“Ainda não entendo o que ele está pensando.”
Emma tampouco podia prever a reação de Illia. Sua senhora esteve sob extrema pressão ao assistir à ascensão de Airen ao topo da Terra da Provação. Illia mal conseguia dormir por causa do estresse e da preocupação quando a luta pelo título foi anunciada. Mas, após perder a luta, ela parecia…
“Ela parecia muito melhor do que eu imaginava.”
Era como se Illia tivesse se libertado de um peso que carregava há muito tempo. E era inegável que este homem era o motivo disso.
— Entendido… Eu entregarei a mensagem — disse Emma, em tom severo.
— Obrigado — respondeu Airen com um sorriso.
Quando ele se virou e começou a sair, Emma continuou a observá-lo por um longo tempo. Ela disse que ele era um colega antigo da Academia de Esgrima de Krono… O que aconteceu entre esse jovem e minha senhora na academia? Emma refletiu por um momento, mas balançou a cabeça. Isso não era algo em que ela deveria se intrometer. Tudo o que precisava fazer era entregar a carta à sua senhora e transmitir a mensagem.
Emma lançou um olhar ao envelope e, então, virou-se. Quando abriu a porta e entrou na mansão, encontrou alguém esperando por ela.
— Minha senhora?
— Alguém esteve aqui? — perguntou Illia.
— Hã? Ah! Sim. Foi, er…
— Isso é uma carta? É para mim?
— Sim, é… minha senhora. O Sr. Airen Farreira queria vê-la, mas eu o mandei embora conforme suas ordens.
— Devo trazê-lo de volta?
— Não. Eu já disse que quero ficar sozinha por um tempo — respondeu Illia, enquanto se aproximava rapidamente de Emma.
Ela então arrancou a carta de suas mãos. Emma olhou para sua senhora, e Illia devolveu o olhar à cavaleira guardiã.
— O que foi? — perguntou Illia.
— Você…
— Hã?
— Não… não é nada, minha senhora.
— Por quê? O que foi?
— Não é nada, realmente. Só pensei em algo sem importância.
— Ah.
— Sim, minha senhora.
Emma respondeu com uma expressão inexpressiva. Illia a observou por um momento e, então, virou-se.
— Não precisa ir ao meu quarto até que eu chame você.
— Sim, minha senhora.
Emma fez uma reverência educada, mesmo que sua senhora não estivesse olhando para ela. Mas, diferente da aparência calma que exibia, Emma estava confusa por dentro.
“Ela estava esperando por Airen Farreira?”
Sua senhora raramente saía de seu quarto ou da sala de treinamento. Era estranho vê-la na porta como se tivesse esperado alguém. Mas isso não era o ponto mais importante. O rosto de Illia que Emma acabara de ver ainda carregava o frio de costume, mas…
“Os olhos dela pareciam muito mais suaves…”
Enquanto caminhava pelo pátio, Emma olhou para sua própria mão. O envelope era tão espesso. Ela não sabia que tipo de mudança ele traria à mente de sua senhora…
“Ainda posso ter esperança, certo?”
Dez meses haviam se passado desde sua chegada a Aisenmarkt. Emma, que sempre tivera uma expressão rígida, sentiu-se um pouco mais leve.
“Espero que seja o suficiente.”
Airen pensou enquanto entrava em seu quarto após voltar da mansão de Illia. Ele era mais velho do que quando era um aprendiz preliminar em Krono, mas suas habilidades de escrita não haviam melhorado. Isso era evidente, pois ele não fazia nada além de treinar esgrima e comer. Certo de sua limitação, ele se esforçou para escrever de forma genuína. Não hesitou em anotar tudo o que lhe veio à mente: o que pensava, as razões por trás de suas ações, as partes que não queria que ela entendesse errado e o que desejava fazer a seguir. A carta acabou ficando muito longa, mas ele preferia isso a escrever pouco e não transmitir suas intenções.
“Espero vê-la em alguns dias.”
Ele não estava preocupado. Percebera que Illia havia mudado, mesmo que ainda mostrasse um pouco de severidade. Então sorriu, mas logo ficou sério. Lentamente, estendeu a mão para o ar à sua frente.
A espada de feitiçaria apareceu. Diferente de antes, agora parecia delicada e afiada.
— Provavelmente por causa do sonho — murmurou Airen.
Era bem provável. Ele não pensara nisso enquanto lutava contra Illia, mas, após o combate e seu retorno à mansão de John Drew, não conseguia tirar o homem do sonho de sua cabeça. Tornou-se curioso sobre o que ele tentou dizer. Mesmo enquanto ria e conversava durante a festa, não podia evitar o desejo de dormir para descobrir mais. Mas, quando finalmente dormiu…
“Era o mesmo sonho de sempre.”
Airen clicou a língua e jogou-se na cama sem trocar de roupa. Planejava dormir agora. Desde o fatídico dia aos quinze anos, nunca havia tirado um cochilo, mas essa seria uma exceção. Ele não estava fugindo de nada; queria respostas.
Talvez o sonho seja sua vida passada ou uma coincidência da feitiçaria em minha vida. Talvez seja ambos. Mas não importa. Só quero entender o que é agora. Então, enquanto pensava consigo mesmo, desejava intensamente o homem do sonho. Seu anseio era tão forte que ele chegou a duvidar se conseguiria adormecer naquele estado. Mas então.
No momento em que começou a se preocupar, o cenário mudou. Ele viu um céu familiar, um muro e um pátio. Era o lugar que ele já havia visto tantas vezes no sonho e no mundo da feitiçaria. No centro… estava o homem, agora parecendo completamente velho.
Enquanto observava o homem se aproximar lentamente, Airen deu dois passos para trás sem perceber. A energia que o velho emanava era esmagadora.
“O que é isso?”
Airen ficou confuso. Lembrava-se bem de que, no sonho anterior, antes de lutar contra Illia, o velho tentou dizer algo. Mas agora, a atitude dele era completamente diferente. O homem liberava uma energia aterrorizante, como se quisesse lutar com Airen imediatamente.
— Huh?!
Quando ele percebeu, uma espada larga apareceu diante de seus olhos. Não era a antiga espada que ele vinha usando. O velho segurava uma lâmina velha e desgastada, enquanto Airen via a nova espada que parecia ter absorvido o brilho dourado. Após observar atordoado sua espada, a espada do velho e o próprio homem, Airen assentiu, murmurando em entendimento.
— Nós somos espadachins, afinal…
Airen segurou a espada que flutuava no ar e concentrou-se. Passou imediatamente pelos seis passos de utilização da aura, liberando uma aura dourada sobre sua lâmina. Era muito menor do que a de Illia, mas, sem dúvidas, era uma Aura da Espada.
— Muito bem — disse Airen.
“Vamos lá.” Apenas após trocar um diálogo com as espadas o velho finalmente falaria. Preparando-se para lutar, Airen viu o homem liberar uma aura acinzentada sobre sua lâmina. Era muito maior que a de Airen, e ele arregalou os olhos.
— Argh!
O impacto foi poderoso, fazendo a palma de Airen doer como se tivesse rasgado. Na verdade, sua pele havia se rompido, mesmo com os calos de tanto treinar. Sangue escorria de sua mão, o que o fez concentrar-se ainda mais. Airen recuou e se preparou novamente enquanto o velho avançava com passos pesados e desferia outro ataque.
— Ugh…!
Os ataques continuavam, sem truques mentais ou movimentos chamativos. Eram apenas balanços horizontais e verticais, incrivelmente básicos, mas Airen não conseguia se defender de nenhum deles.
“Não posso continuar assim!”
Na luta entre as duas espadas pesadas, uma continuava a empurrar a outra. Isso significava que Airen estava perdendo terreno. Se ele perdesse espaço, sua liberdade de movimento seria restringida. Ele sabia que precisava avançar e atacar, usando todas as habilidades que havia aprendido até então. Também usou ativamente seus olhos para observar a aura.
Mas, não importava o que fizesse, ele não conseguia impedir que o homem avançasse. Era como uma muralha de aço que empurrava implacavelmente. Airen sentia que jamais seria capaz de parar aquela parede espessa que parecia crescer a cada instante. Foi então que o fogo começou a arder profundamente em sua mente.
Pensando bem, ele acumulou tantas chamas em seu coração. Isso aconteceu ao perseguir as costas de Illia e ao ouvir os conselhos de Khubaru. Foi o mesmo quando encontrou Ignet, reencontrou Judith e Brett e os enfrentou em duelo. Houve também outros momentos em que cada experiência acendia uma chama no coração de Airen.
Mas havia dois motivos que o levaram a unir todas essas chamas em uma só. Ou talvez fosse apenas um. Seu amor por sua família e seu carinho por Illia. Ambos eram, no fundo, seu amor por pessoas preciosas.
O fogo irrompeu nos olhos de Airen. Ele ainda não entendia completamente o que sentia, pois estava ocupado demais tentando resistir aos ataques do velho. Mas apenas ter uma ideia vaga foi suficiente para unir as chamas em seu coração, criando uma grande chama que se transformou em uma espada gigantesca.
Finalmente, Airen segurou sua própria espada. E, com uma mente inabalável, avançou contra o ataque do velho.
E a espada do velho, que parecia indestrutível, foi partida ao meio.
O silêncio caiu enquanto Airen e o velho se encaravam. Eles nunca haviam conversado, mas Airen sentiu que o velho era amigável. Talvez fosse porque ele não sentia mais a raiva fria que o homem exalava. Mas…
— Eu torço por você — disse o velho.
Airen nunca esperou ouvir palavras tão gentis.
Ele ficou atordoado. Torcer? Pelo quê? Além disso, quem era aquele velho que me mostrou seu treinamento todo esse tempo? Airen estava perdido nesses pensamentos quando algo ainda mais surpreendente aconteceu. O velho, que parecia ter vivido toda a vida com um olhar severo, esboçou um leve sorriso.
— Espere…
Airen abriu a boca com esforço e começou a caminhar na direção do velho. Mas o homem se virou após o sorriso e começou a se afastar. Ele caminhava lentamente, mas Airen não conseguia alcançá-lo, e o velho desapareceu.
O misterioso velho sumiu por completo. O jovem loiro ficou olhando na direção em que o homem desapareceu por muito, muito tempo.
Por isso, ele não percebeu que a espada quebrada do velho havia se transformado em um pó fino e fora absorvida pela sua própria espada. E logo…
Os olhos de Airen se abriram de repente, e ele viu Lulu sentada ao seu lado. Em seguida, notou cerca de dez ou mais gatos sentados ao redor dele e saltou assustado.
— Aaaaah!
Os gatos se espalharam em todas as direções, derrubando vários objetos na sala.
Lulu, ainda em seu lugar, perguntou com um olhar preocupado:
— Você está bem, Airen?