a espada de Illia, continuava fresco em sua mente. Após um tempo, Judith virou-se para Brett.
Ele desenhava algo distraidamente, sem notar o olhar dela. Judith sentiu-se desconfortável novamente. O que ele está desenhando? O que ele percebeu na luta para se concentrar tanto? Ela se sentiu vazia quando Lulu saltou em sua frente e perguntou.
— Judith? O que houve?
— Hã?
— Você não parece bem. Está doente?
— Não…
— Ou precisa ir ao banheiro?
— Não! Só estava pensando em outra coisa. O que você quer dizer com ‘não pareço bem’? Estou super empolgada!
Judith sorriu brilhantemente. Não, tentou sorrir, mas não conseguiu. Forçou um sorriso puxando os lábios. Brett, que havia fechado o caderno de esboços, comentou:
— Que feio. Para com isso.
Judith respondeu com um soco, e Brett gemeu de dor. Ele sabia que ela faria isso, mas não esperava que fosse tão forte. Ficou confuso ao vê-la se levantar, parecendo mais animada do que estava há pouco.
— Vamos! Teremos uma festa hoje! — disse Judith.
— Festa? — Brett perguntou.
— Sim! Airen é o campeão agora! Temos que comemorar. Ei, Sr. John Drew, podemos usar sua casa?
— Hã? Ah, claro — John, que estava atordoado olhando para o palco, assentiu.
John era mais fraco que os gladiadores de nível Rei, mas confiava em sua capacidade de analisar e entender técnicas de espada. Para ele, a luta de hoje havia sido uma grande lição. Ele até pensava que o que aprendera poderia ajudá-lo a desenvolver a ‘Espada Estilo John Drew’, que estava estagnada havia muito tempo.
“Eu comecei ensinando Airen, mas acabei aprendendo mais no final.”
Uma festa? Claro, ele poderia oferecer sua casa. Na verdade, ele não se importava em gastar dinheiro para isso. Estava pronto para organizar uma festa memorável!
Foi nesse momento que vários objetos brilhantes caíram em seu colo.
— Obrigado, professor de espada! Este é um bônus especial! Use para a festa! — Lulu exclamou enquanto despejava tesouros sem parar.
Dois dias após a luta pelo título, as pessoas de Aisenmarkt ainda falavam sobre o confronto entre Illia e Airen. Era esperado. Um deles se tornou mestre espadachim mais rápido do que qualquer outro no mundo, enquanto o outro alcançou o nível de mestre durante a luta. E Airen tinha apenas vinte e dois anos, três anos antes do famoso mestre de Krono se tornar um mestre espadachim.
Como poderiam parar de falar sobre isso em apenas um dia? As pessoas discutiam sobre os gladiadores dia e noite. Aqueles que assistiram à luta no coliseu bebiam cerveja gratuita, oferecida por outros que queriam ouvir suas histórias.
Mas nem todos eram positivos sobre o confronto entre dois mestres espadachins. Uma das revistas de gladiadores publicou um artigo polêmico:
O título de Airen Farreira, foi justo?
Uma espada mágica é proibida, mas uma espada de feitiçaria é permitida? Que injustiça.
Se tivessem espadas diferentes, o resultado seria outro… Uma necessidade de revanche?
A Terra da Provação não fornecia armas aos gladiadores, permitindo que cada um utilizasse suas próprias espadas. A administração do coliseu acreditava que não conseguiria oferecer armas que se ajustassem perfeitamente a cada espadachim. Assim, era permitido o uso de qualquer espada, desde que não ultrapassasse suas funções básicas. Por exemplo, espadas que liberassem fogo ou manipulassem eletricidade eram proibidas, mas não havia limites quanto à durabilidade ou ao fio da lâmina. Por isso, a espada de feitiçaria de Airen foi aceita.
No entanto, durante a luta, a espada passou por uma transformação completa após um clarão de luz, o que inevitavelmente levantou suspeitas. Independentemente de julgarem certo ou errado, muitos concordaram que uma ‘revanche’ seria necessário. A administração da Terra da Provação considerava se deveria investigar a espada e sugerir uma nova luta.
Mas isso não aconteceu. Pela primeira vez desde que chegou a Aisenmarkt, Illia Lindsay, que nunca havia se envolvido com a mídia, expressou sua opinião sobre o assunto por meio de sua representante:
“Foi uma luta justa. A capacidade da espada não influenciou no resultado. Eu aceito minha derrota.”
As pessoas ficaram decepcionadas, mas não poderiam exigir mais quando a própria envolvida afirmava isso. Assim, Airen tornou-se oficialmente o novo Campeão da Terra da Provação, e Aisenmarkt voltou a seus dias pacíficos.
— Minha senhora recusa qualquer entrevista.
— H-hieek!
Mas nem tudo voltou ao normal. Talvez pelo fato de Illia ter falado publicamente pela primeira vez, alguns jornalistas acreditaram que poderiam conseguir outra entrevista com ela e começaram a rondar a mansão da ex-campeã.
Por isso, Emma Garcia, a cavaleira guardiã de Illia, precisou rejeitar constantemente os jornalistas que apareciam. Ela até liberava uma aura poderosa para intimidá-los, mas alguns insistiam em voltar, o que a deixava extremamente cansada.
“Devo quebrar os ossos deles se retornarem mais de três vezes?”
Ou talvez devesse ter sido firme desde o início? Enquanto ponderava algo que certamente assustaria os jornalistas se ouvissem, alguém diferente chegou.
Mas Emma não podia ser fria ou intimidadora com esse visitante. Precisava tratá-lo com respeito, pois ele era amigo de sua senhora e, ao mesmo tempo, aquele que a derrotou, o que a deixava confusa sobre como agir.
Emma engoliu em seco, encarou Airen e perguntou:
— O que o traz aqui… senhor?
— Vim visitar Illia.
— Isso não é permitido.
— Pode ao menos avisá-la que estou aqui?
— Avisarei, mas minha senhora já me instruiu que não encontrará ninguém por uma semana. Isso inclui você, Sr. Airen Farreira.
— Entendo. Compreendo.
Airen assentiu. Ele entendia. Confirmara que a escuridão no coração dela havia desaparecido, mas isso não significava que ela pudesse simplesmente se levantar e agir como se nada tivesse acontecido. Illia precisava de tempo para refletir, para ficar sozinha. Contudo, ele não queria ir embora sem fazer nada, já que tinha ido até lá. Então, tirou algo do bolso, e Emma perguntou:
— O que é isso?
— Um presente e uma carta.
Emma olhou para o envelope. Era espesso. Talvez ele tivesse passado um dia inteiro, ou mais, escrevendo.
“Então ele é mesmo amigo dela…”
Emma suavizou um pouco sua expressão severa ao pegar a carta.
— Eu a entregarei — disse.
— Sim. Obrigado.
— Você não disse que tinha um presente também?
— Ah, isso foi meio mentira.
— Mas a outra metade é verdade.
A cavaleira guardiã franziu a testa, com uma expressão que deixava claro que ele deveria parar de brincar. Mas Airen apenas deu um sorriso casual, ignorando o aviso.
— Diga a ela para ir à mansão de John Drew se estiver curiosa sobre o presente — continuou.
— Quero entregá-lo pessoalmente. Diga que desejo falar com ela cara a cara.